Depois das críticas feitas pelo ministro Blairo Maggi, reforçado por entidades do agronegócio e pela bancada ruralista, que acusam a Polícia Federal de exageros na Carne Fraca, o auditor fiscal agropecuário Daniel Gouvêa Teixeira, autor das denúncias que desencadearam a operação, saiu em defesa da PF e foi além:
– Isso é preocupação de quem está com medo do que está por vir – disse Teixeira, em entrevista na manhã desta terça-feira ao programa Timeline.
Ouça a íntegra da entrevista:
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Segundo ele, ao fiscalizar o frigorífico Peccin, de Curitiba, detectou que eram reaproveitados "carne em vencida, carne podre, cometeu fraude em merenda escolar e entregava ao consumidor produtos fora do padrão, como com sódio, açúcar, gordura e carboidratos além do permitido", que eram vendidos ao consumidor.
Depois de denunciar irregularidades encontradas no Peccin à Superintendência Regional do Ministério da Agricultura (Mapa) no Paraná, o auditor acabou afastado da fiscalização da empresa. Diante disso, levou o caso à Polícia Federal, que iniciou investigação e acabou chegando a outras empresas, inclusive as gigantes do setor, JBS e BRF.
– Estamos passando por uma apuração de excelência sem precedência. O delegado Maurício (Moscardi Grillo, que coordenou a Carne Fraca) sabe muito mais que muitos colegas nossos de trabalho. Confio muito no trabalho da PF – afirmou Teixeira.
O auditor fiscal agropecuário pontuou ainda alguns dos indícios apurados pela polícia que foram questionados pelo ministro e entidades do setor. Entre eles, está o fato de que uma escuta telefônica feita pela PF aponta para o uso de papelão na área onde produzem carne mecanicamente separada, comumente usada na produção de salsichas (CMS) em um frigorífico da BRF. O próprio ministro disse que não trata-se de crime, pois "está claro no áudio que estão se falando de embalagens e não falando de misturar papelão na carne". Teixeira deu sua versão:
– Aquele procedimento de embalar aquele tipo de carne em papelão não pode ser feito, porque gera contaminação naquele tipo de carne.
Outra polêmica gira em torno da suspeita de que as empresas usavam ácido sórbico (tipo de conservante) e ácido ascórbico (vitamina C). Especialistas confirmaram que os produtos não são cancerígenos, contrariando o que consta no despacho judicial da operação. Para o denunciante da operação, o problema não está do fato de ser cancerígeno ou não, mas no fato de as substâncias serem usadas para "mascarar a carne". E explicou como supostamente corria a fraude:
– Carne estragada é comprada. Ela entra no frigorífico, onde é feita uma caixa d'água em que a carne fica de molho por 30 horas, mergulhada nesses ácidos. Quanto mais produtos, menos tempo fica. A carne, então, vai ficar vermelha e vai perder todo o cheiro. Então escorre e embala ela a vácuo. O consumidor vai comprar a carne super vermelha na gôndola do supermercado e vai achar que é fresca, mas é podre – afirmou Texeira.
Quanto ao uso da carne de cabeça de porco em produtos, ele admite que é permite em quantidades limitadas, mas afirma que depende do produto. E que, no caso flagrado em um diálogo pela PF, a cabeça era usada em linguiça frescal, ou seja, produto cru, o que não é permitido.
– Tanto é que no áudio o empresário fala que sabe que é proibido – disse o fiscal, se referindo a uma conversa entre empresários da Peccin.
Por fim, Daniel Gouvêa Teixeira disse que é preciso confiar "no sistema", já que não cabe ao consumidor fiscalizar o setor – algo que Maggi chegou a falar. Para isso, o fiscal defendeu o trabalho da PF, "que teve coragem de fazer em dois anos" o trabalho que "ninguém quis fazer", se referindo à denúncia feita ao Mapa. Ele ainda disse que "todos os ministros" da Agricultura sabiam do esquema fraudulento e que permitiram que a corrupção seguisse ocorrendo, por interesses políticos.
– O problema começa na corrupção, mas , no final das contas, faz mal à saúde publica – concluiu Teixeira.