Natasha Heinz, especial*
Primeiro diminui o desejo. Depois, vem a culpa: por que eu não tenho vontade de transar?
Se você se identificou com a pergunta acima, saiba que não está sozinha. E se nunca viveu essa situação, tenha certeza de que é muito mais comum do que você imagina. Um estudo realizado pela psiquiatra, sexóloga e coordenadora do projeto da sexualidade no Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, Carmita Abdo, aponta que metade das brasileiras apresenta algum tipo de disfunção sexual, como falta de libido, dificuldade de manter a excitação e inibição do orgasmo.
Publicado em livro, o Estudo da Vida Sexual do Brasileiro aponta que esses problemas independem da idade da mulher, mas variam de acordo com a faixa etária. Falta de desejo é queixa de 5,8% das jovens entre 18 e 25 anos e de 19,9% de quem já passou dos 60. Entre os homens, essa porcentagem diminui bastante: apenas 2,4% dos jovens e 5% dos idosos reclama de baixa libido.
A reclamação chega aos consultórios. A baixa libido é a queixa mais ouvida pela psicóloga Maria Cristina Gobbo, coordenadora e professora no Núcleo de Atendimento e Promoção de Saúde em Sexualidade e Gênero. Os principais fatores alegados são cansaço e estresse.
– As pessoas estão muito focadas no “tenho que”: trabalhar, cuidar dos filhos, seguir uma dieta – destaca Maria Cristina. – Pesquisas mostram que muitos casais não conversam nem cinco minutos por dia, aí fica difícil surgir o desejo sexual na mulher, que é mais responsivo do que espontâneo.
Isso significa que o desejo dos homens pode ser despertado simplesmente pelo estímulo visual, por exemplo. Já a libido feminina, explica Maria Cristina, é mais afetada pelo que está acontecendo ao redor, desde problemas no trabalho ao interesse que o parceiro demonstra – ela precisa se sentir desejada para ficar estimulada.
Existe certo e errado?
Não há certo nem errado. A libido varia de pessoa para pessoa e também ao longo da vida, por diferentes fatores, inclusive situação conjugal. Corresponde à primeira fase da chamada resposta sexual e se caracteriza por fantasias e pensamentos eróticos – ou seja, a capacidade de se imaginar fazendo sexo, que é meio caminho andado para sentir vontade de transar. A frequência ou intensidade do desejo só constituirá um problema de fato se for motivo de sofrimento para você ou seu parceiro.
Pergunte-se: qual o motivo?
O primeiro passo é identificar qual o motivo da falta de desejo. Antes de tudo, deve-se descartar fatores biológicos, como problemas hormonais, efeitos colaterais de medicamentos e doenças crônicas. O mais comum, contudo, é que a falta de libido deva-se a questões psicológicas ou de relacionamento: desde transtornos como ansiedade e depressão a traumas de infância e experiências sexuais negativas, problemas com o parceiro ou preocupação com a imagem corporal. Momentos de vida, como divórcio e menopausa, também afetam o desejo.
– Cada indivíduo tem um esquema erótico ou “mapa do amor” que pode ser complementar ao do parceiro ou entrar em conflito com ele. Quando os esquemas eróticos estão em sintonia, o casal negocia facilmente pequenas diferenças no desejo. Quando não combinam, os problemas de desejo podem ser mais difíceis de tratar – explica Barbara Ahlert Schneider, psicóloga, terapeuta sexual e de casais.
Terapia combinada
Mesmo que a falta de libido se deva a problemas orgânicos, pode ter consequências emocionais. Por isso, o tratamento deve combinar terapia física e psicológica.
Não fique em silêncio
Maria Cristina Gobbo alerta que muitas mulheres com baixa libido, além de não conversar sobre isso com o parceiro, continuam fazendo sexo sem vontade e fingindo orgasmo para agradar ao outro. A psicóloga destaca a importância da comunicação a dois e de envolver não apenas a mulher (ou o homem), mas o casal no tratamento. Assim, eles podem conversar juntos com o médico e entender que problemas no relacionamento podem estar por trás da falta de desejo.
Viagra feminino?
Há um remédio aqui no Brasil apelidado de “viagra feminino”, mas suas funções e resultados são bem diferentes. O Addyi é uma medicação inicialmente estudada como antidepressiva, explica a professora de ginecologia da UFRGS Maria Celeste Osório Wender. Mas, durante as pesquisas sobre sua eficiência, notou-se um efeito na libido feminina, o que levou a uma aprovação da comercialização da pílula. Porém, sua indicação não é para todas as mulheres.
– Sua aprovação é para o tratamento do desejo sexual hipoativo em mulheres antes da menopausa, que é definido como uma falta persistente ou recorrente de fantasias e desejos de atividade sexual, acompanhado de estresse e dificuldade interpessoal – explica Maria Celeste.
A ginecologista explica que a pílula deve ser ingerida diariamente, não apenas antes da relação, e que suas reações adversas são grandes. Entre os efeitos, estão sonolência e tontura: para não agravá-los, é proibido consumir álcool e recomendável evitar o uso de anticoncepcionais. Maria Celeste destaca ainda que há discussões e questionamentos na comunidade médica quanto ao uso do Addyi, devido, principalmente, à baixa eficácia – apenas metade das mulheres testadas sentiu alguma diferença na libido – e as reações colaterais.