Com dois manifestos publicados em menos de uma semana, o setor empresarial começa a mostrar insatisfação diante da demora na vacinação e do agravamento da pandemia da covid-19 no país. Eles cobram do presidente Jair Bolsonaro pressa na imunização, criticam a politização por causa das eleições de 2022, se colocam à disposição para ajudar e pedem ação do governo e do Congresso com medidas para a retomada econômica.
A reportagem ouviu empresários e presidentes das principais confederações do Brasil e num ponto eles são unânimes: é urgente a imunização em massa, com todos os tipos necessários de vacinas, para tranquilizar a população e acelerar a retomada da economia. Além de críticas à atuação do governo federal e de seus ministros, sobretudo o chanceler Ernesto Araújo, governadores e parlamentares não escapam da pressão.
No primeiro manifesto, assinado por 14 entidades, o movimento Coalizão Indústria pede "reformas já" e afirma que a segunda onda da pandemia é mais forte do que se imaginava e ocorre em desafiador cenário social, fiscal e de saúde. No segundo texto, "Prioridades aos Brasileiros", empresários alertam que os poderes devem fazer política de Estado, e não de governo.
— Entendemos que nada irá acontecer nesse país enquanto a população não estiver vacinada. Até porque muita gente não compreendeu a gravidade: há aglomeração em todo canto e desprezo à máscara — diz o presidente da Confederação Nacional do Comércio (CNC), José Roberto Tadros.
A entidade ofereceu instalações e equipes do Sesc e Senac para ajudar e evitar filas na vacinação. Tadros defende ainda a prorrogação do auxílio emergencial por 90 dias.
Já o presidente da Confederação Nacional de Serviços (CNS), Luigi Nesse, pede que as autoridades deem orientações a serem repassadas aos funcionários.
— Quem deve fazer isso é o Ministério da Saúde. Uma cartilha orientadora.
Do movimento Coalizão da Indústria, o empresário José Ricardo Roriz Coelho, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Plástico (Abiplast) e vice-presidente da Fiesp, diz que a organização em relação à pandemia está ruim e cheia de imprevistos.
— Do lado da saúde, não está passando segurança. Do lado da economia, as coisas não andam — avalia.
As empresas esperam clareza do governo para evitar que seus recursos não acabem sendo mal utilizados, afirma Pedro Passos, cofundador da gigante dos cosméticos Natura.
— Sem a liderança e o chamamento do governo, fica o temor de que essa ajuda seja de pouca valia. O governo tem de dizer o que o empresário deve fazer: é para emprestar caminhão para carregar vacina, treinar gente, contratar consultoria, planejar logística? — questiona Passos.
Empresas veem "improviso" do governo
Um executivo presente à reunião entre empresas e membros de três ministérios sobre a vacinação contra a covid-19, na semana passada, disse ter saído "aliviado" do encontro. Na ocasião, o governo garantiu ter o controle da situação, tanto no estoque de vacinas quanto para a entrega dos imunizantes.
Contudo, após o barulho político e as dificuldades do governo em garantir vacinas, a impressão mudou. Empresários entrevistados dizem estar dispostos a ajudar a agilizar a vacinação, mas se irritaram com os "improvisos" e cobram clareza da situação para poderem ajudar.
Segundo Pedro Passos, o "empresariado como um todo está atônito porque a desinformação que vem do governo central é muito grande".
— A sensação é que há muito improviso. E isso assusta. Temos de vacinar 200 milhões de pessoas. E, como só devemos ter vacina em quantidade em dois meses, se tudo der certo, teremos de imunizar 1 milhão de pessoas por dia para terminar a vacinação em 2021. É um desafio gigante — afirma.
Quem pode se vacinar
Com o número bastante reduzido de doses disponíveis no Brasil neste primeiro momento da fase 1 do Plano Nacional de Imunização (6 milhões em todo o país, 340 mil no RS), a prioridade para receber as doses é dos profissionais da saúde que atuam no atendimento de pacientes com coronavírus, idosos que vivem em lares de longa permanência ou acima dos 75 anos e indígenas. Ainda não há vacinação aberta em postos de saúde para demais pessoas previstas nos grupos prioritários.