Ao implicar diretamente o presidente Michel Temer, o novo capítulo da crise política nacional embaralhou ainda mais o cenário de travessia até as eleições de 2018 por, pelo menos, postergar reformas consideradas essenciais pelo mercado e deixar dúvidas sobre quem estará no comando do Brasil nos próximos meses. A situação ameaça abortar o início mais consistente da reação da economia brasileira.
Apesar de impopulares, as mudanças nas regras trabalhistas e, principalmente, da Previdência, são acompanhadas de perto por investidores, que enxergam nas alterações a possibilidade de a economia brasileira ser mais competitiva e uma forma de as contas públicas serem mais sustentáveis a longo prazo. Com a tramitação das reformas parada no Congresso, o mercado reagiu com forte volatilidade na quinta-feira, com o dólar apresentando a maior alta diária percentual desde 1999, e a bolsa, a maior queda desde 2008 em razão da desconfiança de que o país vai seguir sangrando. Na vida real, a conclusão é de que há tendência de os empresários manterem engavetados projetos de investimento, evitando contratações, e os consumidores permanecerem retraídos nas compras, retardando ainda mais a saída da recessão e a melhora no mercado de trabalho.
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– O país vinha em trajetória para estabelecer as bases para essa recuperação da economia, com a inflação em queda, que possibilita a diminuição do juro, e as reformas para enfrentar questões estruturais, como a sustentabilidade fiscal. Provavelmente, teremos agora um impacto nos indicadores de confiança, que estão ligados às decisões de investimento e consumo – observa a economista-chefe da Rosenberg Associados, Thais Marzola Zara.
O economista Aloisio Campelo, superintendente de estatísticas públicas da Fundação Getulio Vargas (FGV), avalia que, com a instabilidade em Brasília, é grande a possibilidade de os resultados do Produto Interno Bruto (PIB) do terceiro e quarto trimestre serem afetados, impedindo o Brasil de confirmar a saída de uma recessão que atravessou 2015 e 2016. Há consenso de que o IBGE deve mostrar, no início de junho, que o país voltou a crescer entre janeiro e março, após oito trimestres consecutivos de retração, mas o desempenho do restante do ano virou incógnita.
– Já havia a possibilidade de o PIB do segundo trimestre ser perto de zero ou levemente negativo, mas voltando a crescer no terceiro e no quarto. Agora, há um risco para esse cenário, caso não ocorra uma solução rápida. Aumentou a possibilidade de não sairmos da recessão – diz Campelo.
Turbulência nos EUA se soma a riscos no Brasil
Rafael Cagnin, economista do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), também lamenta que a crise embace qualquer possibilidade de enxergar o que acontecerá nos próximos meses, o que atrapalha o planejamento das empresas. E se frustra com a percepção de que será mais uma vez adiada a recuperação da economia, já tímida.
– Por ora, ninguém sabe quais serão os desdobramentos, se isso vai se enrolar até o final do ano. Reações exacerbadas no mercado financeiro, com câmbio e juro muito voláteis, prejudicam a atividade produtiva. Foi um balde de água fria em algo que sequer quente estava – diz o economista, acrescentando que a turbulência nos Estados Unidos envolvendo o presidente Donald Trump se soma aos riscos no radar do Brasil.
Ainda sem considerar a nova crise institucional, o Fundo Monetário Internacional (FMI) divulgou relatório na sexta-feira em que projeta crescimento de 0,2% do PIB brasileiro em 2017. O terreno positivo seria garantido por safra recorde, preço elevado do minério de ferro, retomada gradual do investimento e incentivo ao consumo pelo saque de contas inativas do FGTS. Analistas de mercado consultados pelo Boletim Focus, do Banco Central, esperavam até semana passada avanço de 0,5%. Como as projeções são coletadas até as 17h de sexta-feira, a edição desta segunda já deve trazer o impacto das revelações da semana passada nas novas expectativas.
Ritmo de corte da taxa básica de juro está sob ameaça
Um outro receio é de que os efeitos no mercado financeiro das delações dos proprietários da JBS acabem inibindo o ciclo de corte de juro pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC).
A próxima reunião será na semana que vem e, antes de o novo escândalo estourar, aumentavam as apostas de que a decisão poderia ser mais ousada, baixando a taxa Selic em até 1,25 ponto percentual. No mês passado, a taxa caiu para 11,25% ao ano, após redução em um ponto percentual, a maior em oito anos e a quinta consecutiva.
Até a semana passada, a expectativa do mercado, de acordo com o Boletim Focus, era de que a Selic encerrasse o ano em 8,5%, em razão de uma inflação em trajetória descendente, que poderia finalizar o ano abaixo de 4%. Agora, sobram dúvidas. Para o economista Aloisio Campelo, da FGV, é possível que o colegiado do BC seja mais moderado e decida pelo corte de um ponto percentual. A assessora econômica da Confederação Nacional de Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), Juliana Serapio, não descarta um cenário bem mais conservador.
– Pode ser que decidam deixar o juro como está – alerta.
Em atas anteriores, o Copom deixou claro que, entre os fatores que monitorava para decidir o ritmo de corte da Selic, estava o andamento das reformas no Congresso, agora envoltas em incertezas. A crise também impactou o dólar, o que afetar a inflação e também levar o Copom a refazer seus cálculos.