Para ter receita própria, a primeira estatal criada no governo Jair Bolsonaro — a NAV Brasil — prestará serviços aos Estados Unidos (EUA) na Base de Alcântara. A empresa concentrará toda a atividade de navegação aérea do país. A operação ampliada da NAV Brasil, que inclui a base de lançamentos no Maranhão, é a justificativa de Bolsonaro para o país ganhar mais uma empresa pública e ainda permitir a contratação de funcionários.
Atualmente, os militares dividem com funcionários da Infraero a atividade de navegação. Na área dos aeroportos, cabe à torre de comando e aos equipamentos em solo fornecer informações necessárias para pouso e decolagem, como direção e velocidade do vento e condições meteorológicas. Já no espaço aéreo, quem faz a comunicação com as aeronaves são os militares avisando sobre melhores rotas, por exemplo, e direcionando-as para evitar acidentes.
A decisão de Bolsonaro de criar a NAV vai na contramão das diretrizes liberais da atual equipe comandada pelo ministro da Economia Paulo Guedes, cuja pasta defende privatizações e enxugamento da máquina pública. O presidente, porém, cedeu às pressões do Comando da Aeronáutica. Desde a gestão da ex-presidente Dilma Rousseff, os militares pleiteavam a criação da estatal. Um decreto de Bolsonaro para regulamentar as atividades da nova empresa deverá ser publicado nas próximas semanas.
O surgimento de mais uma empresa eventualmente dependente do orçamento da União fez a equipe econômica resistir à proposta. Segundo o Boletim das Estatais do Ministério da Economia, do terceiro trimestre de 2019, eram 18 companhias nessa condição, cujas receitas próprias são insuficientes para seu funcionamento.
O Brasil tem 203 empresas públicas. Desse total, 46 são de controle direto da União. Entre as dependentes estão Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU) e Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
Para driblar os entraves impostos pelo time de Guedes, a Aeronáutica buscou diversificar a atuação da nova empresa. Com isso, justificam-se não somente a existência da NAV como as futuras contratações.
O Comando da Aeronáutica garante que as receitas virão da navegação aeroportuária. Hoje, essa prestação de serviço responde, segundo os militares, por 12% de toda a atividade do setor, que é desempenhada por órgãos da Aeronáutica e é remunerada. São as empresas de aviação que pagam pela serviço, tanto para a Infraero (12% da atividade de navegação) quanto para a Aeronáutica (88%).
O caixa será reforçado ainda com a base de lançamento.
— No planejamento estratégico da NAV, foi desenhado um plano para que ela tenha diversas outras receitas. Deverá, por exemplo, cuidar da navegação na base de Alcântara — afirma Tarcísio de Freitas, ministro da Infraestrutura.
Segundo ele, a empresa ficará responsável por Alcântara para atender às exigências do Acordo de Salvaguardas Tecnológicas (AST) assinado com os EUA.
De acordo com Tarcísio, a base fará lançamentos de foguetes e satélites com algum tipo de equipamento desenvolvido pelos americanos. No caso dos aparelhos dos EUA, haverá um tratamento especial. Os americanos irão trabalhar na base com o apoio de brasileiros. Já no caso de outros países, serão funcionários brasileiros à frente das operação. Eles terão, porém, a missão de proteger a tecnologia americana embarcada nos foguetes estrangeiros a serem lançados no Brasil.
Como cerca de 80% dos equipamentos espaciais no mundo contêm tecnologia americana, em 20 anos o governo estima faturar cerca de R$ 15 bilhões (em valores atuais). O país deverá concentrar 5% dos lançamentos do mundo. Parte dessa receita será direcionada para a NAV, que será prestadora de serviços.
Com esse cenário, a criação de empregos ganha fundamentação. O decreto de Bolsonaro definirá as regras para as contratações de novos funcionários. A expectativa é que a empresa tenha ao menos 13,5 mil funcionários. Desse total, ao menos 1,8 mil serão incorporados da Infraero, a estatal que administra aeroportos no país. Somente poderão ser transferidos para a NAV empregados da Infraero que já atuem com navegação aérea.
A ideia inicial da Aeronáutica é alocar militares temporariamente na NAV. No entanto, assim que a área econômica autorizar, a empresa pretende abrir concurso para a contratação de funcionários que substituirão os militares cedidos.
O decreto de Bolsonaro ainda deverá estabelecer os critérios para o acerto de contas entre a União e a Infraero para a transferência de ativos — torres e equipamentos, como radares e sensores meteorológicos. A Infraero reclama que, no passado, foram feitos investimentos solicitados pelos militares para reforçar a rede de proteção de voo no país. Isso, de acordo com a empresa, ajudou a prejudicar as contas da estatal dos aeroportos.
O valor do ressarcimento vai depender também do conteúdo do decreto, ainda não disponível. A Infraero quer que os investimentos, fora do escopo da Infraero, entrem no acordo de criação da NAV.