Decisões recentes do governo federal colocam em risco investimentos na área de energia com potencial de alcançar R$ 30 bilhões nos próximos anos no Rio Grande do Sul e mobilizam empreendedores e Piratini para garantir recursos ao setor. Segundo especialistas, as restrições impostas a parques eólicos e usinas a carvão representam grave prejuízo à economia local e, no médio ou longo prazos, podem fragilizar a segurança de abastecimento para o Estado.
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) decidiu cortar financiamentos para termelétricas a carvão – um dos principais recursos naturais do Estado –, e o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) barrou a ampliação do parque eólico gaúcho por falta de capacidade de transmissão de energia.
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Os empreendimentos eólicos que poderiam participar do leilão de energia marcado para dezembro somam 3 mil megawatts – cerca de um terço de tudo o que pode ser gerado hoje no Estado. Como são necessários, em média, R$ 6 milhões em investimentos para cada megawatt produzido, isso representaria até R$ 18 bilhões. Essa seria a possibilidade máxima de recursos, já que nem todos os candidatos são contemplados nos leilões, que costumam ocorrer duas vezes ao ano.
O consultor de energia e voluntário da Agenda 2020 Ronaldo Lague sustenta que, embora os leilões ocorram todo ano, a exclusão temporária pode prejudicar o Estado – pioneiro em geração eólica no país.
– Se os investidores puderem aplicar seus recursos em outros projetos pelo Brasil agora, talvez se desloquem para lá – analisa.
Em relação à restrição ao crédito para usinas a carvão, reflexo da falta de recursos do BNDES, que levou o banco a priorizar projetos de energia menos poluentes, Lague lamenta o possível impacto econômico. O Rio Grande do Sul concentra 87% das reservas desse mineral no país e poderia movimentar até R$ 15 bilhões com iniciativas já alinhavadas.
– O carvão é o nosso petróleo. O país deveria usar todas as suas fontes de energia, porque voltará a crescer – diz Lague.
Pedro Machado, consultor da GVEnergy, lembra que as hidrelétricas costumam alcançar cerca de 50% de sua capacidade de geração, enquanto as eólicas oscilam entre 30% e 40%. Termelétricas seriam importantes para a segurança de abastecimento pelo fato de permitirem o controle da fonte de suprimento – seja carvão, gás ou óleo – e assim garantir fornecimento estável.
– Não se consegue extrair 100% da potência instalada de hidrelétricas ou parques eólicos porque não temos como controlar chuva ou vento – esclarece Machado.
O consultor não projeta risco de desabastecimento no curto prazo, até porque a crise econômica derrubou o consumo no ano passado (veja gráfico). Porém, aprovação dos projetos de parques eólicos, segundo ele, seria capaz de sustentar eventual crescimento nos próximos anos.
– As eólicas, que teriam capacidade máxima de 3 mil megawatts, forneceriam em média 900 megawatts. Isso seria suficiente para garantir o aumento do consumo no Estado, a uma taxa anual de 3%, durante uns cinco anos – calcula Machado.
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O secretário estadual de Minas e Energia, Lucas Redecker, enviou ofício ao Ministério de Minas e Energia solicitando revisão nos critérios do leilão de energia, previsto para dezembro, a fim de permitir a participação de empreendimentos gaúchos.
– Cada projeto estimula a cadeia econômica. Um parque representa de R$ 500 milhões a R$ 1 bilhão – avalia Redecker.
Até sexta-feira, a secretaria aguardava resposta. Procurado por ZH, o ministério não se manifestou. Em relação ao carvão, o secretário avalia que o corte dos financiamentos poderá não ter impacto significativo sobre alguns dos projetos, como a Usina de Ouro Negro, em Pedras Altas:
– Em alguns casos, há a participação de investidores estrangeiros, como chineses.
Investidores ligados ao carvão apostam em nova legislação
Excluídos das linhas de financiamento do BNDES para novos empreendimentos, investidores da área de energia à base de carvão natural apostam que a nova lei do setor elétrico – aprovada pelo Congresso na semana passada – poderá permitir a retomada dos financiamentos públicos. A legislação prevê a modernização do parque termelétrico movido a carvão mineral, com a substituição das usinas antigas por outras menos poluentes.
