Segunda maior cidade do Rio Grande do Sul e segundo maior polo metalmecânico do país, Caxias do Sul sente o impacto da recessão iniciada na indústria há cerca de três anos e ampliada para os outros setores, como o comércio e os serviços.
A crise que se abateu sobre o município já encolheu a atividade econômica em 33% no período de 2014 a 2016 – no país, desde o começo da recessão, no segundo trimestre de 2014, o recuo foi de 9%. Desde 2013, foram 24,6 mil empregos de carteira assinada que desapareceram, o que equivale a 13,5% do total das vagas formais.
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O número de empresas fechadas e de clientes inadimplentes atingiu níveis recordes. Nos últimos 10 anos, nenhuma empresa de médio ou grande porte se instalou no município. Várias se mudaram para outras cidades e Estados. Dados divulgados na última terça-feira pela Câmara de Indústria, Comércio e Serviços de Caxias do Sul (CIC) e pela Câmara dos Dirigentes Lojistas (CDL) do município mostram que 2017 arranca novamente no vermelho, com queda de 13,1% em janeiro em relação a igual período do ano passado. A recessão é considerada tão forte que empresários da região pedem apoio dos governos federal e estadual e clamam pela união de todos os poderes para tentar sair da crise.
Grande responsável pela pujança do município, a vocação metalmecânica acabou por se tornar um peso extra em tempos de crise. O forte recuo da indústria, que nos últimos quatro anos fecharam 21,6 mil vagas, acabou por arrastar também o comércio e o setor de serviços.
Com queda nas vendas, lojistas se viram obrigados a encerrar atividades. Em uma breve caminhada pelo centro da cidade é possível ver dezenas de salas comerciais fechadas. Quem tinha mais fôlego, tentou outras estratégias, como aposta no comércio eletrônico ou mudança para pontos mais baratos. Em janeiro, em torno de 20% das 400 salas localizadas em shoppings estavam vazias, por exemplo.
Uma das mais tradicionais lojas da cidade, a Conexão Urbana é um exemplo dessa migração. Depois de 15 anos, abandonou um ponto privilegiado do Shopping Triches. A proprietária Caroline Dalcin conta que a decisão foi reforçada pela necessidade de reformar o espaço. Com as contas na ponta do lápis, levando em consideração o gasto com aluguel e taxas de condomínio, acabou optando por mudar-se para uma loja no Centro. Nove meses depois, a sala antes ocupada continua vazia.
– O custo para manter um espaço em shopping ficou muito alto, e o negócio torna-se inviável – diz Caroline.
Alfonso Petry, gerente do complexo comercial, avalia que esta
é a pior crise dos últimos seis anos, tempo em que administra o local. Ele garante que dialoga com os lojistas para encontrar uma alternativa adequada para os dois lados.
– Não queremos abandonar o cliente. Queremos ajudá-lo a se manter no negócio. Mas temos despesas fixas – afirma.
De outubro a dezembro, os indicadores de venda no comércio tiveram leve melhora. Mas voltaram a cair em janeiro em relação ao mês anterior: recuo de 40,9%.
– Ainda não dá para falar em fim da crise – diz Mosár Leandro Ness, assessor de Economia e Estatística da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) de Caxias do Sul.
Sobre a abertura de novas lojas, Ness comenta:
– Houve uma destruição nas taxas de lucro. Sem lucro, não há investimento.
Na indústria, o cenário também é difícil. Dados do Sindicato das Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico
(Simecs) mostram que o faturamento do setor, que, em 2010, chegou a R$ 25 bilhões, caiu para R$ 11,2 bilhões no ano passado. As grandes multinacionais baseadas na cidade conseguiram amortecer, de certo modo, o tombo nas vendas, mas as mais de mil empresas fornecedoras acabaram indefesas diante da duração da crise.
