Eram 6h30min da manhã do dia 17 de outubro quando uma bola laranja despontava no horizonte montanhoso do Napa Valley. O sol nascia na estação experimental da Universidade da Califórnia (UC Davis) de uma forma linda e, ao mesmo tempo, assustadora devido à fumaça densa que filtrava sua luz e que ainda cobre todo a vale. Era a primeira vez, após os incêndios, que eu voltava aos vinhedos onde conduzo, há mais de três anos, experimentos no coração do vale mundialmente conhecido pela qualidade da uva e do vinho produzido aqui na Califórnia.
Há mais de uma semana, a estação experimental está fechada. Foi evacuada pelos órgãos de segurança devido às queimadas que atingem as duas regiões mais importantes da viticultura e enologia da Califórnia: Napa Valley e Sonoma. Equipamentos para análises de uva e vinhos, freezers com amostras de campo, computadores com dados históricos de pesquisas feitas, tudo foi retirado às pressas. O fogo, que destruiu mais de 5 mil edifícios, incluindo casas e vinícolas, descia a encosta da montanha que divide Napa e Sonoma rumo aos nossos vinhedos.
Já havíamos colhido 90% das mais de mil videiras que fazem parte do meu experimento antes das queimadas se iniciarem, por isso a nossa equipe estava voltando para terminar o trabalho. Na noite anterior, cerca de 10 mil bombeiros terminaram de combater o fogo que ameaçava o pequeno povoado de Oakville, onde não só a estação experimental da UC Davis está localizada, mas também vinícolas legendárias, como a Roberti Moldavi e Opus One.
Fomos obrigados a usar máscaras durante as pouco mais de oito horas de trabalho. Na nossa equipe estavam pessoas que vivem em Napa há mais de 45 anos. Dizem que foi o pior incêndio da história. Vinícolas estão contratando helicópteros vindos da Europa para ajudar a combater o incêndio. Trabalhadores de origem mexicana que nos auxiliavam na colheita também estão preocupados. Todos eles dependem desta atividade para manter seu sonho americano vivo. Além das mais de 40 mortes, vinícolas foram fisicamente destruídas ou evacuadas. Os danos às linhas de energia também comprometeram as vinificações em andamento.
Sempre gosto de destacar que a Califórnia tem o clima perfeito para produzir uvas de alta qualidade: baixa precipitação, umidade durante a maturação, altas temperaturas diurnas e baixas temperaturas noturnas. Não chove aqui há mais de quatro meses. Porém, foram exatamente esses fatores que contribuíram para as queimadas. O Estado é conhecido como Golden State (Estado dourado). Um dos motivos é porque os campos da Califórnia ficam dourados devido à presença massiva da aveia, que cresce de forma selvagem e seca durante o verão.
Além disso, a vegetação que cresce em meio às florestas de pinheiros está muito seca nesta época do ano devido à falta de chuva. Em contrapartida, mais uma vez as videiras mostram o porquê são uma das plantas mais resilientes contra eventos climáticos extremos. As observações feitas aqui dão conta de que os vinhedos estão funcionado como barreira para conter o fogo que já destruiu cerca de 200 mil acres (em torno de 80 mil hectares) de áreas urbanas e rurais em Napa e Sonoma. Primeiro porque as videiras não queimam facilmente no estágio de maturação em que se encontram neste momento na Califórnia. Outro motivo é porque grande parte dos vinhedos de Napa não contém plantas de cobertura entre as fileiras de cultivo, dificultando a disseminação do fogo.
Em relação a nossa pesquisa, a uva colhida no bloco experimental infelizmente foi afetada pela fumaça. Seis toneladas foram colhidas e levadas para a vinícola da UC Davis, onde realizamos vinificações experimentais. O inusitado foi quando um aluno, que não sabia de onde acabávamos de chegar com a fruta, perguntou se estávamos voltando de um acampamento, devido ao cheiro de fumaça que ele sentiu a 10 metros de distância.
A partir destes incidentes, um novo projeto surgiu. Uvas cabernet sauvignon colhidas em meio à fumaça serão destinadas à pesquisa do impacto de queimadas na qualidade da uva e do vinho. O suporte financeiro será privado, de produtores e vinícolas da região. O estudo será desenvolvido pelo nosso laboratório, liderado pela Dra. Anita Oberholster, professora da UC Davis. Apesar dos impactos negativos destas queimadas, a pesquisa não para e talvez seja isso que faça as uvas e os vinhos produzidos na Califórnia estarem entre os melhores do mundo.