Jaci-Paraná, Brasil - Aqui, às margens do Rio Madeira, o maior afluente do Amazonas, a rebelião ocorreu após o anoitecer. Ao final de uma greve de 26 dias realizada por 17 mil operários no mês passado, uma facção dos trabalhadores, furiosa com os salários e condições de vida, começou a incendiar o canteiro de obras da hidrelétrica de Jirau.
Durante toda a noite, eles queimaram mais de 30 estruturas e saquearam as lojas da empresa, registrando a desordem com câmeras de celulares, antes de os bombeiros apagarem as chamas. De Brasília, as autoridades enviaram centenas de soldados de uma força de elite para conter a agitação.
Homens de uniforme de camuflagem ainda patrulham o vasto canteiro de obras, refletindo um dilema enfrentado pelos líderes do Brasil. Enquanto eles procuram explorar a última das grandes reservas de energia hidrelétrica do mundo, a bacia do Amazonas, greves e levantes dos operários que trabalham nos principais projetos estão causando atrasos e estourando orçamentos.
- Ninguém põe fogo em um lugar se estiver satisfeito - disse o líder sindical Altair Donizete Oliveira, que atua na fronteira oeste do Brasil.
Ele citou os salários, os alojamentos apertados e os pedidos para visitar suas casas mais vezes entre as queixas que estavam contribuindo para o aumento da tensão entre os trabalhadores, que chegam a dezenas de milhares nos vários canteiros de obras na Amazônia.
O Brasil tem liderado uma corrida entre países sul-americanos para construir um conjunto de dezenas de hidrelétricas na Amazônia. As autoridades esperam que pelo menos 20 projetos hidrelétricos importantes, incluindo Jirau e Santo Antônio, aqui no Estado de Rondônia, sejam construídos no Brasil ao longo da próxima década. Em outra parte da Amazônia, tiveram início as obras do maior projeto hidrelétrico do Brasil, Belo Monte, uma iniciativa de desvio do Rio Xingu avaliada em mais de 12 bilhões de dólares (23 bilhões de reais).
O avanço dos projetos fez o Brasil se tornar alvo de críticas de grupos ambientais, que dizem que os benefícios das hidrelétricas são insuficientes para justificar o deslocamento dos povos indígenas e a inundação de áreas da floresta tropical - liberando, potencialmente, enormes quantidades de gás metano.
Mas as autoridades argumentam que o Brasil precisa das hidrelétricas para atender a demanda por eletricidade, que deverá crescer 56% até 2021. Em abril, a presidente Dilma Rousseff defendeu vigorosamente os projetos, acusando os oponentes de viverem em um mundo de "fantasia", como se acreditassem que o Brasil pode melhorar os padrões de vida apenas com fontes de energia renovável.
- Eu tenho que explicar para as pessoas como elas vão comer, como elas terão acesso à água e como terão acesso à energia - disse Rousseff.
A aposta pesada do Brasil em hidrelétricas se reflete na urgência com que as autoridades estão tratando os problemas trabalhistas em Jirau. A região enfrentou outra rebelião em 2011, quando os operários incendiaram 35 alojamentos e 45 ônibus. O governador de Rondônia pediu recentemente às autoridades em Brasília que enviassem tropas para a ocupação dos canteiros de obras das hidrelétricas. Gilberto Carvalho, um dos principais assessores da presidente Dilma Rousseff, disse que os distúrbios em abril foram uma "bandidagem" que exigia uma reação vigorosa.
A revolta dos trabalhadores provocou um atraso de meses na conclusão da hidrelétrica de Jirau. Recentemente, as greves suspenderam as obras da hidrelétrica de Santo Antônio, que também fica no Rio Madeira, e de Belo Monte, por conta da qual milhares de operários se fixaram na remota cidade de Altamira.
As preocupações com um possível efeito dominó de revoltas trabalhistas em outros grandes projetos de infraestrutura crescem com a pressão dos trabalhadores, que pedem aumentos salariais em um momento em que a taxa de desemprego do Brasil, atualmente em 6,2 por cento, está baixa em relação à média do país ao longo da história.
As autoridades sindicais daqui dizem que informações sobre estratégias para obtenção de melhores salários e benefícios são rapidamente compartilhadas por mensagens de texto e e-mails entre operários que trabalham em diferentes canteiros de obras na Amazônia, permitindo que os sindicatos coloquem pressão rapidamente sobre os empregadores.
Fora da Amazônia, greves recentes, algumas delas violentas, também perturbaram projetos que estão sendo construídos pela gigante do petróleo Petrobrás, incluindo o complexo petroquímico Comperj, no Rio de Janeiro, o porto de Barra do Riacho, no Espírito Santo, e a refinaria Abreu e Lima, no Nordeste.
