Mesmo menor do que o esperado, o corte no orçamento do governo federal tem efeitos que contrastam com o discurso otimista do ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, a quem coube anunciar a tesourada. Seu colega da Fazenda, Joaquim Levy, teria sido impedido de comparecer ao evento que afiaria seu apelido "Mãos de Tesoura" por uma gripe.
Como Levy vinha insistindo em levar os cortes a R$ 80 bilhões, e o total encostou em R$ 70 bilhões, a interpretação de que Levy se incomodou com o resultado era tão óbvia que Barbosa pediu "que não sei leia mais do que uma gripe". Dada a importância de Levy para o programa de ajuste fiscal, seria conveniente que o ministro fosse de maca ao anúncio, se preciso.
E em vez da franqueza de Levy, Barbosa preferiu usar a visão rósea de seu antecessor, Guido Mantega. Afirmou que, se o primeiro semestre foi de contração, o segundo seria de recuperação. Dados os sinais do próprio governo, a gripe da economia, que tranca os canais de respiração, não vai melhorar tão cedo. Também não vai durar para sempre, mas é mais prudente que todos saibam o que esperar de 2015 em vez de criar expectativas que não podem ser cumpridas. A pena, como Mantega constatou, é a perda da credibilidade.
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Só em obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), a tesoura levará R$ 25,7 bilhões, quase 40% do total previsto. A prioridade, explicou Barbosa, será de projetos que estejam com ao menos 70% das obras concluídas e os relacionados à habitação, ao combate à seca, portos e aeroportos e ao Plano Nacional de Banda Larga.
Somados, os cortes representam 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB), conforme projeção do próprio governo. Ainda não na próxima segunda-feira, porque os dados foram colhidos na sexta-feira, antes do anúncio feito no final da tarde, mas no início de junho deverá ser possível ver, nas projeções do mercado, um novo distanciamento para o desempenho da economia. No anúncio dos corte, o governo se alinhou à mais recente projeção de mercado, de uma queda do PIB de 1,2%. Caso se confirme, será o pior resultado anual até onde a vista e a série histórica disponível no site do IBGE alcançam, 1996. E o tamanho do corte não estava 100% nas contas do mercado.
Estados e municípios devem perder R$ 10,9 bilhões em transferências por conta dos ajustes na receita. Analistas temem que a previsão de queda de R$ 76 bilhões na arrecadação, em relação ao previsto - parte por conta da crise, parte na conta da ficção dos números - seja tão otimista como Barbosa. Se for assim, será preciso poda dupla.