Após críticas do ministro da Economia, Paulo Guedes, ao novo formato da reforma da Previdência, o relator da proposta, deputado Samuel Moreira (PSDB-SP), disse que a Câmara dos Deputados assumiu a liderança do processo, mas, agora, o governo precisa ajudar a aprovar a medida.
Em entrevista à Folha de S.Paulo, Moreira afirmou que não são verdadeiras as declarações de Guedes. Na sexta-feira (14), o ministro disse que o relator cedeu à pressão do lobby de servidores e que deputados podem "abortar a Nova Previdência".
Para o relator, os votos para aprovar a reforma serão resultado do trabalho do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e dos líderes de partidos que representam a maioria da Casa. Ele não cita a articulação política do governo.
— O nosso papel, aqui na Câmara, com o Rodrigo Maia, é construir uma unidade nacional. Não existe só o governo; existem as forças da Câmara; existem os governadores; existem os partidos — disse.
Leia, abaixo, a entrevista na íntegra:
Quais os próximos passos da reforma?
Agora é um processo de construção dos líderes com o presidente da Câmara para se chegar a um cronograma, inclusive aos votos.
Aliados do presidente Jair Bolsonaro querem tentar reincluir a capitalização na proposta. É possível fazer isso?
O problema da capitalização não é nem o mérito. Eu já disse várias vezes que sou favorável. Não existe uma proposta concreta do governo. As coisas não foram bem encaminhadas do ponto de vista de construir uma maioria em torno desse tema. Esse tema divide muito a Câmara. Essa discussão poderia ser feita de maneira exclusiva em outra PEC (Proposta de Emenda à Constituição), sem ter que, ao mesmo tempo, discutir um conjunto de regras da reforma da Previdência atual. Uma coisa é reformar o que existe. Outra coisa é construir algo novo. Você fazer as duas coisas ao mesmo tempo não está sendo fácil.
Insistir na capitalização é uma estratégia correta?
Tendo voto, se tiver voto, tudo bem. Aí não foi uma discussão de mérito. A Casa está dividida. É encontrar uma maioria em torno de uma proposta. E não se conseguiu fazer uma proposta que contemple uma maioria.
Guedes foi contra medidas de aumento de receitas na reforma da Previdência. Por que houve essas críticas?
Eu acho que o equilíbrio fiscal das contas públicas é algo que não devemos abrir mão. Isso está no meu DNA. Também tenho a questão social como algo muito importante. Eu procurei dar robustez fiscal ao projeto. Eu acatei a pedidos dos líderes da maioria, tendo perda de receita, mas ganho social e, ao mesmo tempo, eu pude buscar receita com aqueles que podem contribuir. Os bancos já pagavam 20% de CSLL no ano passado.
E o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES)?
O relatório acaba com os repasses obrigatórios para a instituição. O BNDES fica hoje com 40% da receita do PIS/Pasep. Isso é uma legislação de 30 anos. Havia um equilíbrio no FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador). Nos últimos anos, o governo está tendo que por dinheiro para cobrir o rombo do FAT. Precisamos discutir uma estratégia nossa para esse banco. São 30 anos com esses recursos. Não estou fechado a discutir. Mas acho que a proposta é boa. Se tiver algo melhor, a gente debate.
Um dia depois da divulgação do relatório, o ministro Guedes expôs seu descontentamento numa declaração crítica à Câmara e ao parecer. Por que?
Primeiro, eu não (vou) ficar alimentando intrigas com essas declarações do ministro. Acho até que o Rodrigo Maia respondeu à altura. (Maia disse que o governo é uma "usina de crises"). E não são verdadeiras as afirmações dele. Não é verdade. Nós não cedemos a nada. Eu acho que ele (Guedes) não deve personalizar. Fizemos uma nova regra de transição para o INSS e para servidores públicos. Eu quero aprovar a reforma e não ficar alimentando intriga. O Congresso melhorou o projeto, atendendo a todas as expectativas do governo, exceto basicamente a capitalização. Nós tentamos equacionar do ponto de vista social e mantendo a robustez fiscal.
A Câmara assumiu o protagonismo na reforma da Previdência. O que sobra para o governo?
Não é uma questão de protagonismo. A Câmara assumiu a liderança do processo. O governo, agora, tem que ajudar a aprovar. Como? Contribuindo com ideias, contribuindo com uma afirmação de que o processo está caminhando da melhor maneira possível. É lógico que cada um tem a sua reforma, a sua opinião. Todo mundo [tem que] evitar problemas para que, lá na frente, a gente possa discutir um novo sistema.
E o que mais? Mais empenho na articulação política?
Se a gente conseguir caminhar sem ter a contaminação das crises que ocorrem dentro da reforma, se a gente preservar a reforma dessas questões,... o governo tem um partido grande, que é o PSL. Tem que estar todo mundo unido. O nosso papel, aqui na Câmara, com o Rodrigo Maia, é construir uma unidade nacional. Não existe só o governo; existem as forças da Câmara; existem os governadores; existem os partidos. Não é fácil construir unidade para ter 308 votos.
Como a atitude de um ministro, ao abrir um embate com a Câmara, pode atrapalhar o andamento da reforma?
Temos que ter foco na reforma, que é mais importante que outras questões. Os líderes da maioria têm sabedoria para evitar o bate-boca e convictos de que está se fazendo o melhor possível.
Quem vai trazer votos para a reforma? O Maia? O governo?
Eu acho que os líderes. Eu acho que o líder de todo esse processo é o Rodrigo Maia. Mas o voto... primeiro, temos que respeitar a autonomia de cada deputado. Ele foi eleito. O deputado vai votar de acordo com a sua consciência. Agora, o coordenador disso tudo é o Rodrigo e acho os líderes (da maioria) vão ter papel fundamental.
Tem como conseguir votos da oposição?
Não sei. O relatório não faz tudo o que a oposição quer, não faz tudo o que o governo quer, não faz tudo o que o Samuel quer, não faz tudo o que o Maia (quer). Mas ele faz muita coisa para criar uma convergência.
O que pode mudar no relatório ainda?
Nós gostaríamos que o texto continuasse assim. Agora, isso vai da dinâmica do Parlamento. Teremos ainda debates. Essa foi apenas uma etapa.