Aprovado pelos deputados federais por 231 votos a 188 na noite de quarta-feira, o projeto de lei que autoriza a terceirização irrestrita do trabalho divide especialistas. Principal executiva de relações trabalhistas da Confederação Nacional da Indústria (CNI), a advogada Sylvia Lorena é uma entusiasta do projeto. Para Sylvia, que também é integrante do conselho de administração da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a nova legislação preserva direitos trabalhistas e garante segurança jurídica às empresas.
O presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Germano Silveira de Siqueira, porém, tem visão antagônica. O magistrado considera a aprovação da terceirização irrestrita "uma irresponsabilidade" e defende que o presidente Michel Temer vete a proposta. Siqueira avalia que a futura lei, caso seja sancionada na íntegra, trará impactos negativos para as condições de trabalho e reduzirá salários.
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"A regulamentação gera investimentos e mais e melhores empregos"
Sylvia Lorena, gerente de Relações do Trabalho da CNI
Quais os impactos da terceirização no mercado de trabalho e na economia?
Não temos dados específicos, mas fizemos uma sondagem que nos mostrou o quanto a regulamentação é importante para as empresas. Até agora, o maior obstáculo era a falta de um marco legal que estabelecesse segurança jurídica. Tínhamos apenas uma súmula da Justiça do Trabalho que permitia a terceirização apenas da atividade-meio.
De que forma a terceirização da atividade-fim beneficia as empresas?
Nunca houve definição do que é atividade-meio e do que é atividade-fim. Isso faz parte da estratégia das empresas. O que é meio para uma pode ser fim para outra. Uma indústria de suco de laranja, por exemplo, precisa plantar e colher a fruta. Esse serviço é atividade-meio ou fim? Existe jurisprudência dizendo que é fim, o que impede a indústria de contratar um pequeno agricultor para plantar e colher as laranjas. A regulamentação coloca fim nessa discussão e beneficia a empresa porque faz da terceirização uma forma de gestão do próprio processo produtivo. O empresário escolhe o que vai fazer por conta própria.
Quais são os efeitos para o trabalhador?
A terceirização já é uma realidade hoje no Brasil. Nenhuma empresa faz nada sozinha. Com uma legislação mais clara e objetiva, teremos um melhor ambiente de negócios. A regulamentação gera investimentos e mais e melhores empregos. Uma empresa competitiva produz mais e precisa de mais colaboradores. Além do mais, não se exclui a proteção dos trabalhadores, que continuarão com carteira assinada, 13º, férias e FGTS.
A terceirização não favorece a contratação de trabalhadores na forma de pessoa jurídica, a chamada pejotização?
A terceirização não é intermediação de mão de obra, nem pejotização. É uma parceria pela qual você transfere para outra empresa parte do processo produtivo. Você contrata um serviço. Não favorece a pejotização, até porque ela já existe. Pela terceirização, a micro ou pequena empresa contratada tem autonomia para exercer o serviço. Já um PJ, se está cumprindo horário, obedecendo ordens e tem vínculo de subordinação com a empresa contratante, é fraude trabalhista. Os parâmetros da relação precisam estar claros no contrato de prestação de serviço.
A terceirização pode gerar um número maior de contratos temporários?
O trabalhador vai exercer sua profissão normalmente e talvez até permanecer mais tempo no emprego. Veja o exemplo de alguém que é contratado por uma construtora para erguer um edifício. Trata-se de uma obra feita em etapas. Se ele trabalha na fundação, vai ficar só no início da obra e depois será dispensado. Agora, se você for de uma empresa terceirizada, terá um contrato muito mais duradouro e irá se especializar na função, saindo de uma obra para outra.
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"Haverá uma enxurrada de ações na Justiça do Trabalho"
Germano Silveira de Siqueira, presidente da Anamatra
Quais os impactos da terceirização no mercado de trabalho e na economia?
A Câmara aprovou a terceirização de forma ampla e irrestrita na atividade privada e no serviço público. O projeto permite a pejotização do trabalho. Essa proposta vai acarretar em rebaixamento das condições de trabalho e de salários de milhões de brasileiros. Haverá uma precarização das relações laborais, com impacto na arrecadação via Imposto de Renda e contribuição para a Previdência.
Por que o senhor acredita em impacto na arrecadação?
Haverá uma redução global de recolhimentos. Os salários terão, em média, rebaixamento de 25% a 30% e isso vai afetar a arrecadação. Hoje, temos 12 milhões de trabalhadores terceirizados e cerca de 35 milhões contratados diretamente. Não duvido que esses números se invertam nos próximos anos. A tendência é que os grandes salários fiquem com PJs e os intermediários nas terceirizadas.
O projeto garante segurança jurídica para a terceirização?
Provoca insegurança jurídica, na medida em que o texto é vago e libera a terceirização para atividade-fim. O reflexo será uma enxurrada de ações na Justiça do Trabalho. Acredito que o volume dessas ações possa duplicar. Ainda virão possíveis questionamentos da constitucionalidade das mudanças no Supremo Tribunal Federal. Se houvesse segurança jurídica, o projeto preveria, por exemplo, que um funcionário da terceirizada ganhe o mesmo salário do funcionário da empresa contratante.
Se a terceirizada não cumprir com obrigações trabalhistas, como será feita a cobrança na Justiça?
No setor privado, o trabalhador vai recorrer ao Judiciário contra a terceirizada, mas se ela for condenada e não tiver condições de pagar, a empresa contratante poderá responder. No serviço público, o STF discute em um julgamento se a administração pública pode ser responsável por dívidas trabalhistas de uma terceirizada contratada por ela. Se o Supremo entender que não há responsabilidade, milhões e milhões de brasileiros não receberão.
A possibilidade de uma terceirizada contratar outra terceirizada pode dificultar eventuais reclamações de direitos trabalhistas?
Vai dificultar bastante. A própria fiscalização terá mais dificuldade para ser realizada. Esse projeto aprovado pela Câmara era o pior sobre a terceirização que estava no Congresso. Como o presidente Temer se apresenta como um constitucionalista, espero que ele vete esse projeto.