Dilema de 2015: cortes ou financiamentos?
Se quiser pagar a folha do funcionalismo em dia e honrar os reajustes salariais concedidos na atual gestão, o governador eleito José Ivo Sartori (PMDB) precisará de R$ 3 bilhões a mais no caixa em 2015. Por coincidência, a cifra extra prevista no orçamento do próximo ano é exatamente igual ao montante que deve faltar ao Estado para fechar as contas de 2014, de acordo com projeções de economistas.
Não se trata de um problema pontual. Nas últimas quatro décadas, o Rio Grande do Sul só não gastou mais do que arrecadou em sete anos. Nos outros 36, fechou a contabilidade no vermelho. No mesmo período, a dívida pública cresceu 2.752%. Além do peso da folha, o Estado enfrenta um rombo bilionário na previdência e um passivo histórico com precatórios.
Odir Tonollier: "Ampliamos os investimentos em saúde"
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Em um cenário tão grave, nem a renegociação da dívida com a União será suficiente para sanar as finanças. Se for sancionada na íntegra pela presidente Dilma Rousseff, a mudança na forma de pagamento abrirá uma brecha de R$ 2,6 bilhões para novos empréstimos em 2015, mas o processo não é automático. Mesmo que Sartori opte por ampliar o endividamento, os trâmites burocráticos exigem tempo. Além disso, o Estado continuará entregando 13% da receita líquida anual ao governo federal pelos próximos 14 anos para quitar o passivo.
A política de valorização dos servidores aplicada pelo governo Tarso Genro resgatou defasagens históricas, mas deve significar acréscimo nas despesas com pessoal e encargos sociais de 52,3% entre 2010 e o fim deste ano, com impacto estimado de R$ 7,1 bilhões - o mesmo da dívida com precatórios em 2013.
Embora o secretário da Fazenda, Odir Tonollier, assegure que haverá capacidade para pagar os aumentos e que o déficit de 2014 não passará de R$ 1,5 bilhão, as previsões de analistas são sombrias. Até setembro, o buraco era de R$ 2,8 bilhões.
- O Estado chegou ao limite. Sartori terá de chamar todas as categorias para negociar. Ou suspende os reajustes por um ano, ou a tendência é não conseguir pagar a folha - afirma o economista Fábio Pesavento, da Escola Superior de Propaganda e Marketing
(ESPM-Sul).
- O problema não é dar aumento salarial aos servidores públicos. Isso é importante para o funcionalismo. O problema é tentar resolver tudo de uma vez, comprometendo gastos futuros sem ter a garantia de que haverá receita - completa Ario Zimmermann, secretário da Fazenda no governo Germano Rigotto (PMDB) e professor de Finanças Públicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Cenário será pior, dizem especialistas
As projeções negativas têm base em um conjunto de fatores, incluindo a recente decisão do Judiciário e do Ministério Público de pagar auxílio-moradia de
R$ 4,3 mil a magistrados e promotores, benefício que acabará pesando sobre o Tesouro.
- O cenário se agravou. O Estado vem subestimando as despesas e superestimando receitas - resume o especialista em finanças públicas Darcy Carvalho dos Santos.
Para piorar, o futuro governador terá o desafio de administrar sem poder se valer de subterfúgios. Os recursos dos depósitos judiciais, por exemplo, já estão sendo usados até o limite.
Fora isso, consultores vislumbram baixo crescimento no próximo ano. Para Liderau dos Santos Marques, da Fundação de Economia e Estatística (FEE), a previsão de um orçamento estadual 12,4% maior em 2015 dificilmente irá se concretizar.
- Com a economia crescendo menos, a receita cai. Será um ano muito difícil - alerta.
As saídas para a crise dividem especialistas. Parte deles defende corte radical de gastos do Estado. Outros entendem que não há escapatória senão dar continuidade ao endividamento.
Secretário da Fazenda na gestão de Alceu Collares (PDT), Orion Cabral faz parte do primeiro grupo. Ele sugere uma alternativa drástica a José Ivo Sartori: a adoção do "orçamento base zero", uma espécie de revisão completa das contas públicas.
- Quando chegamos ao governo, a situação também não era fácil. Decidimos começar do zero. Refizemos todos os cálculos e cortamos sem dó - diz Cabral.
Pelo potencial bombástico, a medida está longe de ser unânime e dificilmente se concretizaria. Para Eugenio Lagemann, do curso de Economia do Setor Público da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), "não dá para fazer mágica":
- O governo Sartori não vai ter muito o que fazer. O espaço para cortar gastos é limitado. Ele acabará usando o espaço aberto com a renegociação da dívida com a União para novos empréstimos. A questão é saber onde botar o dinheiro. É preciso investir bem.
Com a dívida do Rio Grande do Sul renegociada, qual deve ser a prioridade do novo governador em 2015?
Assessor especial na gestão de Olívio Dutra (PT), o economista Luiz Augusto Estrella Faria, professor da UFRGS e pesquisador da Fundação de Economia e Estatística (FEE), diz que Sartori "deveria agradecer a Tarso por deixar a possibilidade de um novo financiamento". Além disso, levanta uma outra discussão:
- É preciso rever o pacto federativo. Ou a União investe mais em segurança e em educação ou mexe na distribuição tributária e aumenta os repasses para os Estados.
O esgotamento de um reservatório extra
O governo Tarso Genro foi o primeiro a usar os recursos dos depósitos judiciais até o limite - e deve manter o plano até o fim da gestão. A maior parte desse dinheiro não é do Estado.
São recursos depositados por terceiros em conta bancária como garantia de pagamento em processos que dependem de decisão da Justiça. Desde 2004, o Estado pode "pegar emprestado" parte dos recursos, mecanismo que se tornou a principal alternativa de emergência à crise financeira.
- O próximo governador só vai poder usar a diferença entre o que entrar e o que for usado para os pagamentos judiciais. Por ano, o valor não deve passar de R$ 800 milhões, o que é quase nada diante das despesas do Estado - diz o especialista em finanças públicas Darcy Carvalho dos Santos.
O primeiro a utilizar o expediente foi Germano Rigotto (PMDB). No início, os saques podiam chegar a, no máximo, 70% do total disponível. Desde 2006, o limite legal passou a 85%.
Do início do mandato até outubro, Tarso resgatou 2,7 vezes mais do que as gestões de Rigotto e de Yeda Crusius (PSDB) juntas. O teto foi batido, segundo o secretário da Fazenda, Odir Tonollier, para assegurar o aumento das verbas para a saúde.
A título de comparação, o sistema dos depósitos judiciais funciona como uma espécie de caixa dágua, alimentada por uma tubulação e ligada a uma torneira. Pela tubulação, entram recursos que, aos poucos, vão enchendo o reservatório.
Para aliviar a crise, os governantes podem a abrir o registro e gastar até o limite de 85% do estoque. Como os 15% finais ficam abaixo do nível da torneira, não podem ser utilizados.