Setores da indústria e do Congresso reagiram a uma das principais bandeiras do governo Jair Bolsonaro para o Mercosul: a reforma da tarifa externa comum (TEC), imposto sobre importações compartilhado por Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai. Entidades representativas e parlamentares avisaram o governo que não aceitarão cortes unilaterais nessas alíquotas.
Disseram ainda que qualquer movimento nesse sentido precisa ser discutido para garantir, entre outros pontos, um período de adaptação para as empresas brasileiras. Eles cobraram que as mudanças tarifárias devem ser acompanhadas de medidas para melhorar a competitividade e o ambiente de negócios.
Os índices atuais da TEC sempre foram considerados entrave pela equipe econômica comandada pelo ministro Paulo Guedes, que advoga por uma maior abertura comercial. Em outubro de 2019, circulou pelas embaixadas dos países do Mercosul um anteprojeto de corte que foi visto como radical demais pelo setor produtivo brasileiro. À época, o esboço foi divulgado pelo jornal Valor Econômico.
O rascunho elaborado pela equipe econômica previa, na média, uma TEC para produtos industriais que passaria de 13,6% para 6,4% em quatro anos. Diante do que consideraram abertura comercial sem período de transição adequado, associações que representam a indústria passaram a pressionar tanto o governo quanto o Congresso contra a ideia.
Uma das queixas era que o Ministério da Economia vinha dando pouco espaço para o setor no debate de uma proposta de corte tarifário. O principal interlocutor dessas entidades no Legislativo foi o deputado Marcos Pereira (Republicanos-SP), vice-presidente da Câmara e ex-ministro da Indústria e Comércio Exterior (estrutura que foi incorporada pelo superministério da Economia).
Ele passou o recado à equipe de Guedes de que uma proposta de corte das tarifas naqueles termos seria mal recebida no Legislativo. Também pontuou que muitos congressistas são contrários a qualquer medida unilateral do Ministério da Economia nesse assunto e que, se aquele estudo de redução tarifária fosse adotado, haveria ainda risco de judicialização.
— Incentivamos a abertura comercial, desde que seja de uma forma planejada, gradual e dialogada. E que ande em paralelo com a melhoria do ambiente de negócios interno afirmou — afirmou Pereira.
Segundo relatos à reportagem, a reação dos industriais e do vice-presidente da Câmara fez com que os membros da equipe econômica pisassem no freio na defesa da agenda junto aos demais parceiros do Mercosul. O Brasil segue levantando o tema nas reuniões técnicas do bloco, mas os negociadores do país, disseram interlocutores, reconhecem que será preciso encampar um cenário de corte menos ambicioso e com transição mais alongada.
A resistência interna gerou especial frustração na equipe econômica porque as contraofertas tanto do Uruguai quanto do Paraguai coincidiam em grande parte com a brasileira. Além da sinalização dessas dificuldades, a reformulação da TEC esbarra no segundo maior parceiro do Mercosul, a Argentina.
Até o fim de 2019, o país vizinho era comandado pelo liberal Mauricio Macri, que endossava a agenda reformista do bloco. No entanto, apesar do discurso pró-modernização, as autoridades argentinas durante o governo Macri ressaltavam que o então presidente não tinha condições políticas de encampar uma redução das tarifas durante o período eleitoral.
Com a vitória do peronista Alberto Fernández, de linha protecionista, o lado brasileiro permaneceu durante meses esperando uma sinalização sobre qual linha Buenos Aires adotaria. A primeira resposta veio em meados de fevereiro, durante a visita a Brasília do novo chanceler, Felipe Solá.
De acordo com relatos, os argentinos disseram que apresentarão uma proposta de modificação integral da TEC na cúpula do Mercosul em julho, no Paraguai. Apesar da promessa, negociadores brasileiros ponderam que a modernização tarifária sempre foi um tema sensível no país vizinho e que ainda é incerto se o estudo que será entregue pela Argentina terá a coincidência necessária para tirar uma reforma do papel.
Integrantes do governo consultados afirmam que avançar com a agenda de reforma da tarifa externa é importante até para dar ao Brasil melhores condições nas futuras tratativas de acordos de livre-comércio. Em 2019, o Mercosul concluiu as conversas para um tratado desse tipo com a União Europeia e com a EFTA (Associação Europeia de Livre-Comércio). Estão em curso tratativas para possíveis acordos com Canadá, Cingapura, Coreia do Sul e Líbano.
A reformulação do imposto comum de importação do Mercosul é necessária, disseram esses interlocutores, porque o bloco tem níveis de proteção tarifária bastante superiores ao dos demais países. Procurada, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) não respondeu os questionamentos da reportagem.
O Ministério das Relações Exteriores afirmou por sua vez que a reforma da TEC "permanece como prioridade para o Brasil na agenda de modernização do Mercosul". "As alíquotas de imposto de importação estabelecidas pela TEC foram determinadas inicialmente em 1994 e sofrem constantes alterações pontuais, mas nunca passaram por uma revisão integral. Os níveis tarifários atuais encontram-se desalinhados aos praticados internacionalmente", diz a pasta.
Sobre a simulação de corte que foi apresentada em outubro, o Ministério da Economia disse que atualmente ocorrem "discussões técnicas bastante preliminares com sócios do Mercosul". O ministério destaca também que são debatidos diferentes aspectos metodológicos e cenários. "Não há uma proposta oficial de revisão tarifária do governo brasileiro", afirmou.