Por Adriane Vieira Ferrarini
Professora do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da Unisinos
O Programa Bolsa Família (PBF) é o maior programa de transferência de renda do mundo, recebeu muitos prêmios e tem sido reaplicado em vários países. Então, por que existem tantas controvérsias e opiniões distintas a seu respeito? Ele é mesmo efetivo e necessário ou gera acomodação e dependência? Começaremos pela primeira pergunta.
Vivemos no país ícone das desigualdades no mundo, temos muitos Brasis dentro de um só Brasil, separados não apenas por territórios visíveis, mas por muros invisíveis. As beneficiárias do PBF vivem em territórios desconhecidos para muitos, mas comumente interpretados a partir das referências predominantes na sociedade. Saber da existência de muros invisíveis é o primeiro passo para entender o PBF. O segundo é pular o muro e ouvir estas populações em seu mundo e a partir de suas referências. Foi isso que a pesquisa sobre "inclusão social e produtiva de mulheres do PBF" fez – além de ter ouvido gestores de políticas, desde os ministérios até o nível local. A pesquisa demonstrou que as principais críticas atribuídas ao PBF revelaram-se mitos e evidenciou dispositivos e resultados do programa.
1° Mito – Os pobres não querem trabalhar
A pesquisa identificou que as mulheres _ principais beneficiárias _ expressam desejo de trabalhar, têm sonhos profissionais e a maioria desenvolve atividades produtivas, mas precárias, instáveis e com baixa remuneração. A falta de creche, baixa escolaridade, dentre outros fatores, são limitadores. A inclusão social e produtiva foi um eixo criado no PBF para promover ações de qualificação e inserção profissionais, as quais se encontravam dispersas em vários ministérios, sem chegar aos mais pobres. Os resultados demonstraram que não houve maior oferta de serviços de outras políticas nem a geração de oportunidades econômicas para este público.
Saber da existência de muros invisíveis é o primeiro passo para entender o PBF. O segundo é pular o muro e ouvir estas populações em seu mundo e a partir de suas referências.
2° Mito – O PBF estimula a acomodação e a dependência
As ações voltadas ao trabalho estão integradas ao PBF com vistas à promoção da autossustentação econômica das famílias, tanto que cerca de 672 mil beneficiários foram capacitados através do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec). Como resultado, apesar de dificuldades de implementação, os cursos geraram aumento das capacidades laborais e da autoestima. O maior problema consistiu na falta de oportunidades de trabalho digno e adequado à realidade.
3° Mito – Custa muito caro para a sociedade manter o PBF
Além de utilizar apenas 0,54% do orçamento, o PBF ativa a economia local e nacional, pois cada R$ 1 gasto com o programa "gira" R$ 2,4 no consumo das famílias e adiciona R$ 1,78 no PIB do Brasil (Ipea). Destaca-se ainda que não se trata de caridade com os mais pobres, mas direito de cidadania para a garantia da vida, assegurado pela Constituição Federal e pela Política Nacional de Assistência Social.
4° Mito – As mulheres engravidam para ganhar o benefício
A queda de natalidade é maior entre beneficiários do PBF (IBGE, 2013). No período de 2003-2013, o número de famílias com filhos até 14 anos caiu 10,7%, enquanto famílias do PBF registraram queda de 15,7%. O benefício dá maior autonomia e acesso à informação às mulheres, o que influencia decisivamente no número de filhos.
5° Mito – O PBF é assistencialista
A renda é apenas uma parte do programa; é um meio e não um fim em si mesmo. O PBF está inserido no Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF), que visa promover o fortalecimento de vínculos, qualidade de vida e cidadania. Contudo, há limites no resultado previsto, pois não há estrutura suficiente para o acompanhamento adequado das famílias.
6° Mito – As beneficiárias utilizam o recurso para outros fins
O benefício é usado fundamentalmente para a compra de alimentos, material escolar e pequenas reformas nas moradias. A opção pelas mulheres como beneficiárias se deu por seu comprovado compromisso com os recursos, o que possibilitou o alcance do maior impacto do PBF, que é oportunizar a permanência dos filhos na escola.
A pesquisa concluiu que, apesar dos limites internos à assistência social (em seu papel de articuladora de políticas e de contextos) e externos (das outras políticas se envolverem), o PBF é uma boa invenção brasileira. O maior equívoco nas análises da efetividade do PBF é atribuir a um único programa ou política social a complexa e multidimensional tarefa de superação da pobreza. A pobreza só pode ser superada de forma efetiva com desenvolvimento inclusivo e com oportunidades econômicas, alinhados às políticas sociais. E, para aqueles que acham que o tema da pobreza não é importante, a notícia ruim é que não há possibilidade de desenvolvimento econômico sustentado sem desenvolvimento social no Brasil.