O novo presidente do grupo Odebrecht, Luciano Guidolin, afirma que a companhia se afastou do vício da corrupção, paga caro por seus erros e, por isso, merece continuar operando. Ele reconhece as dúvidas no mercado sobre a capacidades de reação da companhia, mas afirma que "a Odebrecht não vai acabar". O engenheiro de 44 anos, funcionário de carreira do grupo, assumiu em maio o lugar do patrão Marcelo Odebrecht, preso há dois anos por corromper meio mundo para conseguir contratos de obras no Brasil e no exterior.
A Odebrecht já vem se desfazendo de patrimônio para pagar dívidas e arcar com multas pesadas para acertar as contas com a Justiça. Para virar definitivamente a página da Lava Jato, porém, a holding precisa que os negócios voltem a crescer e gerem dinheiro novo.
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Para continuar no jogo, o grupo definiu que o próximo passo será tentar atrair um sócio e, ao mesmo tempo, tentar abrir o capital de sua construtora - que, apesar de todos os percalços, ainda é a maior do país. A ida à Bolsa, aliás, é uma alternativa estudada também para outros braços da Odebrecht.
Antes de iniciar esse processo, no entanto, vai precisar sanar suas dívidas, melhorar sistemas de controles internos e convencer o País de que a mudança na governança não é "cosmética".
A seguir, os principais trechos da entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo:
Há dúvidas no mercado sobre a capacidade de reação da Odebrecht. Há quem diga que a empresa vai acabar...
A Odebrecht não vai acabar. A empresa viveu dois anos de grandes desafios, mas estamos comprometidos a encontrar soluções. A resposta está sendo dada em cada projeto, em cada negócio reestruturado, estamos fazendo o que a gente falou que ia fazer.
Em que ponto vocês estão?
Uma das principais transformações é o fortalecimento da governança de cada uma das companhias. Cada negócio passou a ter um conselho de administração e conselheiros independentes. Temos 14 conselheiros técnicos e chegaremos a 23. Com isso, vamos aprimorar decisões, tornando-as mais transparentes. No nosso planejamento, as empresas do grupo vão ter sócios e ações em Bolsa, se o mercado permitir. E o papel da holding vai ser prover estratégia, aconselhamento e alocar capital.
Qual empresa abrirá o capital?
Os investimentos mais significativos, se o mercado permitir. A construtora buscará um sócio e fará a abertura de capital nos próximos anos. A construtora tem carteira de projetos superior a US$ 16 bilhões, obras em andamento, já equacionou suas questões no Brasil e fará o mesmo nos demais países.
Há negociações em curso?
Esse plano está sendo feito agora. Não estamos nesse momento com negociações de abertura de capital porque é um processo que toma tempo. Posso dizer também que a Odebrecht Agroindustrial, que fez reestruturação financeira em 2016 e apresenta importante evolução dos indicadores, seguirá o mesmo caminho. Podemos fazer esses processos numa fase única ou em múltiplas fases. Ou seja, trazer sócio e abrir o capital de uma única vez ou trazer um sócio primeiro e depois abrir o capital. O importante é estruturar as empresas e alcançar padrões para ter capital aberto no futuro.
E vocês vão mudar o nome da empresa?
Não estamos discutindo mudança de nome da Odebrecht S.A. A simples troca de nome poderia ser entendida como uma tentativa de não haver mudança de processo, de ser uma mudança apenas cosmética. Não faremos mudanças cosméticas. Cada negócio vai construir sua vida própria, alguns deles já tiveram outros nomes no passado. No processo de compartilhamento com sócios ou no processo de evolução, as empresas podem e devem trabalhar sua identidade de forma independente, se fizer sentido para o negócio.
Essa possibilidade de mudança de marca inclui a construtora?
Sim. Cada negócio vai desenvolver seu planejamento de estratégia de mercado, de posicionamento de marca, de forma independente.
O envolvimento na Lava Jato não atrapalha a atração de um novo sócio?
