SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A queda do agora ex-ministro da Justiça Sergio Moro faz o mercado financeiro traçar, nesta sexta-feira (24), cenários de total instabilidade política e econômica. O contexto é agravado pela crise econômica causada pela pandemia do novo coronavírus.
Analistas e economistas apontam desde o risco de que Paulo Guedes será o próximo a cair até chances de que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), decida abrir um processo de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
O retrato dessa incerteza é a alta do dólar, que chegou a ser cotado a R$ 5,745, após o pronunciamento de Moro sobre sua demissão. A Bolsa brasileira teve forte queda e chegou a flertar com um novo circuit breaker --mecanismo de proteção a investidores acionado quando o Ibovespa cai mais de 10%.
O dólar encerrou o dia em alta de 2,5%, a R$ 5,6610. Na semana, a moeda americana acumulou valorização de 8%.
O real teve a maior desvalorização semanal desde 2008, segundo a CMA e a Vitreo.
No ano, a alta é de 41%. Dentre todos as moedas do mundo, o real é a que mais perde valor em 2020.
O dólar desacelerou alta com intervenções do Banco Central. Foram vendidos US$ 3,175 bilhões das reservas, US$ 2,175 bilhões em quatro leilões à vista e US$ 1 bilhão em duas operações extraordinárias de swap cambial.
O Ibovespa, que chegou a cair 9,6% depois da fala de Moro, reduziu suas perdas ao longo da tarde e terminou a sessão com queda de 5,45%, a 73.330 pontos.
"O cenário é nebuloso, é complicado. Acho que a tendência é que isso se escale, é difícil encontrar alguma maneira de Bolsonaro reverter esse quadro. Ele está sem apoio tanto político quanto popular, e temos alguns pontos-chave que é como vai ser a reação de Maia, que pode abrir um pedido de impeachment e isso pode acelerar", afirma Luis Sales, analista da Guide.
A gente pode ter uma abertura de investigações com relação ao Bolsonaro", disse ele, em referência a afirmações feitas por Moro em entrevista em que anunciou sua demissão.
O ex-juiz da Lava Jato afirmou que Bolsonaro pretendia fazer uso político da Polícia Federal e queria acesso direto ao chefe do órgão.
A troca de Mauricio Valeixo no comando da PF foi o estopim para queda de Moro, que afirmou ainda que o presidente estava incomodado com investigações do STF (Supremo Tribunal Federal).
'É um cenário já de crise. Em razão da pandemia, [Bolsonaro] já vinha perdendo bastante apoio popular e também credibilidade mesmo no âmbito político", acrescentou Sales.
"É uma crise que pode ser uma crise de saúde que se caminha para uma crise política e econômica por perda de credibilidade também."
Para os economistas Tony Volpon e Fabio Ramos, do banco suíço UBS, o impeachment é improvável no momento.
"É possível que a demissão e as acusações de Moro aumentem os pedidos de processo de impeachment contra o presidente Bolsonaro, mas, para isso acontecer, em nossa opinião, terá que haver um forte apoio popular, e a oposição a Bolsonaro, principalmente da esquerda política, sempre criticou Moro, que investigou muitos membros do Partido dos Trabalhadores quando era juiz da Lava Jato", dizem em relatório.
Além disso, eles apontam que Maia não deve abrir um processo de impeachment enquanto o país sofre os impactos econômicos e de saúde da pandemia de Covid-19, "a menos que haja prova concreta interferência política nas investigações judiciais em andamento", dizem.
Cassiano Leme, presidente da Constância Investimentos, afirmou que a queda da Bolsa reflete não apenas a saída de Moro mas os riscos que as afirmações feitas trazem ao país.
"O que faz preço na Bolsa não é propriamente o combate à corrupção [associado a Moro], mas talvez em um sentido de mais longo prazo da instabilidade geral do país", afirmou Leme.
Ele pontuou que será difícil prever o próximo movimento do governo.
Consenso entre analistas é que a permanência de Guedes, o fiador econômico de Bolsonaro desde a campanha eleitoral, está sob questionamento.
"Poderá haver outra instabilidade nos outros ministros, importantes para a própria caminhada econômica", disse Leme.
"O desafio do presidente de rearticular e criar uma nova base política se renova. É algo que vem desde a saída [do presidente] do PSL. Justiça e Economia eram os baluartes do governo. Essa saída levanta rumores sobre a saída de Guedes, e isso é muito negativo", afirma Ilan Arbetman, analista da corretora Ativa.
Para ele o discurso do presidente ao fim do dia foi inconclusivo e "ineficaz no sentido de mitigar o atual nível de volatilidade do mercado brasileiro".
A leitura de André Perfeito, economista-chefe da Necton, é que a queda de Moro dificulta a aproximação de Bolsonaro com o centrão. Nas últimas semanas, o presidente vinha articulando uma coalizão para tentar isolar Maia.
Isso colocaria sob risco a agenda econômica, ainda mais em um cenário já complicado pelos efeitos econômicos causados pela pandemia do novo coronavírus.
"Guedes não está disposto a fazer isso porque ele é um cara coerente. O problema é que o que o presidente vai exigir dele é muito mais do que talvez ele esteja disposto porque ele acredita que existem questões fiscais de longo prazo que ele precisa controlar."
"As pressões políticas que culminaram [na demissão de] Valeixo e Moro são as mesmas que vão para cima do ministro Paulo Guedes."
Sales, da Guide, tem avaliação semelhante. "Fica também a dúvida com relação a Guedes, porque a principal causa dele são as reformas. Não temos nenhum tipo de ambiente para isso, e o que sobra são estímulos fiscais, que são contra a política e a visão do ministro e também contribuíram para uma deterioração das contas públicas."
Para George Wachsmann, sócio da Vitreo, a saída de Moro coloca em xeque a tese do mercado de que o "presidente poderia ter defeitos, mas tinha uma equipe técnica", algo que teria se sus- tentado na troca dos ministros da Saúde, com Nelson Teich, visto como técnico, no lugar de Luiz Henrique Mandetta, tido pelo mercado como mais político.
"A saída de Moro é muito ruim e piora o cenário para segunda parte do governo Bolsonaro. É quase como a gota d'água para o mercado colocar na sua frente o agravamento político no Brasil", diz Wachsmann, que também vê risco de Guedes sair do governo.
"O presidente não dá poderes aos ministros, e há um medo no mercado de que o mesmo aconteça com Guedes. É um risco real, mas apostamos na resiliência do ministro. Se pessoas tivessem certeza de que a saída do Moro fosse isolada, talvez a reação do mercado seria diferente. Moro, com Guedes, fazia parte do tripé de sustentação do governo. Se uma perna cai, as outras ficam bambas."
Segundo Sales, a tensão política deve trazer mais insegurança a curto prazo, situação que continuará a pressionar o dólar para cima e o Ibovespa para baixo na próxima semana.