Encolhido em 58% em um período inferior a dois anos, o número de trabalhadores no setor de infraestrutura do Estado cairá ainda mais nas próximas semanas com a confirmação da paralisação da obra da nova ponte do Guaíba. Nesta segunda-feira, de acordo com o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Pesada no Estado do Rio Grande do Sul (Siticepot), em torno de 300 pessoas foram comunicadas da demissão pelo consórcio formado por Queiroz Galvão e EGT Engenharia, que constrói a travessia desde o ano passado.
Em novembro de 2015, 200 operários já haviam sido dispensados do canteiro de obras. Segundo o Movimento Ponte do Guaíba, para o cronograma ser cumprido, com conclusão prevista para o fim de 2017, seriam necessários mil trabalhadores para a etapa atual da construção, mas até a semana que vem o número deve ser zerado.
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Oficialmente, a Queiroz Galvão, empreiteira que lidera a execução da ponte, recusa-se a comentar os motivos que a levaram a dispensar os funcionários na manhã de ontem, mas supostos atrasos e a insuficiência nos repasses de recursos do governo federal seriam a razão para a decisão da empresa. O orçamento de 2016 previa a destinação de R$ 65 milhões para a obra, valor que é quase a metade do aprovado pelo Senado no ano passado, R$ 112 milhões – mesmo o montante total já é considerado deficitário.
Escassez de dinheiro ameaça outros empreendimentos
Segundo empresas ligadas ao setor, mesmo que o governo esteja pagando em dia o consórcio, os valores são insuficientes para manter os trabalhados em ritmo normal. Em nota, a assessoria de imprensa do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) informou que o órgão "não emitiu qualquer ato administrativo que ensejasse a paralisação do contrato", negou atrasos em repasses e disse que pedirá esclarecimentos ao consórcio Ponte do Guaíba a respeito da suspensão. O custo total da construção é de R$ 649,6 milhões. Nem o órgão nem as empreiteiras informaram quanto foi pago até o momento.
Além da travessia, as demais melhorias de infraestrutura rodoviária do Estado estão paralisadas ou em processo de interrupção por falta de dinheiro federal. Na semana passada, o Dnit aprovou o envio de uma proposta, sob análise do Ministério dos Transportes e da Casa Civil, que prevê a suspensão de obras devido à ausência de recursos.
A medida afetaria, além da ponte, o contorno de Pelotas e a travessia urbana de Santa Maria. Com esse cenário, as empresas do segmento acabaram aumentando o número de demissões nos últimos meses.
– O que equilibra um pouco o nosso setor são as obras de parques eólicos e hidrelétricas, mas praticamente não há mais ninguém trabalhando em construção de rodovias. Entre 2013 e 2014, chegamos a ter em torno de 18 mil pessoas filiadas. Hoje, estamos na casa dos 7,5 mil – lamenta o presidente do Siticepot, Isabelino Garcia dos Santos.
Crise política também afeta investimentos
As perspectivas para o futuro do setor de construção de rodovias são pessimistas e dependem, acima de tudo, do dinheiro dos cofres da União, que enfrenta período de ajuste nas contas e deve apertar ainda mais o cinto com o possível afastamento da presidente Dilma Rousseff e o ingresso do vice Michel Temer no cargo. A tendência é de que o peemedebista aprofunde algumas medidas de equilíbrio fiscal, o que significaria reduzir investimentos.
Para o presidente do Sindicato da Indústria da Construção de Estradas do RS (Sicepot), Ricardo Portella, o governo terá de fazer escolhas diferentes se quiser alavancar o crescimento do país e reduzir o desemprego. Na avaliação de Portella, a União deveria dobrar o valor previsto a investimentos em estradas no orçamento, de R$ 5 bilhões para R$ 10 bilhões:
– O país está sem governo, está parado. Vamos gastar com seguro desemprego, em 2016, mais de 10 vezes o que gastaremos com investimentos em estradas. Com o Bolsa Família, serão de quatro a cinco vezes mais. O (eventual) novo governo precisa compreender que construir rodovias é importante para o nosso futuro, para melhorar a produção, gerar emprego, melhorar o resultado econômico.
Execução do projeto pode mudar de mãos
Com a possível troca de comando no Palácio do Planalto nas próximas semanas a partir do afastamento da presidente Dilma Rousseff e a ascensão do vice Michel Temer ao cargo, a condução da construção da nova ponte do Guaíba também deve passar por alterações. Licitada pelo Regime Diferenciado de Contratações (RDC), que prevê uma disputa mais rápida entre os postulantes à obra, a travessia pode ser retirada desse modelo e incluída na renovação do contrato de concessão da freeway, que termina em julho de 2017.
Assim, a empresa que vencesse a concorrência poderia administrar a rodovia, mas teria de arcar com os custos para erguer a ponte. A Concepa, que gere atualmente o trecho da BR-290 entre Porto Alegre e o acesso ao Litoral Norte, já manifestou interesse nessa alternativa.
Na noite de domingo, o governador José Ivo Sartori e o ex-ministro Eliseu Padilha (PMDB), um dos principais articuladores do vice-presidente, conversaram no Palácio Piratini sobre o assunto. Sartori manifestou preocupação com algumas obras federais no Estado, entre elas a ponte, e ouviu de Padilha que há disposição do futuro governo em resolver o assunto.
– O mais provável é que a ponte e outras obras que pararam ou que estão prestes a parar sejam incluídas em concessões pelo governo federal – afirma um interlocutor do ex-ministro.
Nos próximos dias, o presidente do Movimento Ponte do Guaíba, Luiz Domingues, pretende ir a Brasília encontrar Padilha para conversar sobre a questão. Ele quer um compromisso do político gaúcho, cotado para assumir a chefia da Casa Civil em eventual gestão do peemedebista, com a execução da travessia.
– Temos certeza que o Temer vai continuar a obra. Há alternativas, como a Concepa fazer a construção. Temos esperanças, a nossa relação com o Padilha é muito boa e acreditamos que ele não vai permitir que a obra pare – afirma.
A reportagem entrou em contato com o Ministério dos Transportes, com a Casa Civil e encaminhou questionamentos a respeito da obra da nova ponte do Guaíba, mas não obteve retorno até a noite de segunda-feira.