O governo Bolsonaro mencionou mais de uma vez a possibilidade de liberar o dinheiro de contas ativas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para impulsionar a economia do país.
A medida chegou mais próxima de ser realizada após o ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmar na quarta-feira (17) que o governo anunciaria regras para o acesso às contas ativas do FGTS. A iniciativa marcaria os 200 dias do governo.
O anúncio do ministro foi seguido por uma previsão de Jair Bolsonaro de que as regras seriam divulgadas na quinta-feira (18). O ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, deu afirmação destoante da feita pelo presidente no mesmo dia e postergou a data para próxima semana.
Atualmente, o dinheiro das contas ativas tem uso limitado, sendo o principal destino o financiamento da casa própria.
Abaixo, veja o vaivém da liberação parcial do FGTS.
Maior rentabilidade
Em maio, o secretário especial da Fazenda, Waldery Rodrigues Junior, disse que o governo estava trabalhando em revisões das regras do FGTS para fomentar a retomada da economia.
O objetivo das alterações seria ampliar a rentabilidade do fundo. À época, Rodrigues Júnior não detalhou quais medidas tinham sido estudadas e disse que a reforma do FGTS ficaria para depois da liberação de recursos do PIS/Pasesp.
Sinalização
Ainda em maio, Guedes deu o primeiro sinal de que estudava liberar o dinheiro de contas ativas do fundo. O ministro disse que aguardaria a conclusão das reformas tributária e da Previdência levar a medida adiante.
— Ajuda (a economia). O problema é que se você abre essas torneiras sem as mudanças fundamentais, é o voo da galinha. Você voa três, quatro meses porque liberou, depois afunda tudo outra vez. Mas na hora que você fizer as reformas fundamentais, e aí sim você libera isso, é como se fosse a chupeta de bateria. A bateria está parada, você dá a chupeta, mas tem a certeza de que o carro vai andar — disse.
O setor da construção civil começou a mostrar preocupação com os efeitos da possibilidade. O secretário de Produtividade do ministério da Economia, Carlos da Costa, declarou temer que a liberação pudesse afetar o financiamento da construção civil em 2020.
O anúncio de Guedes pegou de surpresa o Conselho Curador do FGTS. O Painel S.A. conversou com um de seus membros que afirmou que o grupo — que tem como função deliberar sobre as diretrizes que norteiam a utilização dos recursos de Fundo — não tinha sido consultado sobre as intenções do governo e que soube do anúncio pela imprensa.
Agenda pós-Previdência
Guedes se reuniu com o plenário no começo de julho para definir o plano de ação do governo depois da aprovação da reforma da Previdência.
Ao longo dos seis primeiros meses de governo, o ministro atribuiu aos seus secretários a missão de propor projetos que, primordialmente, ajudassem a impulsionar o crescimento da economia, gerando empregos.
Depois da reunião, feita a portões fechados, o ministro disse que aceleraria o lançamento de medidas após a aprovação da Previdência.
Entre as propostas discutidas, esteve a liberação e a reformulação do FGTS. Penalidades a gestores caso o prometido --a correção das contas acima da inflação-- não fosse alcançado de acordo com a meta definida foram analisadas.
Liberação
O ministro de economia, em 17 de julho, afirmou que o governo anunciaria regras para a liberação de dinheiro das contas ativas do FGTS .
Segundo ele, até 35% do valor depositado pelo empregador atual poderia ser retirado das contas. A expectativa do governo era que a medida liberasse R$ 42 milhões para os trabalhadores.
Até então, Guedes vinha dizendo que só faria anúncios de novas medidas econômicas após a aprovação da reforma da Previdência. As alterações nas aposentadorias precisam de uma rodada de aprovação dos deputados e do aval do Senado.
Horas depois do pronunciamento do ministro, Bolsonaro disse, ao final da Cúpula Mercosul, que a liberação seria divulgada nos dias seguintes.
Contas refeitas
Com o anúncio de Guedes, o ministério a Economia refez os cálculos e concluiu que R$ 30 bilhões seriam liberados com a flexibilização de saques.
Duas propostas estavam sendo discutidas. A primeira delas liberaria saques tanto para contas ativas como para inativas, sempre no aniversário da pessoa. Nesse caso, a ideia é que o trabalhador pudesse sacar um percentual do FGTS todo ano. Dessa forma, o governo evitaria situações em que empregados chegam a acordos com patrões para serem demitidos e receberem os recursos.
A segunda proposta, mais simples, seria flexibilizar os saques apenas para as contas inativas, e apenas uma vez (a exemplo do que ocorreu no governo Temer).
