A ambição de se tornar o homem mais rápido sobre quatro rodas - a loucura divina de alcançar esse objetivo, conforme os entusiastas veem - teve um início modesto em 1898, em um vilarejo que costumava ficar nos arredores de Paris.
Um francês, o Conde Gaston de Chasseloup-Laubat, dirigindo o que era pouco mais que uma carroça aerodinâmica com um motor elétrico, chegou a 63,1 quilômetros por hora. Jornalistas de Paris se perguntavam se ele havia se tornado um "fou furieux", ou um louco furioso, conforme os franceses costuma chamar pessoas que tenham alguma ambição ou imaginação sem limite que as fazem perder contato com a realidade.
Richard Noble sabe tudo sobre Chasseloup-Laubat e outros - em sua maioria ingleses e americanos, praticamente todos rebeldes que foram longe demais - que encararam a missão quixotesca e muitas vezes mortal de estabelecer um novo recorde de velocidade em terra. Na qualidade de membro bem estabelecido deste grupo - Noble aumentou o recorde para 1.019,4 quilômetros por hora com o carro movido a jato, Thrust SSC, em 1983 - ele tem boas credenciais para aumentar o recorde para 1.609,3 quilômetros por hora até o fim de 2016.
O plano de Noble envolve um carro em forma de dardo chamado Bloodhound, em homenagem ao míssil terra-ar britânico da Guerra Fria, que custou 70 milhões de dólares, tornando-se a tentativa mais cara de bater o recorde até o momento..
Esse é um empreendimento com um longo pedigree. Em veículos movidos a baterias, vapor, motores com pistão, jatos e foguetes, e em ruas públicas, lagos congelados, pistas de corrida, lagos secos e desertos da Inglaterra, dos Estados Unidos e da Austrália, antigos detentores do recorde aumentaram o entusiasmo de várias gerações. Alguns foram à falência, ou pior, tentando elevar ainda mais o recorde.
Em muitos momentos, Noble, de 67 anos, parece confuso com a natureza maluca disso tudo. Depois de décadas atrás do recorde, e começando tudo de novo quando algum usurpador - especialmente um americano - rouba sua marca, ele admite que já está ficando exausto dos desafios técnicos e financeiros.
- Muitas vezes as pessoas me dizem que deve ser empolgante e eu respondo que é um verdadeiro pesadelo!, afirmou. Mas, recuperando rapidamente sua paixão, ele acrescentou: "Sabe, nós britânicos sempre fomos bons nesse tipo de maluquice. E essa é a coisa mais incrível para fazer na face da terra.
Um escocês formado na Inglaterra com gosto por ternos bem cortados e mesas em alguns dos clubes mais exclusivos de Londres, Noble é um engenheiro aeronáutico autodidata que se identifica com os homens mais chiques do misto de aventureiros e mecânicos sujos de graxa que buscaram bater o recorde.
Comentaristas britânicos compararam Noble ao explorador polar, Robert Falcon Scott, e o montanhista do Everest, George Leigh Mallory, que hastearam a bandeira britânica - e morreram na missão - quando tentavam bater recordes enquanto a Grã-Bretanha ainda era uma potência imperial e estava ansiosa para mostrar isso a todo mundo.
Por isso tudo, a equipe do Bloodhound fez reverência aos valores contemporâneos, ao declarar que a missão tem o principal objetivo de motivar uma nova geração de engenheiros britânicos. A abordagem ajudou engenheiros a obter apoio do governo - essencial para a aquisição dos motores de caças à jato de última geração indispensáveis para o projeto -, depois que os riscos óbvios geraram um não retumbante no início.
Aulas de Ciência em mais de 5.000 escolas britânicas de ensino médio estão ligadas ao projeto por meio do site do Bloodhound, BloodhoundSSC.co.uk, que fornece o que os diretores do projeto chamam de dados técnicos atualizados minuto a minuto, que podem ser transferidos para projetos em sala de aula. Uma escola construiu uma versão em miniatura do Bloodhound e a lançou pelo pátio da escola a 386,2 quilômetros por hora.
Noble não viaja mais a essa velocidade. Desde que estabeleceu seu recorde há duas décadas, ele transferiu as responsabilidades na direção para o piloto de caças da Royal Air Force, Andy Green, matemático formado em Oxford e comandante da aeronáutica que participou de combates aéreos no norte do Iraque antes da invasão dos EUA em 2003.