Embora o Brasil tenha reduzido a desigualdade de renda do país, os salários dos trabalhadores braçais daqui ainda ficam muito aquém dos pagos nos países industrializados mais ricos. O piso salarial na hidrelétrica de Jirau fica em torno de 525 dólares por mês (pouco mais de mil reais), em um país onde o custo de vida é igual ou mais alto que o dos Estados Unidos.
- Meu salário aqui é uma desgraça, é metade do que eu ganhava em Angola - disse João Batista Barbosa Arce, de 29 anos, um operário que chegou em Jirau após trabalhar para uma construtora brasileira em um projeto de uma hidrelétrica africana. Ele disse que perdeu todos os seus pertences no incêndio ocorrido em abril.
Os executivos que supervisionam o projeto da hidrelétrica contestam as afirmações de que os salários pagos aqui são excessivamente baixos segundo os padrões brasileiros, ou que as condições de vida são péssimas, dizendo que os operários têm acesso a cibercafés, academias, salões de sinuca e até mesmo cinemas que exibem filmes "picantes".
- Fazemos todo esforço para humanizar as condições dos milhares de homens e mulheres que trabalham aqui - disse José Lucio de Arruda, diretor do consórcio que vai operar a hidrelétrica de Jirau, controlado pela gigante de energia francesa GDF Suez, em parceria com duas companhias elétricas estatais brasileiras e a construtora Camargo Corrêa.
Mesmo assim, a situação em Jirau, que deveria começar a produzir eletricidade em 2013, continua tensa. A Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) tem monitorado o caso de perto, com centenas de policiais militares da Força Nacional de Segurança Pública fazendo ronda pela área em picapes Mitsubishi.
- É estranho ver policiais fazendo patrulha, mas também é tranquilizador - disse Gua Xiaoyi, funcionário da Dongfang Electric, uma empresa chinesa que está fornecendo as turbinas para a hidrelétrica de Jirau.
Do lado de fora dos portões de Jirau, o projeto e seu afluxo de trabalhadores mudaram a paisagem amazônica. A economia de Rondônia cresceu 7,3 por cento em 2011, o índice mais alto entre os 26 Estados do Brasil. Diretores chineses e brasileiros vivem no conforto de Nova Mutum Paraná, uma nova cidade construída do nada há dois anos para assentar as famílias deslocadas pelo projeto da hidrelétrica.
Os cerca de 6 mil habitantes de Nova Mutum Paraná contam com ruas pavimentadas, dois supermercados, um heliporto e sete igrejas. Porém, a dez minutos de carro por uma estrada que atravessa uma floresta desmatada, há outro assentamento, o Jaci-Paraná, uma espécie de cidade gêmea antiutópica de Nova Mutum Paraná.
A população de Jaci-Paraná aumentou de 4 mil para mais de 15 mil habitantes desde o início da construção das hidrelétricas em 2008. Todo dia da semana, ônibus deixam os operários perto das estradas de terra daqui, margeadas por bordéis. O cheiro de esgoto a céu aberto permeia o ar.
Os moradores brincam que a cidade é um exemplo do faroeste do Brasil, apontando para os relatos de matadores que são contratados para acertar rixas entre posseiros, e uma vala comum nos arredores de Jaci-Paraná, onde os corpos de seis vítimas de homicídio, incluindo uma criança de 5 anos, foram encontrados em dezembro.
Ainda assim, há oportunidade em meio à balbúrdia, e os diversos caçadores de fortuna que vieram para cá são gratos pelos projetos das hidrelétricas.
- As hidrelétricas foram nossa salvação - disse Leude Amorim, de 29 anos, proprietária do Big Stop, um bar de Jaci-Paraná.
Após a construção, apenas 400 funcionários em período integral serão necessários para operar a hidrelétrica de Jirau, em comparação ao pico de mais de 20 mil operários, atingido em 2011. Milhares de operários já começaram a procurar emprego em outros lugares na Amazônia, forçando Jaci-Paraná e outras regiões que vivem um boom em Rondônia a se prepararem para o futuro declínio.
- Claro, não me sinto totalmente segura aqui - disse Leonice Layanoya, de 50 anos, atendente de uma loja situada no canteiro de obras de Jirau que foi saqueada durante os distúrbios. Mesmo assim, ela diz estar planejando se mudar para Belo Monte, na esperança de encontrar trabalho no maior projeto na Amazônia.
- São lugares assustadores mas que outra opção tenho a não ser ir para onde posso encontrar dinheiro? - disse Layanoya.