José Cláudio Ferreira da Silva*
A maioria dos economistas brasileiros adotou, nos últimos anos, uma postura bastante liberal, em consonância com o pensamento predominante nas principais economias do mundo. Todavia, não se pode esquecer as enormes diferenças sociais entre o Brasil e as grandes economias ocidentais.
As desigualdades no Brasil são tão grandes que o simples liberalismo, acreditando que o livre-mercado tudo resolve, não consegue sequer amenizar o que hoje se observa na nossa economia: anos de uma recessão que elevou o desemprego a níveis preocupantes e resultou em significativo aumento das iniquidades sociais.
Ou seja, mesmo com uma postura liberal, não se pode abandonar totalmente o pragmatismo, que exige tratamentos diferenciados e intervenção governamental para atenuar as diferenças individuais e regionais.
É ainda mais preocupante observar que o liberalismo exacerbado tem levado muitos economistas brasileiros a acreditar que, apenas com uma melhora das expectativas, reformas, privatizações e novas concessões de serviços públicos, será possível reverter a trajetória atual da nossa economia.
Não se pretende reduzir a importância nos resultados econômicos das reformas, expectativas, privatizações e concessões, mas deve-se considerar as condições reinantes quando elas acontecem.
A mudança das expectativas varia de acordo com a situação presente, além, naturalmente, do grau de confiança nos dirigentes: quando o Brasil registrava taxas de crescimento razoáveis e a Petrobras descobriu petróleo no pré-sal, a mudança das expectativas foi significativa, com as empresas aumentando os investimentos em preparação para os esperados melhores tempos e o governo aumentando os gastos públicos, elevando o emprego e a renda e levando a economia brasileira para o que os mais afoitos chamaram de uma situação de quase pleno-emprego.
No momento atual, quando as empresas enfrentam altos níveis de capacidade ociosa e o desemprego é elevado, não se pode confiar que as expectativas mudem significativamente apenas com algumas reformas e novas privatizações e concessões, embora essas sejam medidas bastante positivas. O mais provável é que as vendas e concessões ocorram a preços bem abaixo dos que seriam registrados em uma economia em crescimento e que novos investimentos empresariais passem a aguardar os resultados econômicos daquelas práticas (reformas, privatizações e concessões).
Por tudo isso, não parece razoável acreditar que tais medidas possam alavancar o crescimento econômico, como pensam os liberais.
Como essa alavancagem não pode partir do aumento do consumo privado (devido ao enorme desemprego atual), nem dos investimentos empresariais (não ocorre investimento em aumento de produção com elevada capacidade ociosa) e, tampouco, do aumento dos gastos públicos (nos três níveis de governo a situação é pré-falimentar) resta, como “ponto de partida”, um aumento significativo das exportações líquidas de mercadorias e serviços não fatores (turismo, diplomacia, fretes, seguros, ...), como aconteceu nos períodos recessivos que o País enfrentou nas últimas décadas.
É notório que acordos comerciais com outros países ou blocos econômicos ajudam a aumentar as exportações a longo prazo e devem ser estimulados, mas não serão suficientes para tirar o país da atual crise e alavancar o crescimento.
A solução que se apresenta como possível é o abandono do regime de taxas flutuantes de câmbio, algo que contraria o pensamento liberal. O retorno a um regime de “bandas cambiais”, centralizado em uma taxa de cinco reais por dólar, com um intervalo entre quatro reais e oitenta centavos e cinco reais e vinte centavos, representando uma desvalorização de cerca de vinte por cento em relação aos valores atuais, parece-me o mais adequado para o momento.
Naturalmente, os brasileiros que viajam com frequência ao Exterior não gostarão da ideia de que agora passarão a gastar 20% a mais do que antes, mas esses representam uma parcela pequena da população.
Certamente, não se espera que o atual governo, autointitulado liberal, siga uma estratégia como essa, além do fato de que, caso a seguisse, para que o empresariado acreditasse na permanência dessa estratégia, seria necessário algum tipo de compromisso formal dos atuais governantes (pouco provável), para elevar investimentos no aumento da produção para exportações.
Mas não tenho dúvidas de que, com mais alguns anos de economia “travada”, algum próximo governo irá perceber que essa é a alternativa restante. O aumento da produção de exportáveis reduzirá significativamente o desemprego, incrementando, simultaneamente, o investimento empresarial e o consumo privado, ponto de partida para a retomada do crescimento econômico. Embora não se possa esperar que a recuperação seja imediata, acredito que em cerca de três meses seus primeiros sinais já serão observados.
*Professor de Macroeconomia do Programa de Mestrado em Economia e Gestão Empresarial da Universidade Candido Mendes (RJ)