A medida provisória 735/2016 foi publicada no Diário Oficial em junho, mas teve de passar pelo crivo da Câmara e do Senado, de onde seguiu na quarta-feira passada para sanção presidencial. O artigo 20 da proposta prevê a criação de "programa de modernização do parque termelétrico brasileiro movido a carvão mineral nacional para implantar novas usinas que entrem em operação a partir de 2023 e até 2027, com o intuito de preservar no mínimo o nível de produção de carvão mineral nacional".
O texto também determina a redução da emissão de gases de efeito estufa resultantes da queima do mineral para produzir energia em, no mínimo, 10% a partir de 2023. Para o presidente da Associação Brasileira de Carvão Mineral (ABCM), Fernando Zancan, a inclusão desse artigo, negociado com o relator da medida, o deputado federal José Carlos Aleluia (DEM-BA), permitiria ao BNDES retomar os financiamentos de projetos para o setor.
– Não estamos falando em financiar a expansão (das usinas a carvão), mas a modernização. Uma vez que isso se torne política pública, com a aprovação da medida provisória, e reduza a emissão dos gases do efeito estufa, não vemos razão para o banco não retomar os financiamentos. Mas ainda não procuramos o BNDES para tratar disso – observa Zancan.
A associação estima que a renovação do parque carbonífero com base na nova lei poderia gerar US$ 5 bilhões (aproximadamente R$ 15,7 bilhões) em investimentos distribuídos entre os Estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina.
"O setor de transmissão no país está quebrado", diz presidente de entidade
Presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica), Elbia Gannoum sustenta que o obstáculo a investimentos no setor em solo gaúcho tem origem na falta de recursos para infraestrutura nos últimos anos. Confira, a seguir, entrevista concedida por telefone a ZH.
Como você vê essa impossibilidade temporária de se investir em projetos de energia eólica no Rio Grande do Sul. Não haveria uma alternativa?
Em primeiro lugar, não é um problema do Rio Grande do Sul. É do país. O Brasil está passando por problema grave de transmissão. Teve início lá por 2009, 2010, porque o segmento de transmissão não estava atraindo investidores. Um dos fatores é o preço-teto muito baixo (retorno oferecido aos investidores). O último governo priorizou modicidade tarifária (cobrança da menor tarifa possível, mas que garanta lucro) pouco realista. Então, é um problema estrutural. Neste ano, atingimos o ápice da crise da falta de infraestrutura em transmissão.
O retorno oferecido era considerado muito baixo?
Era, e o risco, muito alto. Então as empresas de transmissão que ficaram nos leilões foram as estatais, porque essas são meio que obrigadas a investir com as tais taxas de retorno "patrióticas".
Como a Eletrosul, no Rio Grande do Sul?
Sim. Se você verificar, a Chesf (Companhia Hidrelétrica do São Francisco) atrasou suas obras em um passado recente, e alguns parques eólicos não entraram em operação porque não tinham linha (em 2013, 26 empreendimentos no Ceará, na Bahia e no Rio Grande do Norte enfrentavam esse problema). A Eletrosul não tem dinheiro para fazer os projetos. Está quebrada. E a Abengoa, uma espanhola, que era a única privada que investia em transmissão, quebrou. Então, o setor de transmissão no Brasil está quebrado.
Qual a perspectiva daqui para frente?
Agora, é solução de médio e longo prazos. O setor já verificou isso, o governo está trabalhando, e já melhoraram bastante as margens dos leilões de transmissão. Mas estamos falando de infraestrutura. Uma decisão tomada hoje tem resultado para daqui a três anos. Não tem como aparecer com linha de transmissão da noite para o dia no Rio Grande do Sul para resolver o problema.
Há algum risco de desabastecimento, ainda que localizado?
Não há risco de desabastecimento por falta de linha de transmissão. O Brasil tem uma interconexão muito forte, com capacidade grande de transferir energia. No curto e médio prazos, não vejo risco para o abastecimento.