— Tínhamos fila de encomendas no início deste ano, e, em duas semanas, os pedidos sumiram.
O desabafo de Leonardo Mendes, sócio da Print Up 3D, que fornece a indústrias peças feitas em impressoras tridimensionais, poderia ser o epílogo da trajetória que sucumbiu pela crise do coronavírus. Mas o enredo desta história é diferente.
Quando os clientes interromperam a produção, em março, a empresa de Porto Alegre aproveitou sua estrutura ociosa para ajudar a sociedade a enfrentar a pandemia. As impressoras 3D de última geração foram usadas para fabricar viseiras de proteção (os face shields) a serem doadas para hospitais públicos.
— Transformamos o escritório em um centro de montagem e distribuição de produtos de proteção individual (EPIs). Em poucas semanas, passamos a integrar uma rede de doadores: empresas nos mandavam filamentos de plástico e até álcool para produzirmos as máscaras — conta Leonardo.
Mais de 6 mil EPIs já foram doados. A empresa também passou a vender outros tipos de máscaras, revertendo a totalidade do lucro em matéria-prima para os face shields doados. O que era um movimento solidário revelou-se porta de entrada para um novo mercado. A companhia conseguiu se aproximar de hospitais e clínicas e passou a vender peças de reposição para respiradores, ganhando equilíbrio para seguir navegando em meio à tormenta.
O movimento da empresa demonstra uma mudança de postura que, de acordo com especialistas, tende a ganhar mais força no decorrer e também passada a pandemia. Empresas que pensem em ir além do lucro e entregar aos empregados e à sociedade sua contribuição para um mundo mais solidário e inclusivo podem se sobressair após a pior crise sanitária em um século.
A consultora organizacional Loraine Bothomé Müller, professora da Escola de Negócios da PUC-RS, avalia que a gravidade do momento deve estimular uma visão mais empática de empresas, despertando a noção de que todos — organizações, funcionários e clientes — têm a ganhar ao buscarem o bem coletivo.
— Vivemos um divisor de águas. As empresas estão percebendo que não adianta ter um produto se não há cliente, não adianta ter cliente sem renda e não adianta devastar os recursos naturais para ter lucro enquanto doenças e poluição de alastram — resume.
O conceito de responsabilidade social corporativa não é novo e cresce desde os anos 1980. Foi a época em que grandes conglomerados passaram a ser cobrados para compensar o impacto ambiental de suas atividades e contribuir para o desenvolvimento das comunidades onde estavam.
Agora, esta concepção dá um passo adiante. As redes sociais e seu imenso poder de distribuição formam comunidades de consumidores que reconhecem (ou punem) empresas de acordo com suas ações e de seus proprietários.
Foi o que aconteceu em março, quando Junior Durski, dono da rede de restaurantes Madero, gravou um vídeo em que dizia que o impacto econômico do coronavírus seria pior do que as mortes causadas pela covid-19. Logo após o pronunciamento, foi criada a hashtag "MaderoNuncaMais no Twitter, que se alçou como um dos temas mais comentados nas horas seguintes.
De acordo com Crismeri Corrêa, presidente da seção gaúcha da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH-RS), a noção de respeito social ainda é mais discurso do que prática em muitas empresas, mas isso tende a mudar com a pandemia. Em um contexto de crise, máscaras começam a cair e a sociedade pode enxergar com mais clareza como agem as companhias em tempos incertos. Na avaliação dela, ao reforçar valores como respeito à diversidade, colaboração e transparência, as empresas podem ficar mais resistente a intempéries.
— Com consumidores mais bem informados e mais criteriosos, ter propósitos firmes ajudará as companhias a ganharem a preferência na hora das compras — avalia Crismeri.
Diversidade deve ganhar força
Valores éticos têm ganho importância tanto da porta para fora quanto dentro das empresas, complementa Elaine Terceiro, consultora da Mais Diversidade, que ajuda companhias a implementarem políticas de inclusão. Ela observa que empresas que já vinham implementando ações de respeito e atenção ao colaborador estão atravessando a atual crise com menos trauma.
— São empresas que já tinham programas ligados à saúde mental, jornada flexível e home office. Para elas, mudar a forma de trabalho não foi um caos — comenta.
Para a especialista, ter equipes mais plurais, com pessoas de diferentes raças, gêneros e idades em cargos de decisão, poderá ajudar as companhias a se adaptarem com mais facilidade ao mundo pós-pandêmico.
— Se você tem equipes heterogêneas, consegue dar uma resposta mais rápida às mudanças e ter mais resiliência para atravessar crises. Esta lição muitas empresas estão aprendendo agora a ferro e fogo — completa.
A Birô Atelier, em Novo Hamburgo, nasceu em 2018 amarrada ao conceito de gerar impacto positivo na sociedade. A empresa procura ajudar pessoas em vulnerabilidade social ao fornecer treinamento de corte e costura e comprar sua produção.
A empresa fechou parceria com a Ciclo Reverso, uma organização de impacto social de Viamão, para capacitar mulheres em vulnerabilidade social de Viamão. Elas foram treinadas e agora são colaboradoras externas: recebem da Birô a matéria-prima e revendem à empresa do Vale do Sinos sua produção. Além disso, todas peças são feitas com retalhos ou sobra de estoques de grandes fábricas de tecidos, que seriam descartados, o que representa preservação ambiental.
— Com a pandemia, reduzimos a produção interna e reforçamos encomendas junto a pessoas que perderam seus empregos em razão da crise — explica Bianca Rodrigues, sócia da empresa.
Com menor demanda por confecções, a Birô colocou seu foco em máscaras de algodão personalizadas e ações nas redes sociais, em uma mudança de rumo que contou com a ajuda do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae-RS). O retorno do consumidor tem superado expectativas.
— Mais consumidores têm descoberto nossa marca e compartilhado nossas ações sociais. Isso tem gerado negócios e nos estimulado a seguir em frente em um momento de grandes mudanças — comemora Bianca.