Motoristas de caminhão apertam os cintos, reduzem a marcha para 15 km/h e se benzem quando atravessam duas pontes de Uruguaiana, o maior portal do Mercosul no país.
Uma delas remonta ao Império do Brasil, foi concluída em 1888, era exclusiva para locomotivas. A outra, de 1945, foi iniciativa dos presidentes Getúlio Vargas e do argentino Agustin P. Justo.
VÍDEO: Maior porto rodoviário do país, Uruguaiana precisa de estradas e pontes modernas
São dois colossos, notáveis obras de engenharia, mas para suas respectivas épocas. Não foram dimensionadas - e nem haveria como projetá-las - para o século 21 das carretas e dos bitrens pesando cem toneladas. Tornaram-se dois gargalos, sem estrutura para absorver a circulação diária de pelo menos 800 caminhões de quatro países do Cone Sul.
O que faltou foi prever que Uruguaiana seria o maior porto seco do país - e o segundo em volume total de cargas, perdendo para Santos, que ganha em função do terminal marítimo. O prefeito do município, Luiz Augusto Fuhrmann Schneider (PSDB), lamenta o atraso. Observa que a ponte de 1888, sobre o Rio Ibicuí, na rodovia Uruguaiana-Itaqui (BR-472), é a que mais preocupa.
- O Mercosul exige um transporte rápido, seguro e eficiente - destaca Schneider.
O prefeito diz que a fronteira brasileira está perdendo, em logística, para a Argentina. A rodovia entre Porto Alegre e Uruguaiana (BR-290) não foi duplicada, nem acostamentos tem em alguns trechos. A BR-472 apresenta buracos e os remendos de sempre. Já a Ruta 14 dos hermanos, que liga Paso de los Libres a Buenos Aires, oferece pista dupla e pavimento conservado.
A ponte que une Uruguaiana a Libres, erguida em 1945, ainda aguenta o tranco. Apesar de estreita para os gigantes das estradas de hoje, é sólida. Já a travessia da Lei Áurea parece prestes a desabar. No dia 3, ZH percebeu que, quando um bitrem passa, ela treme nas amuradas laterais e em parte dos estrados. Na estrutura metálica, ficou gravada a longínqua certidão de batismo da construtora da Inglaterra:"James Perry & Cº Contractors. London. 1888".
Motoristas temem a travessia estreita
Com 1.317 metros de extensão, a ponte de 126 anos é de mão única. Nas extremidades, dois vigilantes cuidam o trânsito, acionando o semáforo quando termina a fila de um lado. Quando chega à cabeceira da travessia e depara com o sinal vermelho, o caminhoneiro Alcides Sebastião Barbosa, 58 anos, aproveita para sair do veículo, esticar as pernas e verificar os pneus, batendo neles com o taco de madeira. Pelo eco da percussão, constata se algum deles murchou.
- Sempre perco uns 15 minutos aqui. Há 10 anos passo nessa ponte - conta Barbosa, que transporta 38 toneladas de arroz de Uruguaiana a São Paulo.
Há motoristas que se afligem. Diego Aguirre Fanfa Dias, 24 anos, dirige uma carreta de seis eixos, com 18m5cm de comprimento, entre Rio de Janeiro e Santiago do Chile. Ele teme dois momentos da viagem: nas curvas sinuosas da Cordilheira dos Andes e na ponte do Rio Ibicuí.
- Ela parece que está entortando. Será que vão esperar uma desgraça acontecer aqui para construir outra ponte? - pergunta.
Diego carrega 45 toneladas de componentes de rodas para o Chile, volta transportando frutas para uma rede de supermercados fluminense. O retorno é menos assustador, porque entra no Brasil pelo porto de Foz do Iguaçu.
- O trecho do Rio Grande do Sul é perigoso - avisa o caminhoneiro.