Mesmo depois de ver a safra de grãos mais do que dobrar nas últimas duas décadas, há muita bola em jogo quando o assunto é produtividade no agronegócio gaúcho. Para se ter uma ideia, a produção de grãos no Rio Grande do Sul em 2016 atingiu 31,9 milhões de toneladas, o suficiente para encher 19 vezes o Maracanã. São 18,9 milhões de toneladas a mais do que o colhido há 20 anos ou 11,4 "maracas". A expansão é fruto de conexões entre produtores, empresas, instituições de pesquisa e governo em busca de uma jogada ensaiada capaz de marcar um novo gol de produtividade todos os anos.
Uma das áreas que mais impulsiona a produção é a biotecnologia. Algumas variedades de soja, por exemplo, têm potencial para produzir 150 sacas de 60 quilos cada por hectare. No entanto, aqueles produtores que colhem muito bem obtêm entre 70 e 80 sacas, enquanto a média nacional é de 48 sacas por hectare.
– É um projeto permanente de ajuste fino. Temos um longo caminho pela frente – prevê o presidente da Associação dos Produtores e Comerciantes de Sementes e Mudas do Rio Grande do Sul (Apassul), Narciso Barison Neto.
E ainda há muito a se investir em gestão, máquinas, cuidados com o solo, clima e manejo da água. Novas tecnologias não faltam para assegurar todo o potencial de produção das lavouras. Um exemplo é o uso de geotecnologia para o nivelamento do solo em áreas de arroz e soja na Metade Sul do Estado. Capitaneado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), o projeto está em teste na Granja Bretanhas, de Jaguarão, onde o método foi aplicado em mil hectares de um total de 12 mil hectares de arroz e 6 mil hectares de soja. Antes do plantio, as áreas passam por um nivelamento que, até então, só podia ser feito a laser ou a olho. Com precisão milimétrica e sem interferência humana, o chamado Sistema Global de Navegação por Satélite (GNSS, sigla em inglês) fornece dados em menos tempo e com menor custo, informa a agrônoma da granja Luciane Leitzke. Ainda impacta menos o solo e economiza água.
– É uma ferramenta revolucionária, pois faz a suavização do terreno – explica José Maria Barbat Parfitt, pesquisador da Embrapa Clima Temperado.
Reserva de água
Outra inovação é o uso de politubos, mangueiras gigantes que acumulam a água da chuva e ajustam a vazão nas lavouras. Os experimentos iniciaram em 2013 e os resultados estão sendo mensurados, mas já há indícios de ganhos.
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Combinando as duas tecnologias, a Granja Bretanhas observou redução de 20% a 30% na água utilizada, boa parte dela proveniente da Lagoa Mirim.
No acumulado das últimas duas décadas, o ganho é ainda maior com diminuição na captação em 42%, uma vez que o consumo passou de 14 milhões de litros por hectare, em 1996, para 8 milhões de litros por hectare, relata o diretor da propriedade, Rubimar Leitzke. Ganhos que também se refletiram em aumento de 20% a 30% na produtividade média da propriedade, que hoje colhe 164 sacas de 50 quilos de arroz por hectare.
Multiplicação in vitro contra doenças
Um pequeno pedaço de planta é suficiente para fazer a multiplicação em larga escala de uma espécie vegetal in vitro. A técnica, ainda pouco difundida no Rio Grande do Sul, é um tipo de clonagem feita a partir de amostra importada. O resultado do processo é a obtenção de mudas com maior vigor e livres das doenças que tradicionalmente atacam os pomares brasileiros e prejudicam a qualidade das frutas.
A bióloga Daiane de Pinho Benemann, doutora em Biotecnologia Vegetal e sócia-diretora da BioPlant Tech, startup incubada na Universidade Federal de Pelotas (UFPel), explica que técnicas como essa são um braço importante do processo de melhoramento genético e viabilizam a multiplicação rápida de plantas em laboratório.
– O objetivo é a produção de árvores frutíferas e ornamentais de alto padrão genético e fitossanitário – salienta a pesquisadora, que estudou a fundo o assunto durante viagem à Finlândia.
Os experimentos em Pelotas começaram há quatro meses com mudas de amora, framboesa, mirtilo e limonium (planta ornamental). São 11 variedades em estudo no projeto. A principal dificuldade, explica a pesquisadora, é adaptar as técnicas a cada uma das espécies que, em média, ficam de cinco a seis meses in vitro. Cada amostra vinda dos Estados Unidos ou da Holanda é transformada em pelo menos cinco novas plantas, que ainda passam por estufas dentro da UFPel antes de chegarem aos fruticultores.
A ideia é vender as mudas a produtores rurais, floriculturas e multinacionais. Um dos mercados promissores é o Estado de São Paulo, mas já há interessados em Porto Alegre, informa Daiane. A comercialização deve começar ainda este ano e a meta é negociar mil mudas por mês.
Vida longa às frutas
A tecnologia também está a serviço do agronegócio após a colheita. Para garantir que as frutas fatiadas à venda no supermercado durem mais tempo nas prateleiras sem escurecer, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) está desenvolvendo uma cobertura comestível.
A película, feita a partir de substâncias como fécula de mandioca, quitosana e gelatina, funciona como uma espécie de proteção. Além de agregar valor ao produto in natura, amplia o tempo de duração da fruta em até 10 dias, sem comprometer aparência e sabor. O resultado surpreendeu os pesquisadores, que esperavam um ganho de quatro dias. Duas empresas da Serra Gaúcha já estão fazendo testes em maçãs das variedades gala e fuji.
– Esta tecnologia terá um campo de aplicação muito grande no futuro – projeta o agrônomo chileno Rufino Fernando Cantillano, pesquisador em pós-colheita da Embrapa Clima Temperado.
Os pedaços de frutas revestidos com a cobertura comestível foram submetidos a testes em laboratórios de microbiologia, comprovando que o procedimento é seguro do ponto de vista alimentar.
O experimento está em fase de análise sensorial para garantir que o consumidor receba um produto com sabor igual ao da fruta fresca.
Ainda não há previsão para a inovação chegar ao mercado, mas tem potencial para atender à demanda de supermercados e empresas que trabalham com entrega de frutas. Há até hospitais interessados na tecnologia para evitar contaminações.