Em pouco mais de cinco meses, o Rio Grande do Sul já registra 401 notificações de intoxicação aguda por agrotóxicos. E o problema, comum principalmente no interior do Estado, pode ser ainda maior: segundo o Centro Estadual de Vigilância em Saúde (Cevs), um grande número de casos não é notificado, por desconhecimento ou falta de interesse.
Os dados deste ano constam no Sistema Nacional de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), ligado ao Ministério da Saúde. As 401 notificações registradas de 1º de janeiro a 5 de junho equivalem a uma taxa de 3,57 casos por 100 mil habitantes. Em todo o ano de 2018, foram 830 notificações — taxa de 7,08 —, número maior do que em 2017, quando foram registrados 719 casos — taxa de 6,39.
Os casos são chamados de notificações porque a confirmação só é feita por exame clínico. Apenas em dois casos, que envolvem organofosforados e carbamatos, a comprovação pode ser feita por meio de exame. O glifosato, a substância mais usada em lavouras gaúchas, fica fora deste grupo.
A bióloga Sílvia Thaler, do Cevs, afirma que os casos se espalham por diferentes regiões do Estado, mas estão ligados principalmente a lavouras que utilizam maior número de agrotóxicos. É o caso das lavouras de fumo, comuns principalmente no Vale do Rio Pardo, e das áreas de soja e arroz.
— O profissional que atende casos suspeitos de intoxicação por agrotóxicos precisa entender o paciente dentro de um contexto ambiental. O diagnóstico clínico é aliado à análise ocupacional, já que os exames só detectam dois tipos de agrotóxicos. O que acontece é que os agricultores muitas vezes negligenciam os sintomas e não procuram a unidade de saúde, porque já banalizaram. Já nos deparamos com casos de pessoas que não queriam procurar o posto (de saúde) por medo de comprometer o patrão — detalha.
Entre os sintomas de intoxicação aguda — que ocorre em um curto espaço de tempo —, estão salivação, tontura, diarreia, alergia, irritação da pele, suor, dor no peito, falta de ar, irritação da boca e garganta, tremores e náusea. Em alguns casos, o paciente pode chegar a apresentar convulsão e confusão mental.
Nos casos de intoxicação crônica, os efeitos são sentidos a longo prazo, quando a pessoa é exposta regularmente a baixas doses. Segundo Sílvia, o problema pode causar doenças no sistema neurológico, como Parkinson, Alzheimer e depressão; no sistema respiratório, como pneumonite e fibrose pulmonar; e desregulação endócrina, como redução na fertilidade e má formação em bebês.
A contaminação pode se dar de maneira direta ou indireta. No primeiro caso, ocorre principalmente com produtores agrícolas que estão aplicando o inseticida manualmente ou através da pulverização — pode ocorrer o contato pela pele, olhos, boca ou respiração. De maneira indireta, a intoxicação ocorre através dos alimentos ou da água.
A bióloga alerta que a aplicação de inseticida só deve ser feita por pessoas capacitadas: são necessários, por exemplo, Equipamento de Proteção Individual (EPI) e um curso. Crianças e gestantes não devem ter contato direto:
— Por mais que se tente regrar, regulamentar e capacitar os aplicadores, a gente sabe que essas regras não são obedecidas. Quem está aplicando acaba não regulando corretamente as máquinas ou acaba aplicando mais do que o necessário. É algo fora de controle o que existe no campo. É difícil controlar — lamenta.
Para observar melhor os efeitos dos agrotóxicos, a Secretaria Estadual de Saúde estuda organizar, no Rio Grande do Sul, um programa de monitoramento dos hortifrutigranjeiros.