BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Em meio à enxurrada de projetos na Câmara que buscam enfrentar o novo coronavírus, há propostas que chamam a atenção no quesito originalidade - embora pequem no critério viabilidade.
Por exemplo: como reflexo da Covid-19, a Bolsa acumula queda de cerca de 30% no ano. Por que não contrariar o conceito de renda variável e suspender a negociação de ações para interromper a sangria na carteira de investidores?
É o que defende projeto protocolado no início de abril pelo deputado Paulo Ramos (PDT-RJ).
Contexto: em março, o circuit breaker, mecanismo que interrompe as negociações quando a queda do Ibovespa supera 10%, foi acionado seis vezes.
Diante do pânico gerado no mercado financeiro, Ramos propôs a suspensão, por 120 dias, das atividades do mercado de ações, títulos ou valores mobiliários, como medida restritiva para conter a disseminação da Covid.
A reportagem não conseguiu falar com o deputado. Na justificativa, Ramos destaca as perdas que a Bolsa brasileira vinha registrando por causa da pandemia.
Diante desse cenário, afirma, a suspensão dos pregões atingiria dois objetivos: preservar a vida dos operadores do mercado financeiro, que ficariam em casa, "para evitar contaminarem a si mesmos e a outras pessoas"; e conter a tendência de queda dos ativos, "sendo essa tendência causada majoritariamente por movimentos de especulação que provavelmente já não correspondem à realidade econômica do país".
Para Felipe Marin Vieira, sócio da área de mercado de capitais do Velloza Advogados, o projeto seria caótico por se tratar de "uma interferência indevida do Poder Legislativo, que não é técnico no assunto, em um mercado absolutamente complexo".
"O risco de mercado, que significa risco da variação de preços, é inerente a esse tipo de investimento, por isso que se chama 'renda variável'", disse.
"E fechar a Bolsa sob o argumento da proteção dos operadores não parece razoável, porque em qualquer atividade essencial os trabalhadores devem adotar as medidas protetivas necessárias para a atividade não parar. Devemos equiparar a Bolsa de Valores à atividade bancária, pois ambos são serviços essenciais para a existência de liquidez em nosso mercado."
A proposta de Ramos, que dificilmente será colocada na ordem do dia pelo liberal presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), não é a única a avançar sobre o mercado financeiro.
Outro projeto controverso, do deputado Dagoberto Nogueira (PDT-MS), prevê a suspensão do pagamento da dívida interna e externa do país por causa da pandemia.
Na justificativa, ele afirma que a dívida pública vem crescendo, levando o pagamento de juros e amortizações a "patamares absolutamente substanciais".
"No presente contexto de calamidade pública decorrente da crise humanitária e econômica gerada pelo coronavírus Covid-19, torna-se absolutamente essencial preservar a capacidade de o Estado gerir adequadamente seus escassos recursos", escreveu.
O dinheiro economizado durante a suspensão poderia ser usado na saúde e em investimentos públicos, defende.
Já a deputada Maria do Rosário (PT-RS) propôs uma linha de crédito sem juros concedida por bancos públicos a artesãos.
Pelo texto, esses pequenos empreendedores começariam a pagar o empréstimo após o fim do estado de calamidade e poderiam parcelar o valor em pelo menos 12 prestações mensais.
O dinheiro só teria correção monetária, mas "pelo índice mais favorável ao beneficiado".
Para a deputada, a proposta é inovadora diante da "ganância geral do sistema financeiro".
"Eu estou colocando os bancos públicos com a responsabilidade de também fazerem parte de financiamento de recursos públicos", afirmou.
"Quando o banco só pensa na estratégia de juros, isso não ajuda a girar a economia para o pequeno empreendedor, porque o pequeno não tem como pagar juros."
Saindo da esfera financeira e migrando para a de saúde propriamente dita, alguns projetos também fogem do trivial.
Em meio a discussões sobre necessidade de restringir ainda mais a circulação de pessoas, proposta do deputado Nereu Crispim (PSL-RS) quer reconhecer a prática da atividade física e do exercício físico como essenciais em academias e espaços destinados a essa finalidade, e também em locais públicos.
Pelo projeto, as restrições ao direito de "praticar exercícios nas academias e espaços públicos devem ser fundamentadas em normas de saúde ou de segurança pública e serão precedidas de decisão administrativa fundamentada da autoridade competente", que deverá "expressamente indicar a extensão, os motivos e critérios científicos e técnicos" que embasam a medida.
Para o deputado, as atividades físicas, com auxílio de personal trainers, teriam função dupla nesse período de pandemia.
"É uma maneira de as pessoas se livrarem do estresse do confinamento e também de controlar a incidência de doenças crônicas, como diabetes", afirmou.
"Olha o tamanho das academias. É possível atender duas ou três, poderia-se calcular o número de pessoas, com máscara e higienização, enquanto não sai da quarentena."