Construção Civil
Entidades setoriais da construção civil disseram ter sido pegas novamente de surpresa pelo anúncio do governo em 17 de julho.
Diversos representantes da iniciativa privada alertaram para o forte impacto negativo da medida no financiamento imobiliário. Entre as alegações estava a que o dinheiro pudesse ser usado em aplicações financeiras e para outros fins que não fossem do setor de construção.
Vaivém
Um dia após o pronunciamento de liberação feito por Guedes, Bolsonaro disse que as regras para o saque seriam anunciadas nas horas seguintes.
No mesmo dia, o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni postergou o anúncio em uma semana. A afirmação foi destoante da feita horas antes pelo presidente.
De acordo com Onyx, o detalhamento da proposta ainda estava em fase de elaboração pela equipe econômica, e a decisão de não fazer o anúncio oficial tinha sido tomada em reunião da Junta de Execução Orçamentária, com a participação do ministro da Economia, Paulo Guedes, e secretários.
A pressão de representantes da construção civil junto ao ministro da Casa Civil foi o principal motivo para o adiamento da liberação. As construtoras alegaram que já estavam endividadas e sem perspectiva de novos projetos diante da estagnação da economia.
Enquanto a ação do setor, liderado pela Câmara Brasileira da Indústria e Construção (CBIC), chegou a Onyx, grandes empresários foram falar diretamente com Bolsonaro, no Palácio do Planalto. O presidente recebeu, fora da agenda, Rubens Menin, dono da MRV, e Ricardo Valadares Gontijo, presidente-executivo da Direcional Engenharia.
Novas propostas
Em meio à indefinição da data de liberação do FGTS, o governo disse estar estudando flexibilizar os saques do fundo.
De acordo com a proposta em avaliação, o trabalhador faria uma escolha. Ele poderia sacar os recursos anualmente. Nesse caso, não teria mais direito a sacar o volume depositado pela empresa no caso de uma demissão sem justa causa.
Mas, se desejasse deixar de sacar os recursos, poderia recebê-los integralmente ao ser demitido.
Segundo a equipe econômica, objetivo era evitar que o trabalhador chegasse a um acordo com o patrão para ser demitido e receber os recursos depositados.
Setor de habitação
Após a pressão da construção civil, Bolsonaro anunciou que o percentual de recursos do FGTS reservados para o setor seriam preservados na medida em que novos saques para trabalhadores fossem liberados.
O ministro da Casa Civil também afirmou que o dinheiro usado para financiar o setor de habitação estava garantido.
Multa de demissão
No mesmo dia em que anunciou que fundos para o setor de construção civil seriam reservados, Bolsonaro criticou a multa de 40% do saldo do FGTS pago a trabalhadores demitidos sem justa causa.
Ele disse que o percentual foi criado no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso para desestimular demissões, mas acabou afetando contratações. Bolsonaro não foi claro ao responder se sua equipe econômica acabaria com a multa.
A multa de demissão também gerou discussão quando a primeira proposta da reforma da Previdência, elaborada pelo governo, foi anunciada em fevereiro. Pelo texto, empresas não precisariam pagar a rescisão contratual (multa de 40% do FGTS) quando o empregado já estivesse aposentado.
A proposta que foi enviado ao Congresso também retirou a obrigatoriedade de recolhimentos de FGTS dos empregados aposentados.
Os pontos referentes ao pagamento e recolhimento do fundo para aposentados foram retirados do texto pela CCJ em nova versão da Previdência, aprovada em abril.
Entenda mais sobre o FGTS
- Criado em 1966, era alternativa à estabilidade no emprego — o seguro-desemprego só veio em 1986.
- Formado por depósitos do empregador (8% da remuneração do empregado).
- Hoje pode ser sacado em nove casos, entre eles demissão sem justa causa, aposentadoria, compra da casa própria ou aos 70 anos.
- Há no Congresso 165 projetos para ampliar as hipóteses de saque.
- Poupança forçada, o fundo paga aos trabalhadores só 3% de juros ao ano, o que corrói o patrimônio. De 1997 a 2017, rendeu 202% contra inflação de 250%, nos cálculos do economista Pedro Fernando Nery.
- Enquanto o seguro-desemprego é mensal e cessa quando a carteira volta a ser assinada, o fundo é todo liberado na demissão.
- O patrimônio líquido do fundo era de R$ 104 bi em setembro de 2018, e financia habitação, saneamento e transporte (em 2019, R$ 78,6 bi).
- O dinheiro do FGTS para tentar estimular o consumo foi usado durante o governo de Michel Temer (MDB). Trabalhadores puderam sacar recursos das contas inativas. Foram liberados R$ 44 bilhões em 2017 com.