Acredito que, com a mudança de postura, as virtudes da Odebrecht ficarão mais visíveis. É uma empresa que ganha prêmios na área de engenharia. São esses atributos da Odebrecht que vão atrair sócios. E nós vamos ter a capacidade de demonstrar que as questões do passado ficaram no passado.
A empresa tem sido hostilizada em vários países em que atua. Equador e Peru, por exemplo, ameaçaram expulsá-la. Como o grupo lida com isso?
Esse é um dos desafios que a Odebrecht tem enfrentado. As reações iniciais foram mais intensas, mas estamos colaborando e eles entendem que a empresa merece continuar operando, até para pagar as multas acordadas. Já fechamos acordo com República Dominicana e Equador. Estamos em tratativas com outros países.
Quanto a Lava Jato já custou à empresa?
Os erros cometidos pela empresa tiveram impactos muito significativos. E isso assegura que a empresa aprendeu e que os erros não serão repetidos. Ao mesmo tempo que a empresa enfrentou a Lava Jato nos últimos dois anos, ela viveu a retração das economias de outros países em que atua. Isso impactou o desempenho e atividade da empresa. Tudo isso nos demandou uma clareza de propósito e um planejamento bastante objetivo de como trabalhar do ponto de vista da conduta, da estruturação dos negócios e da preparação do futuro.
Como garantir que, quando a economia voltar a crescer e as obras públicas reaparecerem, a empresa não vá praticar novos atos ilícitos?
Posso garantir que a Odebrecht mudou. Temos hoje um sistema que transmite a decisão da mudança e os valores que têm de ser praticados. Acreditamos que é possível atuar numa conduta ética e transparente em todos os mercados e vamos zelar para que esses processos sejam conduzidos da melhor forma. Nossa conduta já mudou e é inegociável.
Como acreditar que a Odebrecht agora diz a verdade?
Porque sofremos duras penas e aprendemos com os nossos erros. E também porque sabemos que só reconquistaremos a confiança da sociedade se continuarmos a falar a verdade e fizermos o que é certo. É a nossa convicção nosso jogo já mudou. Enfrentamos os dois anos mais difíceis da história da companhia. Tivemos prejuízos muito grandes. Temos compromisso de reparação com a sociedade de valores expressivos. O processo foi de uma (grande) dimensão e abrimos nossa porta para monitores externos que vão nos ajudar a colocar os controles nos padrões internacionais e assegurar e apontar os avanços nessas áreas. Se eventualmente ocorrer um desvio, vai ser identificado e será levado ao conhecimento das autoridades e interrompido.
Quais os segmentos que a empresa vai continuar e em quais ela vai sair?
Nesses dois anos, a empresa fez um processo de focar seus esforços num número menor de negócios. Tínhamos nos preparado para um crescimento do Brasil e focado em 15 negócios. Hoje, estamos em nove negócios. Deixamos de focar na área de energia e fizemos a desmobilização de saneamento no Brasil. Hoje temos como foco a área de engenharia e construção, petroquímica, açúcar, etanol e bioenergia, serviços de óleo e gás, imobiliária, infraestrutura e concessões e saneamento fora do Brasil. Além de adaptar o planejamento do grupo com a realidade da economia dos países onde estamos, esse processo também visou reduzir o endividamento do grupo.
E a Braskem? Vocês pensam em vender a fatia da Odebrecht junto com a Petrobrás?
Não. A Braskem continua como pilar importante dentro da estratégia do grupo. Acreditamos na capacidade de valorização e no futuro dos negócios petroquímicos. Recentemente, anunciamos conversas com a Petrobrás para, em conjunto, buscarmos a criação de valor da Braskem para todos os acionistas. Nossa intenção é manter a Braskem como parte dos investimentos do grupo.
Até aqui vocês estão encolhendo. Quando vocês vão voltar a crescer?
A partir da base sólida que estamos criando desde 2016, a gente acredita que possa seguir para um novo ciclo de crescimento a partir de 2019. Você tem um grupo que continua diversificado e internacionalizado, mais focado, menos alavancado. Nosso objetivo é estabelecer uma base sólida e com qualidade para crescer no futuro. Nosso tamanho vai depender das oportunidades e da nossa competência para executar essas oportunidades.