Green, de 51 anos, detém o atual recorde de velocidade, de 1.227.9 quilômetros por hora, o que o torna o único homem a superar a velocidade do som em terra. Ele bateu o recorde a bordo do segundo veículo a jato criado por Noble, também chamado de Thrust, em 1997. Agora ele fez uma parceria com Noble para aumentar em 402,3 quilômetros por hora o recorde anterior, que seria de longe o maior salto na história dos recordes.
Green fará a tentativa sem um assento ejetor e sem muitos mecanismos de sobrevivência no caso de um acidente com o Bloodhound; os engenheiros de projeto concluíram, na verdade, que uma falha catastrófica a 1.609,3 quilômetros por hora certamente seria fatal.
Ao invés disso, eles decidiram que a segurança de Green estaria assegurada, até onde fosse possível, pelo design rigoroso do Bloodhound e das milhares de horas gastas em simulações por computador para evitar que o veículo decole - o maior medo de todos os aspirantes ao recorde - ou saia da caminho em linha reta que o veículo deve seguir.
A equipe do Bloodhound deseja atingir a meta no Hakskeen Pan, um grande lago seco no deserto do Kalahari, na província de Northern Cape, África do Sul. Centenas de habitantes da região foram contratados pelo governo para preparar o percurso no terreno desértico escolhido para a tentativa, com 19,3 quilômetros de extensão e quase 549 metros de largura, removendo mais de 6.000 toneladas de pedras da superfície.
A equipe programou os primeiros testes práticos do veículo para um campo de marte na Inglaterra, na primavera de 2015. Em seguida, será realizada uma série de corridas a velocidades cada vez maiores no Hakskeen Pan, em agosto de 2015. Por fim, depois que o Bloodhound for refinado na Inglaterra, uma tentativa de bater a marca dos 1.609,3 quilômetros por hora está planejada para agosto ou setembro de 2016.
Durante a tentativa de quebrar o recorde, o Bloodhound deverá percorrer quase 457 metros, ou o comprimento de cinco campos de futebol americano, por segundo. Nenhuma aeronave voando abaixo de 152 metros - a uma velocidade em que as ondas de choque geradas pelas velocidades supersônicas reverberam no chão, causando grandes desafios para a estabilidade - já voou a essa velocidade; o recorde para voos tripulados de baixa altitude é de 1,590 quilômetros por hora, estabelecido nos anos 1970 por um civil, Darryl Greenameyer, pilotando um F-104 Starfighter americano.
Além de tudo, o Bloodhound precisará de quase oito quilômetros para estacionar com os freios a ar, paraquedas e, a menos de 321,9 quilômetros por hora, freios internos para as rodas de alumínio, somente depois de superar a "milhagem mensurada" que as pessoas que batem o recorde são obrigadas a percorrer. Sob as regras estabelecidas pela instituição automobilística internacional, a Federation Internationale de lAutomobile, em Paris, os recordistas devem cobrir a mesma distância duas vezes - primeiro na ida e depois na direção oposta - em um intervalo de 60 minutos.
Assim como muitas pessoas que tentaram bater o recorde de velocidade, Noble fez um percurso desamparado desde o início do projeto em 2008. Muitas vezes, a aposta sobreviveu mês a mês, apesar da falta de dinheiro e de problemas técnicos inesperados. Os prazos para a quebra do recorde foram perdidos repetidamente.
Agora, embora ele ainda precise levantar milhões de dólares, Noble está confiante que sua equipe de 60 projetistas, engenheiros e apoiadores trabalhando em um galpão comercial sem aquecimento em Avonmouth, ao sul de Bristol, serão capazes de cumprir o prazo de 2016.
Entretanto, ele é desconfiado o bastante - e experiente demais - para acrescentar uma nota sombria de cautela.
- Andy Green ainda quer viver muitos anos, afirmou Noble a respeito do piloto. - Ele quer viver o bastante para chegar ao porto com seu navio a uma velocidade de cinco nós, e vamos fazer tudo o que for necessário para que ele consiga realizar seu objetivo.
Inovação
Britânico cria carro para bater recorde de velocidade em terra
Richard Noble quer aumentar a marca para 1.609,3 km/h até o fim de 2016.
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