Aquela garota energética, humilde e carismática de Jacarezinho, interior do Paraná, que foi apresentada ao país no Big Brother Brasil de 2005, aproveitou o impulso do reality e se agarrou na oportunidade de se tornar atriz. Quase 20 anos depois e com uma carreira sólida na TV, Grazi Massafera relembra que, no início de tudo, atuar não era seu sonho:
– Eu não queria. Fui porque alguém com a minha trajetória agarra as oportunidades, não deixa elas escaparem.
Nessas de não desperdiçar as boas chances, Grazi construiu um currículo com mais de 10 novelas na Globo, sendo a primeira delas Páginas da Vida (2006), de Manoel Carlos, que lhe rendeu prêmios de atriz revelação. O papel mais célebre e que é considerado o verdadeiro divisor de águas na carreira da artista veio mais tarde, em Verdades Secretas (2015), novela da faixa das 23h escrita por Walcyr Carrasco.
Como mulher de uma origem humilde, já fui descredibilizada de muitas maneiras no início da carreira
GRAZI MASSAFERA
Atriz
A interpretação como a modelo Larissa, que se vicia em crack, fez com que a paranaense fosse indicada, em 2016, ao Emmy Internacional. Aos 41 anos, Grazi comemora a autonomia que o tempo, a experiência e o trabalho lhe garantiram:
– Com a Larissa de Verdades Secretas, me encontrei como atriz, entendi que podia também ter um papel social. Hoje me realizei nesta profissão porque posso fazer escolhas. Uma das grandes conquistas da minha maturidade é poder bancar de modo muito seguro as minhas escolhas.
A convite do diretor José Eduardo Belmonte, com quem trabalhou na comédia Billi Pig (2012), a atriz escolheu voltar às telas de cinema este ano com o thriller Uma Família Feliz. Em cartaz desde a última quinta-feira, o suspense dramático fez estreia nacional em agosto do ano passado no Festival de Cinema de Gramado, e a atriz esteve na Serra acompanhada pelo parceiro de cena, Reynaldo Gianecchini.
Algumas das situações vividas pela protagonista Eva permeiam o universo das mulheres, explica Grazi, como a depressão pós-parto, a farsa de uma vida perfeita e o custo de manter essa imagem.
– Me identifico com Eva nas questões e reflexões femininas. Enquanto o marido a descredibiliza como mãe e como profissional, ela equilibra a maternidade, cuidando da casa, da criança e, claro, exercendo a profissão. A Eva, no fim das contas, vive de aparência o tempo inteiro e a todo momento é posta em xeque. Viver sob qualquer aparência, para mim, não é mais possível – destaca.
A conversa com Donna é feita por e-mail, nas brechas da rotina apertada pelas gravações de Dona Beja, novela da Max que faz uma releitura da trama exibida em 1986, na TV Manchete – Grazi é a protagonista, que já foi vivida por Maitê Proença na versão anterior. O desafio de interpretar mulheres fortes e irreverentes é um dos temas da entrevista, bem como as ambições para o futuro pessoal e a vivência da maternidade de uma menina de quase 12 anos, Sofia, fruto do relacionamento com o ex-companheiro Cauã Reymond.
Confira a entrevista com Grazi Massafera
Aos 41 anos, como define a atual fase da sua vida?
Os quarenta em particular não representaram uma virada para mim. Mas a pandemia, por exemplo, foi importante porque foi um momento que passei a estudar mais. Reconheço meu sucesso, mas também já me culpei por ele. Hoje consigo me orgulhar da minha trajetória, por mais privilégios que tenha.
É um momento de mais autonomia?
É um momento em que consigo bancar minhas escolhas.
Por que escolheu fazer o thriller Uma Família Feliz?
Como atriz, me interessa buscar novas possibilidades de expansão, até porque trabalhar no conforto e na segurança não me desafia. Sempre estou em busca de explorar o máximo da minha profissão e ainda não tinha feito nenhum thriller, nenhuma personagem como a Eva. Eu não podia recusar um filme do Zé (José Eduardo Belmonte) e quando li o roteiro, ficou simplesmente irresistível.
