A recente trajetória de queda do juro básico no Brasil, hoje em 4,25% ao ano, corroeu a rentabilidade da renda fixa e levou muitos brasileiros a aumentarem a exposição em produtos de renda variável. Um símbolo deste movimento está na base de investidores na bolsa de valores de São Paulo, a B3, que mais do que dobrou desde 2019 e atualmente contempla 1,95 milhão de pessoas físicas. Com o pânico gerado nos mercados em todo o mundo pela propagação de coronavírus, a maioria delas vive a primeira experiência de turbulência. Em meio a esse contexto, analistas recomendam cautela antes de tomar decisões.
- É um momento de estresse e o investidor se assusta pela volatilidade muito alta. A recomendação é que o investidor que montou sua estratégia para o longo prazo mantenha ela e não faça mudanças no susto - afirma Thomaz Fortes, gestor de fundos da Warren.
Por duas vezes nesta semana, na segunda-feira e nesta quarta-feira (11), as negociações na B3 foram interrompidas por 30 minutos após o Ibovespa, principal índice da bolsa brasileira, cair mais de 10% nos pregões. Em 2020, o indicador acumula queda de 26% até o dia 11, o que torna a diversificação na carteira de investimentos uma estratégia fundamental para atenuar resultados negativos nas ações, segundo Fortes.
Quem tem aplicação em alguns fundos multimercados e cambiais, por exemplo, pode mitigar os riscos. Além disso, o gestor reforça a importância de se manter uma reserva de emergência em aplicações de renda fixa com possibilidade de rápido resgate, para evitar tirar o dinheiro da bolsa na hora errada.
Há um ditado que diz que na crise sempre aparecem oportunidades. O atual momento da bolsa brasileira não escapa dessa máxima, na avaliação do sócio-diretor da Fundamenta Investimentos, Valter Bianchi Filho. O analista lembra que a queda generalizada de preços dos papéis das empresas e de cotas de fundos imobiliários pode significar uma chance para quem deseja investir ou aumentar a posição em determinados ativos, mirando o retorno no longo prazo.
- Para aquela pessoa que já estava pensando em aumentar a exposição a risco e não tinha conseguido capturar a alta da bolsa (no ano passado, o Ibovespa subiu quase 32%), o momento pode apresentar oportunidades de compra. Esta não é a primeira e nem será a última crise que o mercado passará - pondera.
Ainda que analistas do mercado financeiro vejam o cenário atual como passageiro, a tendência é de que a bolsa brasileira siga sendo impactada nas próximas semanas. Pesam na projeção fatores externos, como a evolução do coronavírus para o status de pandemia e a guerra de preços no petróleo puxada pela Arábia Saudita. Além disso, internamente, a relação tumultuada entre o governo Jair Bolsonaro e o Congresso pode contribuir para acentuar o quadro de queda do Ibovespa.
- A questão do petróleo deve se resolver no curto prazo, mas ainda devemos ter o primeiro semestre prejudicado pelo coronavírus. Passando isso, no segundo semestre o mercado deve se voltar mais para as questões internas, como o andamento de reformas e a relação entre governo e Congresso - projeta Rodrigo Franchini, sócio da assessoria de investimentos Monte Bravo.
Os reflexos na renda fixa
Para quem tem aplicações em renda fixa, casos de poupança, títulos do Tesouro, Certificados de Depósitos Bancários (CDB) e Letras de Crédito do Agronegócio e Imobiliárias (LCA e LCI), o cenário atual traz poucas mudanças. A rentabilidade contratada se mantém, ainda que alguns produtos só garantam o percentual prometido no vencimento dos títulos.
No entanto, a curva de juros futuros no Brasil apresenta viés de queda no curto prazo e pode influenciar o retorno destes produtos, lembra a especialista em finanças e professora da Faculdade Instituto de Administração (FIA), Betty Grobman.
Acompanhando um movimento de Bancos Centrais estrangeiros, que procuram estimular a economia em meio ao cenário de desaceleração, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central brasileiro poderia realizar novo corte na Selic, a taxa básica de juro, na próxima semana. Com isso, a poupança e alguns produtos de renda fixa com incidência de Imposto Renda, IOF e taxas ficariam com retorno inferior à inflação, estimada em 3,2% para 2020.
- Neste cenário, o investidor tem de ficar de olho nas taxas das aplicações - reforça Betty.
Para quem tem aplicação de renda fixa rendendo acima da Selic e não pretende aumentar a exposição ao risco, a especialista recomenda que se mantenha a posição, já que dificilmente o investidor encontrará outra alternativa mais rentável com o mesmo perfil.