Rica em episódios pitorescos, a história do transporte ferroviário tem uma passagem inusitada conhecida pelos moradores do distrito de Forqueta, em Caxias do Sul. A antiga estação se tornou casa para o ex-funcionário da Rede Ferroviária Federal (RFFSA) Romeu Grapilha, 55 anos, e sua família. Atualmente mecânico de máquinas agrícolas, ele trabalhava na manutenção dos trilhos na Serra na década de 1980.
Quando saiu da estatal, em 1990, entrou em acordo e conseguiu permanecer morando no local, onde testemunhou os últimos trens com aço e cimento chegarem à cidade na virada da década, após vencerem as subidas íngremes e as curvas fechadas da região. E foi graças ao ofício que conheceu uma familia que nem sequer sabia da existência. No final dos anos 1980, a queda de um eucalipto de grande porte derrubou as linhas telefônicas usadas pela rede.
No mutirão para restabelecer o serviço, vieram funcionários da RFFSA de outros municípios da Serra. Entre eles, um eletricista de Bento Gonçalves. O rapaz chamou a atenção do superior de Romeu pelo sobrenome igual, Grapilha.
– Trabalhei com ele, sem saber que era meu irmão. Depois descobrimos que o nosso pai era a mesma pessoa – relata.
O quebra-cabeça foi montado por uma irmã: o pai dos dois mantinha uma família em Antonio Prado e outra Bento Gonçalves. Chegou a ter 21 filhos.
– Somos 19 irmãos vivos – conta Romeu, repetindo uma história conhecida pelos vizinhos.
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Apelo nostálgico para um novo negócio
Unir a exploração do turismo com o apelo da história do trem e criar novos negócios que conciliem tendência de mercado com pitada de nostalgia é uma ideia que começa a ser colocada nos trilhos em Farroupilha, na Serra. A intenção é montar um roteiro na cidade que valorize passagem pouco conhecida, mas documentada em livro. Foi na cidade que teria sido criada, em 1915, na localidade de Desvio Blauth, a primeira estação de férias do RS.
A turismóloga Marisa Poloni, da prefeitura de Farroupilha, conta que, no início do século passado, ao mesmo tempo em que o Litoral ainda tinha difícil acesso, o trem facilitava desde 1910 o trânsito de pessoas entre a Capital e a Serra.
A estrutura hoteleira contava com cabanas, restaurante, tênis em quadra de grama, programação musical à noite e atrações como passeio a cavalo, banho de lago, natação e passeios de bote.
– Foi a primeira como núcleo de veraneio organizado, com panfletos de divulgação dos atrativos, anúncio em rádios. Empregava técnicas de atração de turistas usadas hoje – diz Marisa, acrescentando que, no final da década de 1930, com a chegada das rodovias, o destino entrou em decadência.
Um chalé, a caixa d'água da antiga estação, os trilhos, o lago e casas antigas compõem o que restou do antigo cenário que pode ser revitalizado pelo empresário Rafael Haupt Canziani, bisneto do imigrante alemão Kurt Haupt, que, ao chegar à região, casou com a filha do madeireiro cuja família deu nome à localidade. Canziani mergulhou no mundo da cerveja artesanal. Criou a marca Blauth Bier. Construiu microcervejaria no local, onde também explora degustação e um pub. E vê adiante:
– Penso na possibilidade de voltar a ter uma hospedagem. Talvez um trem turístico.