Em agosto passado, Monica Hanna entrou no Museu Nacional Malavi, em Minya, no Egito, armada apenas com um celular e sua conta no Twitter, enquanto saqueadores fugiam em correria desabalada. Praticamente todos os objetos que ela amava desde a infância - múmias, amuletos, escaravelhos e esculturas de íbis - tinham sumido. Em seu lugar havia vidro estilhaçado, cacos de cerâmica, lascas de madeira e os restos chamuscados de um sarcófago real.
Os ladrões roubaram quase todos os 1,1 mil objetos do museu, deixando para trás estátuas e sarcófagos pesados demais. Arqueóloga de 30 anos, Hanna enviou um tuíte suplicando ajuda. Logo, ela, colegas e policiais transportavam as relíquias restantes para um caminhão enquanto homens disparavam armas automáticas nas redondezas.
- Nós estamos tentando criar uma guarda comunitária pelo Egito. Por enquanto, parecemos manteiga de menos espalhada em pão demais, Hanna afirmou em entrevista recente em Nova York, onde busca chamar a atenção para os saques em sua terra natal.
Em abril, Hanna recebeu um prêmio da Saving Antiquities for Everyone, organização nova-iorquina que trabalha para proteger a propriedade cultural. O grupo elogiou a arqueóloga por usar ferramentas da mídia social em seu mais completo potencial para acelerar a recuperação de objetos roubados, reduzindo efetivamente os fornecedores do comércio ilícito de antiguidades.
Ela também falou na Faculdade de Direito Benjamin N. Cardozo, da Universidade Yeshiva, em Nova York, e também ajudou a guiar visitas às coleções egípcias do Museu de Arte Metropolitana e do Museu do Brooklyn.
Com 29 mil seguidores no Twitter e uma rede de contatos crescente no Facebook, Hanna também está usando a mídia social para alertar a colegas do mundo inteiro em relação a artefatos roubados. - A história egípcia está sendo destruída. Precisamos de um esforço coletivo em âmbito mundial.
A seguir, ela recitou sítio após sítio - alguns conhecidos dos turistas, como Gizé e as antigas Heliópolis e Mênfis, e outros que nunca foram adequadamente escavados - onde ladrões usando escavadoras, dinamite ou as próprias mãos devoraram uma herança arqueológica com cinco mil anos de idade.
Hanna é formada em egiptologia e química pela Universidade Americana do Cairo e é doutora pela Universidade de Pisa, Itália. Líder de pessoas comuns contra a pilhagem que destroça o Egito desde a revolta de 2011 no país, ela caça os bandidos e alerta autoridades públicas, viaja a sítios isolados para registrar os danos, enfrenta ameaças e um ou outro tiro de esquadrões de saques, além de apelar para os egípcios mais jovens a abraçar a herança fabulosa de sua terra em vez de pilhar templos e sepulturas em busca de dinheiro rápido.
Segundo ela, durante décadas o egípcio médio acreditou que a herança pertencia ao Estado, aos turistas e não ao povo. Por causa disso, a juventude é facilmente convencida pelos mais velhos a ajudar a saquear cemitérios e sítios arqueológicos religiosos num estilo que lembra a roubalheira em Oliver Twist, de Dickens.
- Existe um homem chamado Fagin que despacha essas crianças para cavar e compra tudo que trouxerem.
Às vezes a pilhagem é um tumulto e os sítios são rapidamente abandonados. Outras vezes, uma área é confiscada abertamente por uma máfia da terra que desenterra metodicamente tumbas, vende as joias, o linho e ornamentos encontrados, depois prepara o terreno para construção.
Ela afirma que a pilhagem e a profanação somente vão terminar depois que os egípcios começarem a se preocupar com isso pessoalmente. Porém, acrescentou que a tendência humana à cobiça é muito forte.
Hanna largou o pós-doutorado em Berlim, em 2011, e voltou ao Cairo para fundar a Força-Tarefa do Legado do Egito, rede na mídia social de arqueólogos nativos e estrangeiros, cidadãos, entre outros, para coletar informações e ideias a respeito do drama egípcio. Algumas pessoas usam ferramentas online para mapear áreas saqueadas, outras investigam catálogos de leilão e sites em busca de objetos roubados há pouco tempo e um terceiro grupo de ativistas se reúne em ruínas sitiadas para confrontar os ladrões, limpar o lixo e chamar a atenção da imprensa e ação oficial.
No verão passado em Dahshur, sítio nos arredores das pirâmides de Gizé, onde ladrões de tumbas armados buscavam tesouros, os tuítes de Hanna sobre a pilhagem levaram arqueólogos e moradores locais para protestar no local. Essas iniciativas da mídia social, amplificadas pela cobertura da imprensa mundial, levou o governo a colocar soldados para cuidar da segurança no local.
Tais confrontos podem ser perigosos.
- Meu marido se preocupa com minha segurança, mas eu não. Botei as mãos nesse balaio de gatos, e acho que estou fazendo a coisa certa. Isso me basta.
Em outra iniciativa nos últimos oito meses, ela vem pedindo a estudiosos do mundo inteiro que lhe enviem fotos que mostrem itens agora desaparecidos do Museu Malavi, 300 quilômetros ao sul do Cairo. Milhares de fotos já chegaram, e muitas foram publicadas no site de Hanna. O governo egípcio acredita que a divulgação ajudou a recuperar centenas de artefatos.
Sameh Iskander, presidente do Centro Americano de Pesquisa no Egito e professor visitante da Universidade de Nova York, disse que graças a esse tipo de sucesso Hanna surgiu como uma das pessoas mais importante na luta pela proteção das antiguidades egípcias.
- Eu diria que todos gostam dela, menos os saqueadores.
Tecnologia
Arqueóloga egípcia usa mídia social para denunciar roubos de antiguidades
Em abril, Monica Hanna recebeu um prêmio de uma organização nova-iorquina que trabalha para proteger a propriedade cultural
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