RIO DE JANEIRO, RJ, E SANTOS, SP (FOLHAPRESS) - A Petrobras anunciou nesta sexta (27) novos cortes nos preços da gasolina e do diesel, segundo a queda das cotações internacionais do petróleo. Os elevados estoques de postos e distribuidoras, porém, devem retardar ainda mais os repasses aos consumidores, que já vêm em ritmo lento desde o início do ano.
A partir deste sábado (28), a gasolina vendida pelas refinarias da Petrobras estará 5% mais barata. É o nono corte do ano, o quarto em apenas 15 dias, período em que começaram a se intensificar pelo mundo as restrições à mobilidade das pessoas para combater a pandemia do coronavírus.
O preço do diesel cairá 3%, no oitavo corte do ano -o terceiro nas últimas duas semanas. Com as mudanças, o preço da gasolina já acumula queda de 43% nas refinarias. O diesel caiu 31%. Nas bombas, até a última sexta (20), o repasse havia sido de apenas 1,5% para a gasolina e 4,4% para o diesel.
A queda abrupta no consumo de combustíveis após o início das medidas de isolamento social no país é apontada por executivos e especialistas como um entrave para repasses mais rápidos neste momento, já que os postos e distribuidoras têm dificuldade para desovar estoques antigos.
Estimativas do setor apontam que a redução do tráfego de veículos nas cidades brasileiras reduziu em 50% a 60% as vendas de combustíveis automotivos, como gasolina e diesel. O consumo de diesel tem redução menor, em torno de 20%, já que o transporte de cargas permanece em operação.
Com tanques cheios, postos estão suspendendo pedidos às distribuidoras de combustíveis. Essas, por sua vez, já começaram a negociar redução ou até mesmo suspensão no bombeio de produtos das refinarias da Petrobras para suas bases sem o pagamento de multas contratuais.
A reportagem apurou que a estatal vem aceitando os pedidos quando comprova que os clientes não têm mais tancagem suficiente para receber produtos. Em teleconferência com analistas na quinta (26), a diretora de Refino e Gás Natural da estatal, Anelise Lara, disse que está dando "alguma flexibilidade" a termos contratuais.
"A queda [no preços] foi mais forte nas duas últimas semanas e o fato de não ter chegado às bombas é questão de tempo", diz o professor da FGV EAESP Rafael Schiozer. "Os postos estão com rotatividade baixa, os estoques rodando pouco com as pessoas saindo menos de carro, e os preços ainda são antigos".
No caso do diesel, em que os estoques estão girando mais rápido, o ritmo de repasse ao consumidor é maior: segundo a ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis), mais da metade da queda acumulada nas bombas durante o ano foi concentrada nas duas últimas semanas.
"Nossos preços são vinculados aos das companhias distribuidoras. Quando elas reduzem, nós reduzimos", diz o presidente da Fecombustíveis (Federação Nacional do Comércio Varejista de Combustíveis e Lubrificantes), entidade que representa os postos, Paulo Miranda.
Os dados da ANP mostram, porém, que a lentidão nos repasses vem de antes da crise gerada pela pandemia do novo coronavírus. Segundo a agência, as margens de lucro dos postos cresceram 10% no ano, o que explicaria parte da demora.
A alta começou a ocorrer em fevereiro e se intensificou na última semana, quando chegou a R$ 0,492 por litro, em média no país. Na avaliação de fontes do setor, pode ser uma tentativa de minimizar a perda de receita com a queda nas vendas.
Na avaliação de especialistas, o modelo de cobrança do ICMS sobre os combustíveis também contribui. Para calcular o imposto, estados fazem pesquisas nos postos e definem, a cada quinze dias, um preço de referência chamado PMPR.
"O ICMS sempre tem efeito de retardo nos preços", diz Schiozer. "É sempre cobrado no preço antigo [das bombas] e quando o preço cai nas refinarias, demora duas ou três semanas para cair no varejo." O imposto representa cerca de 30% do preço final da gasolina.
Dados do Confaz (Conselho Nacional de Política Fazendária) mostram apenas nove estados e o Distrito Federal cobram hoje ICMS sobre um valor menor do que o vigente no início do ano.
Em quatro estados, o valor não foi alterado no ano.
A maior queda, de 4,5%, foi no Distrito Federal, que está aplicando a alíquota do imposto sobre um preço da gasolina de R$ 4,408 por litro. A segunda, no Rio Grande do Norte (-3,7%, para R$ 4,613 por litro).
Em outros 13 estados, pelo contrário, houve aumento no valor. O maior deles no Amazonas, de 8,4%. O estado cobra o imposto sobre um preço de referência de R$ 4,7194 por litro. No Mato Grosso do Sul, o valor subiu 5,6%, para R$ 4,6915.
A demora para reduzir o ICMS gerou uma crise entre o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e os governadores no início do ano. Insatisfeito com a lentidão dos repasses, o presidente acusou os estados, abrindo uma campanha de cobranças por reduções em redes sociais.
O setor defende mudanças no modelo, com a instituição da cobrança de um valor fixo em reais por litro, tema que deve ser discutido durante os debates da reforma tributária.
Sexto estado com maior alta no valor de cobrança do ICMS no ano, Santa Catarina diz que "não determina os preços dos combustíveis, e sim, faz a pesquisa em todas as regiões do estado para calcular a média dos preços".
Quarto estado na lista, com alta de 2,29%, Alagoas disse que põe o preço real que acontece no mercado, que é alterado quinzenalmente e atualizado de acordo com o regramento.
Os discursos são semelhantes aos adotados por outros estados quando questionados sobre repasses do ICMS. Amazonas e Mato Grosso do Sul ainda não responderam ao pedido de entrevista sobre o assunto.
Com a queda do consumo, a Petrobras já reduziu o nível de utilização de suas refinarias para 74%, ante a média de 79% em 2019. A expectativa é que o ritmo desacelere ainda mais nos próximos meses.
Lara afirmou que a empresa estuda como otimizar suas refinarias para o cenário atual, priorizando a produção de produtos que ainda têm demanda, como óleo diesel e combustível de navegação, e reduzindo a oferta de gasolina e querosene de aviação.