Referência na área de comércio internacional, José Alfredo Graça Lima entende que a saída da crise do coronavírus passa pela cooperação econômica entre países. Mas, ao projetar o cenário pós-pandemia, o diplomata sinaliza que "disputas" políticas podem frear o movimento de reação.
Como o senhor descreve o cenário para a economia global?
Estamos vendo um choque, não propriamente comparável ao que a Segunda Guerra Mundial produziu. Mas há um termo de comparação possível, no sentido de que estamos diante de um desafio custoso, não só para a área financeira, mas sobretudo para a economia real. Se governantes pensassem mais no futuro e no atendimento das populações, disputas passariam para o segundo plano. Aí poderíamos iniciar, tal como aconteceu em 1946, um ciclo de maior cooperação, mais voltado para o incremento das trocas comerciais. Parecem reflexões um pouco óbvias. A situação provocada pela pandemia vai se estender por meses até que tenhamos equilíbrio entre oferta e demanda.
Analistas indicam possível aumento do protecionismo após a pandemia. Qual é a avaliação do senhor?
A crise acentua a necessidade de maior interdependência. As cadeias globais de produção vieram para ficar, porque respondem a uma necessidade econômica. Os fatores produtivos se colocam à disposição dos empreendedores onde são mais baratos. Mas reconheço que esse é apenas um raciocínio. É um caminho para a racionalidade. Quando se tem um projeto político, a lógica pode ficar prejudicada, e a economia paga pelos erros.
Qual é o cenário pós-pandemia que se desenha para a China, principal destino das exportações brasileiras?
Passado o período de ajuste, a China tem todas as condições para continuar crescendo. A pergunta é se esse crescimento vai incomodar outras lideranças ou não. A questão é em que medida haverá ou não entendimento para deixar disputas de lado, para fazer com que as necessidades de todos sejam atendidas. Esse é um ponto importante: é preciso assinalar distinção entre interesse nacional e necessidades do outro.
Necessidade não pode ser contornada. O Estado tem de atender a necessidades da população. Ele faz isso por meio do comércio, para produzir mais e melhor. No momento em que o raciocínio é um pouco distorcido, em que você tem de competir e não cooperar, apenas para não ficar em segundo ou terceiro lugar, há uma dificuldade. Tudo isso parece óbvio, mas fico um pouco desconcertado com o que vejo em algumas decisões.
Mais importante do que estatísticas e previsões de crescimento ou ajuste fiscal, que terá de se dar, é concentrar esforços na recuperação da produção, da economia real. Isso é feito com empregos. E empregos só são recuperados com investimento público, por mais custoso que possa ser
JOSÉ ALFREDO GRAÇA LIMA
Diplomata
Em meio à crise internacional, o que pode amenizar as perdas no Brasil?
Mais importante do que estatísticas e previsões de crescimento ou ajuste fiscal, que terá de se dar, é concentrar esforços na recuperação da produção, da economia real. Isso é feito com empregos. E empregos só são recuperados com investimento público, por mais custoso que possa ser. Investimentos privados também são importantes, naturalmente.
Mas a aversão ao risco faz com que fiquem um pouco represados neste momento. É preciso fazer um mutirão entre poder público e iniciativa privada para que a economia se recupere. É na crise em que se vê deficiências e oportunidades para fazer coisas certas, trabalhar em conjunto para suprir as necessidades. É um desafio tremendo.
Quais são os aprendizados que a crise pode deixar?
No Brasil, com tantas desigualdades sociais, a culpa não é do capitalismo, mas de como o sistema foi operado para favorecer determinados setores em detrimento de outros. É um desafio que o poder público tem pela frente. Tanto é que vem tentando contornar essa situação com acordos que nem sabemos a essa altura se vão entrar ou não em vigor. O acerto entre Mercosul e União Europeia está em uma realidade cada vez mais longínqua.