A enfermeira Janine Franceschi, 34 anos, trabalha, limpa a casa, busca o filho na escola, dá atenção ao marido, sai com as amigas e vai ao salão de beleza. Tudo isso sem largar o smartphone.
Nascida e criada em Porto Alegre, nunca viajou para os Estados Unidos, mas é disputada pelos queridinhos da América, donos de empresas como Facebook, Google, Microsoft e Yahoo. Estão todos na mão dela. E, se não estão, querem estar. Janine usa o smartphone para tudo. Trocar e-mails de trabalho, tirar fotos, comprar passagens de férias e conversar com as amigas só no celular.
- O notebook e a máquina fotográfica ficam pegando pó em casa - conta.
A frase resume bem o crescente comportamento de usuários que deixam de lado computadores tradicionais e centralizam a vida digital no aparelho de telefone. Tanto ao buscar informações quanto ao publicá-las, estabelecendo relações com outras pessoas, estão fornecendo a gigantes como Facebook e Google uma espécie de mapa do tesouro: o que, quando, como e quanto consomem.
Quando alguém procura determinado livro em um site de buscas, por exemplo, o servidor de anúncios sabe que é hora de ofertar outros títulos do mesmo autor ou do mesmo gênero. Da mesma forma, se uma pessoa muda o status de relacionamento de "solteiro" para "casado" em uma rede social, a empresa - e seus anunciantes - entendem que é hora de apresentar ofertas de eletrodomésticos.
VÍDEO: Especialista avalia o que a venda do WhatsApp muda na vida do usuários
É esse cenário que favoreceu a compra bilionária do WhatsApp pelo Facebook há duas semanas. Um novo capítulo da acirrada disputa dos gigantes da tecnologia para se tornar indispensáveis e onipresentes: ao concentrar tráfego e informação, o seu valor também ganha densidade. Apesar da cifra exorbitante - com os US$ 19 bilhões seria possível comprar 19 milhões de iPhones 5s, construir 69 novas pontes sobre o Guaíba ou oito metrôs em Porto Alegre, por exemplo - o negócio entre Mark Zuckerberg e os fundadores do WhatsApp, Jan Koum e Brian Acton, foi fechado em poucas semanas, na velocidade típica das inovações do Vale do Silício. Curiosamente, a dupla havia tentado uma vaga na equipe da rede social em 2007, mas não foi aceita.
A pressa em fechar o acordo reflete um interesse especial por aplicativos de mensagens instantâneas. Meses antes, as duas empresas estavam envolvidas em outras negociações. O Facebook tentava (em vão) adquirir o SnapChat, outro aplicativo de bate-papo, por US$ 3 bilhões. O WhatsApp teria recebido uma oferta de US$ 10 bilhões da Google. A resposta foi seca: "Não, obrigado". Para evitar que um concorrente de peso ganhasse espaço nas mãos e nas cabeças dos usuários, Zuckerberg praticamente dobrou a proposta feita pelo concorrente.
- A grande mudança para o usuário é a mais imperceptível: a redução da privacidade dos dados pessoais e das atividades que cada um realiza no espaço que se concentra nas mãos de poucas corporações - explica Beth Saad, especialista em mídias sociais da Universidade de São Paulo.
E há quem diga que o WhatsApp pode valer ainda mais. Com 465 milhões de usuários no mundo, dos quais 38 milhões no Brasil, alcançados em menos de cinco anos, anda em velocidade maior do que o Facebook que, depois de ultrapassar um bilhão de participantes em uma década, tem seu declínio projetado por nove entre 10 analistas. Um estudo da Universidade de Princeton divulgado em janeiro projetou que a rede original de Zuck perderia 80% do público até 2017.
- O cruzamento de milhares de informações permite aos computadores entenderem os desejos do consumidor antes mesmo que ele se dê conta disso. Imagine o valor das informações que a gente troca por Facebook e Gmail e compare com as que você recebe por WhatsApp. Pouca gente vai receber a informação de que sua mulher está grávida por e-mail. A marioria ficará sabendo pelo WhatsApp. Você não vai combinar de sair com seus amigos escondidos da sua mulher pelo Facebook. Vai ser por WhatsApp - provoca Wagner Martins, economista carioca e fundador de um dos sites de humor mais conhecidos do país, o Cocada Boa.
Além do acesso a conteúdo mais íntimo e, portanto, mais valioso, também conta a favor dos desse tipo de aplicativo o grande volume de informações trocadas. A gratuidade e a praticidade estimulam o vaivém de centenas de mensagens por dia. Uma ótima oportunidade para algoritmos entenderem cada vez melhor o que o usuário ainda vai querer.