Wolfgang Schäuble é um dos rostos mais célebres na Europa hoje. Nas ruas da Grécia, seu semblante ameaçador ilustrava há duas semanas os cartazes da campanha pelo não (oxi, em grego) no plebiscito sobre os termos europeus para novo resgate financeiro do país. Na Alemanha, há seis meses, o tabloide Bild saudou sua recusa em renegociar a dívida grega com o título "A Alemanha diz obrigado, Wolfgang Schäuble".
Para o bem e para o mal, a popularidade de Schäuble está relacionada a dois fatores. O primeiro é o poder: é o ministro das Finanças da Alemanha, quarta maior economia do mundo. O segundo é a política: foi dele a voz mais contundente em defesa de um tratamento de choque na mais recente crise do euro, opondo-se com todas as forças aos que pregavam uma atitude mais branda diante da endividada e rebelde Grécia.
- Schäuble manteve a mesma atitude, dizendo que, com 19 países, sempre há alguma eleição pendente e, se em cada oportunidade mudássemos as coisas, os contratos entre nós não teriam valor. Então tive de responder que talvez não devesse haver eleições nos países endividados, e ninguém respondeu, um silêncio que só posso interpretar como se eles achassem uma boa ideia difícil de colocar em prática - disse o exministro das Finanças da Grécia, Yanis Varoufakis, que enfrentou o alemão nas negociações durante cinco meses e se demitiu por discordar da aceitação dos termos de Berlim, frisando o que seria um viés antidemocrático de Schäuble.
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Seria um equívoco, porém, considerar Schäuble inimigo dos gregos. Em 2010, quando a Alemanha saiu pela primeira vez em socorro da Grécia, após a economia helênica encolher 8% em relação ao período anterior à crise mundial de 2008, coube ao veterano político de 72 anos arquitetar o resgate. O primeiro Memorando de Entendimento, assinado em maio de 2010 entre Atenas e os credores, deu aos gregos acesso a dinheiro basicamente alemão.
- Não podemos deixar a Grécia se tornar um novo Lehman Brothers - disse Schäuble em entrevista à revista Der Spiegel um mês antes da assinatura do acordo, em referência ao banco que se tornou símbolo do crack de 2008.
Cinco anos e dois pacotes depois, Schäuble mudou. Ciente da impopularidade dos resgates, o homem apelidado de "Tesoureiro da Europa" tornou-se mais rígido.
Nascido em 1942 em Freiburg, filho de um tributarista, ele se tornou aos 19 anos militante da ala jovem do partido conservador CDU, na qual pontificava o ex-chanceler alemão ocidental Konrad Adenauer. Vieram os tempos do bloqueio de Berlim, da construção do muro e das voltagens mais altas da Guerra Fria. Tudo contribuiu para fazer de Schäuble um defensor das liberdades individuais, do mercado e da democracia parlamentar. O pós-guerra submeteria esse liberal a duros testes.
Uma história de superações
Eleito deputado ao Bundestag pela primeira vez em 1972, aos 30 anos, Wolfgang Schäuble mudou sua sorte quatro anos depois. Nas eleições, somou-se à candidatura do líder emergente da CDU, um renano grandalhão chamado Helmut Kohl. Os conservadores tiveram uma votação surpreendente (48,6%), mas perderam a vaga de chanceler para outro Helmut, de sobrenome Schmidt, social-democrata e herdeiro político do Nobel da Paz Willy Brandt.
Como líder da oposição, porém, Kohl projetava uma sombra grande, e foi ao lado dele que Schäuble tornou-se líder de bancada em 1981, chefe de gabinete da Chancelaria em 1984 e ministro do Interior em 1989. Com a queda do Muro de Berlim, naquele ano, coube a Schäuble reger a reunificação.
Em 1990, aos 48 anos, durante atividade de campanha eleitoral no Estado de Baden-Wurttemberg, Schäuble foi atingido por dois tiros disparados por um criminoso comum, no primeiro ataque desse tipo ocorrido na Alemanha unificada. Ficou paraplégico após o atentado, e desde então usa uma cadeira de rodas. Três meses depois, já estava de volta ao trabalho.
Personagem de 40 anos de história germânica, tornou-se entusiasta da unificação europeia.
- A mais simpática, a mais talentosa e a mais trágica figura da história recente da CDU - disse sobre ele Hans-Peter Schwarz, biógrafo de chefes de governo alemães.
Na sexta-feira, ao dirigir sua cadeira de rodas à tribuna do Bundestag para defender mais uma vez o resgate à Grécia (demonstração de disciplina em relação ao governo, já que sua posição a favor da saída grega da zona do euro ficara clara desde o início da crise), Schäuble mereceu a mais longa ovação da sessão. Nem todos, obviamente, concordam com ele.
- Eles vão destruir a ideia de Europa - disse Gregor Gysi, líder do partido A Esquerda, o maior da oposição, apontando para o ministro das Finanças e para a chanceler Angela Merkel.
Ao final da sessão, ajudado por uma assessora e aparentemente imune a críticas, Schäuble deslizou para fora do plenário.
- Minha avó costumava dizer: benevolência vem antes da dissolução - diz ele em entrevista publicada na edição da Der Spiegel que circula neste domingo.