Pensemos em algumas características do estereótipo acerca do que é um economista liberal: o pensamento abstrato com pouco amor pela realidade concreta e pela história, a crença em seres humanos puramente racionais, o amor por modelos matemáticos. Uma ética do egoísmo acima de tudo e desprezo por tudo que é (visto como) irracional. Invariavelmente, homem.
Deirdre McCloskey, que fará conferência no Fronteiras do Pensamento Porto Alegre nesta segunda-feira, vem para quebrar esse estereótipo. Em geral se aponta o fato de ela ser uma mulher trans e cristã num meio dominado por homens ateus, o que sem dúvida é incomum. Mas a real quebra de paradigma está em suas ideias e na sua forma de fazer ciência, uma verdadeira lufada de ar fresco em um campo que parece às vezes cultuar a aridez como um valor em si mesmo.
Ainda nos anos 1980, McCloskey percebeu que algo estava errado nessa disciplina que tanto almeja conquistar a reputação de uma ciência. Os economistas buscavam emular os modelos da física e da matemática. Para McCloskey, os resultados disso ou eram pura idealização sem relevância direta para o mundo real, ou eram apenas manipulação de dados estatísticos incapaz de provar ou refutar qualquer teoria.
No fundo, a economia jamais fora uma ciência como a física, pois ela depende muito mais de uma retórica, coisa que a boa ciência econômica nunca abandonou. Exemplos ilustrativos, metáforas, simetrias; tudo isso está no arsenal do economista que busca persuadir o público leitor. Ao invés de fingir uma pureza científica ilusória que o relega à irrelevância, o economista deve abraçar a história e mesmo a literatura em sua busca pela verdade.
E é bem isso que ela faz na Trilogia Burguesa, sua obra de maior fôlego até hoje, constituída dos livros Bourgeois Virtues, Bourgeois Dignity e Bourgeois Equality e lançada em 2016. O adjetivo “burguês” não é elogio em nenhum lugar do mundo. Muito menos no Brasil. O termo evoca a imagem de homens ricos, conservadores e acomodados, acumuladores de capital. McCloskey também subverte nossos preconceitos: o burguês não é o homem egoísta dotado apenas de prudência; ele tem em si todas as virtudes que nossa sociedade valoriza. E mais: foi a mudança nos valores – inicialmente na Holanda e na Inglaterra, durante a Renascença – no sentido de ver com bons olhos a burguesia (isto é, a classe média) em oposição aos aristocratas que permitiu o desenvolvimento do capitalismo e da industrialização.
Desnecessário dizer que, para McCloskey, o capitalismo e a industrialização são duas das melhores coisas que já aconteceram para a humanidade. As tantas vozes à esquerda que apontam para os problemas que ainda existem no mundo ignoram o real processo que está em andamento desde o século 19: a redução paulatina e sem precedentes da pobreza em todo o mundo. Nunca antes na história da humanidade uma proporção tão pequena de pessoas (menos de 10% da população global) viveu na miséria. E se tem um responsável por isso é o sistema de mercado.
O que guia o mercado não é a acumulação de capital. Não é a pura ganância que quer apenas acumular. Essa existe, mas ela tenta em vão proteger as fortunas formadas no passado das novas maneiras de gerar riqueza, que são fruto de novas ideias. Essa história de inovação, coragem e energia mental a serviço dos consumidores é a verdadeira história do capitalismo. A acumulação de poder e riqueza sempre existiu; é apenas no sistema capitalista que ela dura menos e tem mais dificuldade em se perpetuar. Assim, as ideias de mudança radical do sistema, em geral inspiradas por um pessimismo infundado, arriscam nos privar justamente das melhores características do capitalismo: a capacidade de tirar pessoas da pobreza e fazer aflorar o melhor de nós.
Como boa economista de formação ortodoxa, McCloskey não deixa de lado o uso dos melhores métodos que temos disponíveis para testar hipóteses e discutir modelos. Mas sua ciência econômica não é uma disciplina asséptica, cheia de equações e desprovida de juízos de valor. Ela infunde a narrativa histórica e a discussão filosófica e ética no próprio fazer científico. Desse modo, ele não se torna menos rigoroso, e sim mais vivo.
Serviço
Deirdre McCloskey no Fronteiras do Pensamento
Segunda-feira, às 19h45min, no Salão de Atos da UFRGS (Av. Paulo Gama, 110), em Porto Alegre. Os passaportes estão esgotados. Informações pelo telefone 4020-2050 e no site.
O Fronteiras do Pensamento Porto Alegre é apresentado por Braskem, com patrocínio Unimed Porto Alegre e Hospital Moinhos de Vento; parceria cultural PUCRS e Instituto CPFL; e empresas parceiras CMPC Celulose Riograndense, Souto Correa, Sulgás e Thyssen Krupp. Parceria institucional Fecomércio e Unicred, apoio institucional Embaixada da França e Prefeitura de Porto Alegre. Universidade parceira: UFRGS. Promoção: Grupo RBS.