Sachê solúvel para embalar café, produzido a partir da semente de chia, e embalagem que adiciona valor nutritivo ao achocolatado são apenas dois exemplos de estudos para substituir o plástico por alternativas 100% biodegradáveis. Enquanto os biopolímeros se dissolvem rapidamente (em torno de 30 dias — dependendo das matérias-primas), o plástico sintético leva mais de cem anos para se decompor.
As pesquisas de materiais sustentáveis — a partir de proteínas e carboidratos ou a mistura dos dois, chamadas blendas — começaram há mais de 20 anos no Brasil. Mas ganharam relevância nos últimos anos, a partir de novas tecnologias e do barateamento dos custos para sua adoção, mesmo que ainda sejam altos em relação ao plástico.
— Se evoluiu muito tecnicamente, e as empresas estão começando a prestar atenção ao pilar social da sustentabilidade, mas ainda há muito a avançar para equilibrar com o aspecto econômico, que ainda é preponderante — explica o professor Nilo Barcelos, do Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS).
A falta de interesse das empresas por embalagens biodegradáveis também é criticada por cientistas.
— A tecnologia está desenvolvida, só precisaria de adaptação para ganho de escala. Mas acredito que esse processo só vai avançar quando o uso de material plástico sintético tiver restrição. Na Polônia, proibiram prato plástico e hoje estão produzindo a partir do trigo — observa a pesquisadora Vilásia Guimarães Martins, do Laboratório de Tecnologia de Alimentos da Universidade Federal do Rio Grande (Furg), que criou o filme solúvel para o café, com os estudantes Sibele Fernandes, Gabriel Filipini e Viviane Romani.
A pesquisa do sachê que, colocado na água, se dissolve sem alterar o sabor do café, começou no final de 2017. Em 2018, foi depositada patente junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI).
Outro estudo da Furg, ainda em fase inicial, é com filmes de desintegração oral — que podem conter medicamentos e vitaminas. A absorção é rápida não apenas do produto, mas também da embalagem.
Compostos nutricionais
Uma das propostas é agregar, nas embalagens, compostos nutricionais. No Instituto de Ciência e Tecnologia de Alimentos (ICTA) da UFRGS, foi extraída a mucilagem de cactos (espécie de goma) e adicionadas fibras da farinha da chia para agregar resistência à embalagem comestível de arroz de micro-ondas. Os componentes da chia e da mucilagem se dissolvem durante o cozimento do cereal integral, ampliando seu valor nutritivo e facilitando seu uso, explica a professora Simone Hickmann Flôres, diretora do ICTA. Outro exemplo é o de sachês para achocolatados, com goma de chia e cactos. Quando aquecido, o chocolate quente já fica espesso. Há ainda o uso de resíduos de gelatina de cápsulas nutracêuticas. Uma das alternativas é em embalagens biodegradáveis.
— Estamos tentando utilizar o máximo de resíduos para agregar sustentabilidade com embalagens bioativas que passam para o alimento algum composto nutricional. Outros servem para adicionar cor, protegendo o alimento que, sob incidência de luz, se deteriora — exemplifica a professora Simone, citando farinhas de resíduos da indústria de vegetais minimamente processados, produzidas em laboratório, como de cenoura e de beterraba.
Desafio da resistência
Chia, cenoura, pescado, arroz, trigo e feijão não fazem parte apenas do prato dos brasileiros. Se transformam em filmes biodegradáveis, mas, para chegarem ao mercado, têm agora o desafio de ganhar maior resistência, com características parecidas ao plástico. Para isso, precisam combinar propriedades de barreira à água e a gases. Também devem agregar resistência mecânica, como elasticidade, para evitar que se rasgue com facilidade. Há ainda outros atributos importantes, como propriedades térmicas e estruturais.
— Não se conseguiu no mundo um filme somente produzido com polímeros biodegradáveis com as mesmas propriedades dos sintéticos — afirma Vilásia Guimarães Martins, do Laboratório de Tecnologia de Alimentos da Furg.
Simone Hickmann Flôres, diretora do Instituto de Ciência e Tecnologia de Alimentos (ICTA) da UFRGS, explica que o foco das pesquisas é buscar formulações que possam ser utilizadas em extrusoras industriais para a formação de filmes plásticos ou prensas (máquina utilizada pela indústria para moldar um produto, como copo ou prato).
— O grande desafio é achar reforçador orgânico, biodegradável, que possa agregar resistência ao polímero. E permitir que seja viável e interessante para a indústria, pois hoje ainda tem custo elevado — detalha a professora Simone.
Atualmente, os produtos disponíveis no mercado se dizem biodegradáveis, mas têm componentes que não se enquadram nessa categoria. Indústrias têm copos, canudos e pratos que se vendem como se fossem, mas a professora Simone pondera que “não se sabe até que ponto”.
Estudos mais avançados
Hoje, o amido é a matéria-prima mais promissora na área de alimentos por ser a mais estudada, detalha a professora Vilásia. No futuro, outros componentes, como colágeno e glúten, também devem trazer resultados. Na Furg, os estudos se voltam à mistura de componentes para adicionar fibras, como a de coco, que serve para dar resistência.
— Já conseguimos melhorar bastante as propriedades dos filmes biodegradáveis, mas ainda não conseguimos chegar a características iguais às dos polímeros sintéticos. Às vezes, conseguimos barreira à água, mas a resistência é baixa — exemplifica Vilásia.
Outras aplicações
Equipe de cerca de 30 cientistas, sob a coordenação da Embrapa Agroindústria de Alimentos, do Rio de Janeiro, desenvolveu polímero do caroço de manga por meio de nanotecnologia. Entre outras aplicações, pode ser utilizado para embalar alimentos. A tecnologia, já produzida em pequena escala, busca parcerias para chegar ao mercado. O estudo foi lançado em 2017, após três anos de pesquisa.
A estudante Juliana Estradioto desenvolveu um polímero a partir da casca do maracujá que foi utilizado para embalar mudas de plantas. O projeto, do IFRS Osório, rendeu o prêmio Jovem Cientista de 2018 para a aluna.
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