A preparação dos cavalos que disputam o Freio de Ouro pode ser comparada ao ritual dos atletas que participam da Olimpíada. Com a proximidade da grande final, que ocorre a partir do dia 24 de agosto, em Esteio, os treinamentos se intensificam e a atenção com a saúde e preparo dos animais também. No caso dos equinos, um dos diferenciais para o bom resultado é o foco no bem-estar. Água, alimentação, instalações e transporte adequados atendem a requisitos mínimos para garantir qualidade de vida ao cavalo.
Mas os cuidados que podem ajudar a melhorar a performance não se resumem a isso. Capas e roupas para aquecimento, além de caneleiras e manta de gel para proteção são alguns dos recursos que criadores e ginetes utilizam para turbinar o desempenho do animal durante a competição. Entre as novidades deste ciclo, está o uso opcional de espora mais branda para evitar ferimentos. O objetivo é atender ao regulamento, que preconiza o sangue zero em pista e prevê a desclassificação do conjunto em caso de qualquer tipo de sangramento do animal.
O vice-presidente técnico da Associação Brasileira de Criadores de Cavalos Crioulos (ABCCC), Francisco Fleck, destaca que a mudança no regulamento busca preservar o conforto dos equinos.
– O uso de uma espora adequada é importante para evitar sangramentos – ressalta Fleck.
A verificação é feita durante o exame de admissão e ao final da prova. Antes, no Freio de Ouro, eram desclassificados apenas os animais com sangramento na gengiva. A implementação da nova regra, explica o dirigente, foi inspirada nas provas de hipismo, que exigem sangue zero em pista.
– Quem tem os melhores cavalos colhe os melhores frutos – afirma Rodrigo Teixeira, superintendente de Registro Genealógico da ABCCC, acrescentando que o bem-estar é um clamor mundial.
Há pelo menos quatro anos, a ABCCC mantém no local da prova uma ambulância com plataforma para guinchar e deslocar animais. Teixeira comenta ainda que os eventos têm responsáveis técnicos e fiscais para verificar as instalações dos animais. Para evitar lesões, o criador deve manter as cocheiras com paredes lisas e livres de qualquer objeto que possa ferir o cavalo. Outro detalhe priorizado é a forração das camas com palha ou serragem em abundância. Também é indicado manter a iluminação alta para que os equinos não tenham contato com a rede de energia elétrica.
Para a professora da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Petra Garbade, é possível melhorar a qualidade de vida dos equinos cumprindo regras básicas. Entretanto, para que um cavalo seja campeão do Freio de Ouro, é primordial que tenha condições físicas e psicológicas adequadas, sem sinais de estresse, depressão, cansaço ou dor.
– Quando os atletas treinam em excesso, têm lesões eventuais ou por desgaste – compara Petra, veterinária vinculada à Federação Equestre Internacional, fazendo um paralelo entre atletas e os cavalos.
Neste caso, o diferencial é o ginete, que deve dosar o tempo e intensidade de treinamento de acordo com a idade e possibilidades do animal.
– É o ginete que pode fazer estragos ou melhorias no cavalo – afirma a especialista, acrescentando que "ainda falta muito do bem montar entre os ginetes".
No Centro de Treinamento Guto Freire, em Santo Antônio da Patrulha, onde estão hospedados onze animais que disputarão a final, os treinamentos costumam ser de duas horas diárias. Além de primar pelos itens básicos, como suplementação alimentar, o ginete Guto Freire, campeão do Freio de Ouro 2011, 2012 e 2014, lança mão de recursos e tecnologias disponíveis no mercado para melhorar a performance dos equinos em treinamento para a final da competição deste ano. Sobre o uso de espora menos pontiaguda, Guto acredita que a medida é positiva para a proteção dos animais.
– Acaba selecionando o melhor cavalo, pois ele não precisa desse estímulo mais agressivo – avalia Guto, referindo-se à espora.
O ginete destaca que, em muitos casos, os movimentos mais rápidos ocorriam por uma "obrigação", devido ao uso do instrumento que estimulava.
Itens para maior conforto
Espora
Com extremidades sem pontas, o efeito do utensílio é menos agressivo que o modelo tradicionalmente usado pelos ginetes.
Caneleiras
Servem para proteger as patas dianteiras nos treinamentos e evitar lesões durante os movimentos de giro. Não podem ser usadas em provas.
Roupas para aquecer
Mantém o cavalo aquecido mesmo com quedas bruscas de temperatura. Ajuda a manter o pelo bonito, pois evita que o fio engrosse devido ao frio.
Manta de gel
Colocado embaixo do basto para proteger o lombo do cavalo. Tem propriedades terapêuticas para prevenir dores musculares.
Recomendações de manejo
– Assegurar que não tenha fome e sede, com alimentação à disposição e suficiente.
– Garantir a ausência de desconforto, por meio de local apropriado e área de descanso confortável, fazendo com que as instalações e edificações não sejam excessivamente quentes ou frias.
– Assegurar que não sofra ferimentos e doenças e utilizando medicamentos, apetrechos técnicos, instrumentos, ferramentas ou utensílios adequados.
– Proporcionar a liberdade comportamental, através de espaço suficiente e instalações apropriadas, gerando a possibilidade dos animais expressarem padrões de comportamentos normais e instintos inerentes à espécie.
– Minimizar situações de estresse, medo e ansiedade.
Fonte: Manual de Boas Práticas para o Bem-Estar Animal em Competições Equestres
Diferença entre maus-tratos e bem-estar animal
No manejo de equinos, é frequente confundirem ausência de maus-tratos com qualidade de vida animal. Maltratar é bater, torturar, mutilar, lesionar ou negligenciar. São atos intencionais ou não, e que levam ao sofrimento do animal. É crime e está previsto na legislação brasileira. Bem-estar é um conceito que prevê boas práticas e cuidados com a saúde do animal.
– Não sofrer maus tratos não garante um bom grau de bem-estar animal – afirma a veterinária Lizie Pereira Buss, coordenadora da Comissão de Bem-Estar Animal do Ministério da Agricultura.
As diretrizes estão previstas no Manual de Boas Práticas para o Bem-Estar Animal em Competições Equestres, elaborado pela Comissão de Bem-Estar Animal do Ministério. A publicação recomenda atenção às necessidades de boa nutrição, saúde, alojamento, expressão de comportamentos naturais e manutenção de estados mentais positivos.
– É o primeiro passo para pararmos de pensar em apenas coibir maus-tratos, mas de melhorar o bem-estar dos animais em ambientes competitivos – avalia Lizie.
A técnica destacou a importância da iniciativa da ABCCC ao implementar a regra do sangue zero no Freio de Ouro:
– Tudo é uma evolução. Bem-estar animal depende do conhecimento e da atitude das pessoas em querer preservar os animais.