Nem todos os equipamentos que estão sobre a planta da Iesa, no município de Charqueadas, poderão ser vendidos para quitar ao menos parte da dívida da empresa com o Badesul, agência de fomento que sofreu calote de R$ 65 milhões somente nesta operação.
Apenas o terreno, às margens do Rio Jacuí, tem valor de mercado de cerca de R$ 3,75 milhões. Em setembro de 2014, quando entrou em recuperação judicial, alegando os investimentos e equipamentos levados ao local, a própria Iesa atribuiu ao sítio o valor de R$ 75 milhões. Seriam necessários R$ 71,25 milhões em bens móveis para alcançar essa cifra.
À época, servidores técnicos do Badesul alertaram para a possibilidade de supervalorização e se opuseram, mas a direção chegou a trocar a chefia do setor jurídico para encaminhar posição favorável aos valores sugeridos pela Iesa.
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Ocorre que, entre os equipamentos mais valiosos que estão no local, constam módulos de plataformas de exploração de petróleo que a empresa estava construindo para a Petrobras. Estes itens poderão não entrar na venda da planta. Ou, se entrarem, é possível que a Petrobras tenha de ser paga por isso. Como contratante, ela se tornou proprietária dos módulos, mesmo que ainda estejam inacabados.
É o que diz o plano de recuperação judicial do grupo Inepar, controlador da Iesa, em documento de 1º de maio de 2015.
"A alienação abrangerá as acessões introduzidas pelo grupo Inepar no imóvel bem como os bens, inventários e equipamentos que lá se encontram e poderá ou não compreender os módulos que se encontram em fase de construção, desde que haja prévio acordo e resguardo de eventuais direitos da Petrobrás e da Tupi B.V. sobre eles", diz o plano de recuperação judicial.
Na prática, isso significa mais um entrave para o ressarcimento do calote imposto ao Badesul. Os módulos em construção estão entre os equipamentos de valor do local. A maioria dos componentes, como equipamentos e peças, acaba depreciando rapidamente, tem vida útil limitada e são de uso muito específico, fatores que os tornam de difícil liquidação.
O engenheiro Breno Jardim Kuhn, perito em avaliação e diretor-técnico da Avalor, explica que os bens móveis, em geral, acabam sendo vendidos a preço do peso do aço e do ferro.
Com as restrições para a negociação dos módulos e a desvalorização de peças, um dos bens com maior certeza de valor é o terreno, que vale cerca de R$ 3,75 milhões. O montante é bastante inferior aos R$ 65 milhões devidos pela Iesa ao Badesul, considerando os encargos contratuais. Pela recuperação judicial, que força a redução de valores, a dívida da empresa com o banco é de cerca de R$ 44 milhões.
O contrato de financiamento de R$ 40 milhões entre as partes foi assinado em 2012, na gestão de Marcelo Lopes à frente do Badesul, com a flexibilização do rigor na exigência de garantias bancárias.
Histórico do descalabro
- No governo Tarso Genro, de 2011 a 2014, o Badesul, banco de fomento, multiplicou exponencialmente a liberação de financiamentos, principalmente para clientes de risco.
- A política da instituição resultou em calotes porque empresas que tomaram empréstimos não fizeram os investimentos projetados nem pagaram as prestações. Muitas entraram em recuperação judicial.
- A aposta do governo era injetar recursos no desenvolvimento e na modernização da economia do Estado, mas houve equívocos de avaliação de garantias, alta concentração de empréstimos em poucos clientes e baixas taxas de rentabilidade.
- Três exemplos de inadimplência são os financiamentos à Iesa Óleo e Gás (R$ 40 milhões), à Wind Power Energia (R$ 50 milhões) e à D'Itália Móveis (R$ 10 milhões). As três devem, em valores corrigos, R$ 157,6 milhões ao Badesul.
- O Banco Central pediu explicações sobre as operações com a Iesa e a Wind Power. O Tribunal de Contas do Estado (TCE) abriu duas inspeções extraordinárias para apurar as operações.
- Após reportagem de ZH revelar as operações de risco e os calotes milionários sofridos pelo Badesul, o Piratini abriu sindicância, que está tomando depoimentos dos envolvidos. O trabalho é coordenado pela Procuradoria-Geral do Estado.
- O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) rebaixou, em 14 de setembro, a nota da agência gaúcha a zero, impossibilitando a captação de recursos da instituição federal. Isso praticamente inviabilizava o Badesul, que busca 98% dos seus capitais no BNDES.
- Em 28 de setembro, o Badesul apresentou plano de contingência e recuperou a nota de 2,2, o que garantiu margem para tomar cerca R$ 130 milhões junto ao BNDES.
CONTRAPONTOS
O que diz a Iesa Óleo e Gás
ZH enviou e-mail à assessoria de imprensa, mas não houve retorno.
O que diz Marcelo Lopes
Para ambos os casos, afirma que "Informações alheias ao processo de concessão são meras especulações":
Sobre a Iesa Óleo e Gás
"As garantias reais de que (o Badesul) dispõe foram reconhecidas como regularmente constituídas pelo juiz responsável, quando homologou o Plano de Recuperação Judicial da empresa. A Iesa teve que apresentar laudo econômico-financeiro e de avaliação dos seus bens e ativos. O imóvel dado em garantia foi oficialmente reavaliado em valor suficiente para cobrir o saldo devedor. "
*ZERO HORA