Vilã para o bolso do consumidor brasileiro nos últimos anos, a comida está mais barata em 2017. Com peso de 25% no IPCA, a inflação oficial do país, o grupo alimentos e bebidas acumula, no recorte de 12 meses, forte retração de 15,9 pontos percentuais desde agosto de 2016, pico da pressão. No período, recuou da alta vitaminada de 13,92% para uma taxa negativa de 2,01%, mês passado.
No acumulado do ano até agosto, a queda é de 1,56%, enquanto o índice geral tem variação positiva de 1,62%. O cenário faz o país ter grandes chances de ver a primeira deflação anual nos alimentos após o início do Plano Real. Desde 1995, as menores taxas foram de 1,22%, em 1997 e 2006.
O cenário atual, favorecido pela grande safra agrícola ajudada pelo clima, tem sido raro. Nos últimos 10 anos, em oito alimentos e bebidas subiram acima inflação. Para o economista Silvio Campos Neto, da Tendências Consultoria Integrada, apesar da característica volátil dos preços dos produtos agrícolas, é improvável que a deflação seja revertida até o final do ano, uma vez que, nos meses mais recentes, a retração se acentua.
– É uma hipótese bem grande termos o menor número da série histórica. Com o dado de setembro, poderemos ter mais de 2% de queda acumulada no ano. É um processo que tem ajudado muito a segurar a inflação – diz Campos Neto.
O economista se refere à contribuição que os alimentos têm feito para desnutrir o IPCA, compensando, por exemplo, a alta dos combustíveis, impactados pelas maiores alíquotas de PIS e Cofins. Frutas, carnes, lácteos e a dobradinha preferida no prato do brasileiro, o arroz e feijão, puxam a queda.
O supervisor de informações do IBGE no Rio Grande do Sul Ademir Koucher observa que, para a deflação no grupo ser anulada, seria necessária alta de 1,6% nos últimos quatro meses do ano, ou cerca de 0,4% ao mês. Para empatar com as menores taxas históricas de 1,22%, teria de subir 2,82% até dezembro.
A queda dos alimentos e bebidas só não é maior porque, dentro do grupo, há o subgrupo alimentação fora de casa, influenciado por outros custos como mão de obra, energia e aluguel, com alta de 2,5% no ano. Se forem considerados apenas os gêneros alimentícios adquiridos para comer em casa, com peso de 16% no IPCA, a retração chega a 3,68% desde janeiro.
– Nossa previsão é de que a deflação para a alimentação no domicílio fique em 3% no ano – diz Leonardo França Costa, economista da Rosenberg Associados.
Costa lembra que, na série histórica do IPCA após o Plano Real, a alimentação em casa teve uma vez variação negativa, em 2006, mas bem inferior (-0,13%) a atual. Além da boa safra influenciada pelo clima, dólar comportado e recessão da economia também são fatores que ajudaram no recuo dos preços, avalia o economista.
Koucher observa que pagar menos por comida é uma boa notícia, especialmente para as classes mais baixas.
– Quem tem renda menor, gasta proporcionalmente mais em alimentação – explica.
Índice da FGV aponta o mesmo
Além do IPCA, apurado pelo IBGE, o IPC, calculado pela Fundação Getulio Vargas (FGV), mostra algo semelhante. No acumulado de 2017 até agosto, a alimentação tem queda de 0,28% e, os gêneros comprados para serem consumidos em casa, recuo de 3,32%. As últimas deflações pelo indicador da FGV, no grupo e no subgrupo, ocorreram em 2006.
– É extremamente raro ter um número negativo. O que é mais natural é os alimentos subirem menos do que a inflação – pondera André Braz, economista da FGV responsável pela pesquisa.
No ano, frutas (-17,64%), a dupla arroz e feijão (-17,5%), carnes bovinas (-4,46%), frango inteiro (-8,56%), leite longa vida (-2,54%) e óleo de soja (-7,92%) foram algumas das principais contribuições observadas no IPC.
O impacto benigno da alimentação a domicílio também foi ressaltado no relatório trimestral de inflação do Banco Central (BC), divulgado na quinta-feira passada. Analisando os dados do IPCA, o BC nota o grande recuo dos preços em um ano. A inflação acumulada em 12 meses teve pico de 16,79% em agosto de 2016. Caiu para 1,08% em maio e, em agosto, registra queda de -5,20%, formando um prato cheio para a continuidade do ciclo de corte do juro.