– Os indicadores parecem apontar para uma estabilização da atividade, mas em um nível baixo. Ou seja, a produção parou de cair, e pode até apresentar algum crescimento na margem, mas ainda falta muito para que as perdas dos últimos dois, três anos, sejam recuperadas – explica Cecília Hoff, da Fundação de Economia e Estatística (FEE).
– A retomada está sendo lenta e em ritmo bem menor do que gostaríamos, mas está acontecendo – afirma Astor Schmitt, diretor de Economia, Finanças e Estatística da CIC de Caxias do Sul.
No comando da Mecânica Silpa, a família Paniz sentiu a recessão. Em 2012, tinha 280 funcionários na folha de pagamento, e hoje conta com 110 colaboradores – 61% a menos. E ainda tem dificuldades para quitar salários. Em dezembro, houve protesto de funcionários em frente à empresa devido ao não pagamento das rescisões de 17 trabalhadores demitidos.
– Está sendo muito duro. Admitir que não tenho dinheiro para pagar os salários é como me enterrar viva. Nenhum empresário quer demitir, pois estamos demitindo uma família. Mas o que fazer, se o faturamento caiu 50%? É preciso nos unir. Por favor, vamos nos dar as mãos: empresários, funcionários, sindicatos, Justiça do Trabalho. Estamos precisando de ajuda. Só assim encontraremos uma saída – pede Silvia Paniz.
Empresários falam em união e cobram ajuda de governos
Sem perspectiva de melhora no curto prazo e com receio de serem obrigados a demitir mais funcionários, empresários caxienses falam em união e cobram apoio dos governos federal e estadual para superar a crise. Com 81 anos, 57 deles dedicados ao comércio, o presidente da Câmara de Indústria, Comércio e Serviços de Caxias do Sul (CIC), Nelson Sbabo, reclama da falta de incentivos do Planalto e do Piratini para que o setor privado consiga reagir à "pior recessão já vivida".
– Estão tão preocupados com os próprios problemas de caixa que esquecem que, sem empresas, não há pagamentos de impostos – afirma Sbabo.
No comando da Câmara de Dirigentes Lojistas de Caxias do Sul, Ivonei Pioner,
34 anos de experiência no varejo, afirma que sem medidas de incentivo será difícil sair da situação. O empresário cita o avanço da inadimplência, que, nos últimos três anos, saltou 15%: 76 mil caxienses estão devendo em lojas há mais de três meses – indicando o tamanho da paralisia da economia e do problema que os comerciantes terão para emplacar novas vendas.
– O que podíamos fazer, já fizemos. Reduzimos custos, demitimos, procuramos novos mercados. Mas tem um momento que chega o limite – diz Pioner.
O apelo foi reforçado por nota do Sindicato das Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Caxias do Sul (Simecs). A entidade pede união do poder público e da sociedade para buscar alternativas.
– A crise não é de um, é de todos – ressalta o presidente do Simecs, Reomar Slaviero.
A CIC organiza uma comisssão integrada por representantes de entidades e empresários que irá até Brasília apresentar a atual situação de Caxias do Sul diretamente ao presidente Michel Temer. A data ainda não está marcada, mas a expectativa é de que aconteça ainda em março.
Nem o vinho resistiu
A crise atingiu Caxias do Sul com tamanha força que nem a típica produção do vinho resistiu. No ano passado, a venda da bebida e de derivados da uva recuou 18%. Foi o pior ano do setor vitivinícola da década, segundo o presidente do Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin), Dirceu Scottá.
A queda não foi apenas resultado da desaceleração. A quebra de safra – causado pelo excesso de geada e de chuva – e o aumento do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) são apontados também como fatores para o desempenho ruim.
A comercialização de vinhos de mesa, que representam 60% da produção nacional, registrou queda de 20% no ano passado. Produto mais afetado pela alta do IPI por ter valor agregado maior, o espumante apresentou recuo de 10,3% nas vendas. No caso do suco de uva para consumo, sem a incidência do tributo, houve diminuição de 20%.
Colaboraram Babiana Mugnol e Silvana Toazza