Formado em Ciências Contábeis, Flávio Henrique Uzejka começou a trabalhar na prefeitura de Sete de Setembro, no noroeste gaúcho, em 1997. Quatro anos depois, Tereza Rigodanzo concluiu o mesmo curso e também rumou para o setor público da cidade de 2,1 mil habitantes. Aos poucos, a rotina no serviço aproximou os dois, que engataram namoro em 2003. Hoje, Flávio e Tereza estão casados.
Se o estado civil mudou, um aspecto continua inalterado: ambos seguem na prefeitura, na área de finanças, e sublinham que a atuação no setor público, além de uni-los fora do ambiente profissional, trouxe estabilidade às carreiras.
— Aqui, não há indústria. O município precisa da prefeitura para gerar empregos — resume Flávio, hoje com 40 anos, dois a mais do que a esposa.
Essa dependência do setor público para criar vagas de trabalho formal não é uma peculiaridade só de Sete de Setembro. No Rio Grande do Sul, há mais seis municípios onde 80% ou mais dos empregos com carteira assinada são gerados por prefeituras (veja mapa abaixo), aponta levantamento da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan).
Isso significa que, de cada 10 trabalhadores com ocupação formal, pelo menos oito encontraram oportunidades no setor público. A pesquisa, segundo a entidade, leva em conta os dados mais atualizados da Relação Anual de Informações Sociais, de 2015, do Ministério do Trabalho.
O maior percentual da lista gaúcha é o de Sete de Setembro. Depois, aparece São Pedro das Missões, também no Noroeste. Em seguida, figura um trio do norte do Estado: Cruzaltense, Rio dos Índios e Carlos Gomes. Itapuca, no Nordeste, e Mampituba, no Litoral Norte, fecham a lista.
Além do alto percentual de servidores públicos, há outras características em comum entre as cidades. Com economia voltada à produção rural, esses municípios veem brotar grande parte da arrecadação por meio de transferências de União e Estado, especialmente do Fundo de Participação dos Municípios (FPM).
Por lei, as prefeituras devem investir pelo menos 25% da receita líquida em educação e 15% em saúde. Analista de Estudos Econômicos do Sistema Firjan, Nayara Freire diz que os gastos com pessoal, somados aos aportes obrigatórios nas duas áreas, comprometem investimentos em outros setores e dificultam o planejamento financeiro.
— Isso acaba se refletindo em gestões fiscais complicadas. Em razão do grande comprometimento com pessoal, sobra pouco dinheiro para investimentos. Há pouca margem de manobra — avalia a especialista.
No total, no país há 531 municípios onde 80% ou mais dos empregos formais são gerados pelo Executivo local, aponta a Firjan. Ou seja, 9,5% de todas as prefeituras brasileiras arcam com o mercado de trabalho local.
As possíveis soluções
Prefeitos apontam pelo menos duas formas para tentar amenizar o grau de dependência do setor público na geração de empregos:
Incentivo a agroindústrias
Aproveitar a vocação rural das cidades é uma das ações lembradas. Segundo relatos de gestores, a instalação de mais agroindústrias nos municípios deve receber atenção das prefeituras, mesmo que os estabelecimentos sejam de pequeno ou médio porte.
— Não adianta inventar. Criar agroindústrias é a forma de industrializar um município rural e pequeno. É preciso procurar o que está de acordo com a nossa vocação — declara o prefeito de São Pedro das Missões, Antonio Ferreira (PP).
Conexão com os vizinhos
As prefeituras de Cruzaltense e São Pedro das Missões relatam que a ausência de ligação asfáltica com municípios vizinhos freia o desenvolvimento das duas cidades. Apesar da situação financeira do Estado, as administrações consideram que repasses a obras nessa área seriam importantes para alavancar a infraestrutura local e, consequentemente, atrair empresas.