A política de facilitação de garantias adotada pelo Ministério da Fazenda a partir de uma exceção prevista em portaria de 2012 pode levar os responsáveis a responderem por improbidade administrativa. A avaliação é do procurador que atua junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), Júlio Marcelo de Oliveira. O órgão investiga a prática, que permitiu que Estados em péssima condição financeira e com elevado risco de calote obtivessem R$ 73 bilhões em garantias da União para novos empréstimos entre 2012 e 2015.
Técnicos do TCU querem concluir até meados de dezembro a avaliação das garantias que tiveram de ser honradas de maio a agosto. Caso constatem irregularidades, abrirão processo de representação para aprofundar as investigações durante o primeiro semestre de 2017. Na instrução do processo o TCU pode requisitar mais informações, dados e documentos.
– Se for verificado que as concessões de aval de garantia violaram normas, quem concedeu pode ser responsabilizado. A responsabilização pode gerar multa, inabilitação de exercício de função pública por até oito anos e, se ao final configurar dano ao erário, possibilidade de responsabilização patrimonial – diz Oliveira.
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Contrariando recomendação do TCU, o Tesouro adotou política de garantias facilitadas, concentrando avais para Estados com as piores notas de classificação de risco: C e D. Assim como nas pedaladas, a decisão era calcada em portaria, editada em 10 de setembro de 2012, que dava poderes ao ministro da Fazenda, em "caráter excepcional", de autorizar Estados com rating mais baixo a contratar empréstimos com aval da União.
Foi com base nessa portaria que os ex-ministros da Fazenda Guido Mantega e Nelson Barbosa liberaram, de 2012 a 2014 e em 2016, garantias para Estados com alto risco de calote. Já governos com notas A e B, com melhor saúde fiscal, tiveram garantias para obter R$ 44,9 bilhões em novos financiamentos.
– Essa portaria poderia existir? Qual é o grau de excepcionalidade que o ministro está autorizado a criar na norma por conta de uma portaria? Isso é muito perigoso, dispor dos critérios de prudência para concessão de aval e fazer isso discricionariamente, comprometendo a saúde financeira do Tesouro e autorizando os Estados a terem endividamento imprudente. Isso vai ser examinado pelo Tribunal – diz o procurador do TCU.
Calote
Além de improbidade, Oliveira diz que a manipulação das garantias poderia ter provocado a rejeição das contas e afirma "não achar impossível" enquadrar a prática em crime de responsabilidade. Procurado, Mantega não comentou as declarações. A reportagem não conseguiu contato com Barbosa.
A consequência dessa política foi o agravamento da crise financeira dos Estados e agora o calote. O Tesouro já precisou honrar R$ 1 bilhão em dívidas não pagas ao longo de cinco meses. Rio de Janeiro e Roraima não quitaram parcelas de empréstimos nesse período, mas o governo já admite que outros podem seguir igual caminho.
– O modelo de concessão de crédito do governo federal contribuiu para que os Estados enfrentassem situação financeira tão difícil como temos atualmente – avalia o subsecretário do Tesouro do Rio Grande do Sul, Leonardo Busatto.
Ao quitar a dívida, o Tesouro bloqueia recursos do governo estadual que deu o calote para compensar o prejuízo. Mas o procurador afirma que o órgão terá de provar que a política não está causando danos ao erário.
– Precisa demonstrar isso, não basta falar – diz Oliveira.
Além de apurar responsabilidades, há quem defenda mudanças no sistema de concessão de garantias. Além de rever critérios de classificação de risco dos Estados, o ideal seria estabelecer limites mais rigorosos para que a União dê esse tipo de aval.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.