É o seu segundo longa com Belmonte e seu primeiro filme desde 2011. O que está sentindo neste retorno ao cinema?
Foi um convite do Zé e não poderia recusar porque o tipo de cinema dele me interessa. Quando fizemos Billi Pig, eu era uma atriz inexperiente. É muito bom poder repetir essa parceria com mais maturidade e poder extrair o melhor da direção dele.
Como foi trabalhar com Reynaldo Gianecchini? Houve algum episódio inusitado durante as filmagens?
Adoro Giane, ele é um ótimo parceiro de cena, generoso, querido. Ficamos muito próximos porque gravamos em Curitiba e tivemos que morar lá por um tempo. Ficamos no mesmo hotel, então fazíamos tudo juntos, trabalhamos muito. O clima era leve e lembro que todos os dias acordamos muito cedo, às 5h30min da manhã, para ir à academia.
De que forma as mulheres podem se identificar com a história de Eva, sua personagem no thriller?
A Eva é uma mulher no puerpério e isso já é apresentado no início do filme, não é uma questão secundária. Finalmente começamos a falar disso, da saúde mental e de como fica a mulher após ter seu filho, não temos que fingir que está tudo bem.
Como tem sido sua vivência na maternidade, agora criando uma pré-adolescente?
Foi e é transformadora. Sou outra pessoa ao lado da Sofia e outra mulher depois dela. Faço análise há alguns anos e acredito ser fundamental para a saúde psicológica. Busco uma reeducação para educar minha filha de forma sempre consciente de questões sociais e pessoais. Sofia é uma menina doce e inteligente, e sou uma mãe que trabalha muito, mas também atenta ao universo dela, suas descobertas, a deixo livre para dialogar sobre tudo. Estamos crescendo próximas e unidas. Espero que continue assim.
Viralizou um vídeo da Sofia indo com Cauã Reymond a um show de k-pop. A exposição nas redes sociais é um desafio? Vi que ela tem até páginas de fãs...
Desde que Sofia nasceu existem perfis falsos dela nas redes sociais. Ela nasceu debaixo de muitos holofotes por ser filha de pais conhecidos e pelo tempo que a gente conseguiu preservar a intimidade, a infância dela, a gente fez. Hoje ela é uma pré-adolescente, já toma diversas decisões e sei que ela vai ter que lidar com essa questão, de ser a minha filha com o Cauã. Estarei ao lado dela, mas antes de mais nada, respeitando suas decisões e a defendendo como a leoa que sou.
Enquanto atriz e uma pessoa pública, como lida com a cultura do cancelamento e as pressões sociais?
Uma Família Feliz mostra muito do que vivemos, as pessoas julgam por 15 segundos de stories, por um minuto e meio de reels, por foto e as redes sociais são nada mais, nada menos do que um recorte da vida de cada um. O perigo é quando as pessoas passam a julgar as outras como se aquele recorte fosse o todo. Na minha vida, já me incomodou, claro, me arrumam namorados todos os dias (risos). Mas atualmente não me incomodo mais porque sei que é um surto coletivo. Não tenho uma vida pessoal tão interessante como as pessoas acham.
Estamos na reta final do BBB 24 e é impossível não lembrar da sua participação no reality. Quais lembranças você guarda desta fase?
Só lembranças boas. O programa mudou minha vida e sou eternamente grata e orgulhosa do que vivi lá.
Sou inquieta, mas não sou apressada. Procuro sempre me mover com afeto quando sei que preciso daquilo.
GRAZI MASSAFERA
Atriz
Foi realmente uma virada de chave na sua vida?
Total! Uma menina que morava em Jacarezinho, no interior do Paraná, e que depois do programa teve oportunidade de mudar de vida e mudar a vida da família. Ganhei amigos, fãs e uma nova profissão que me faz estar aqui.
Você ainda acompanha o programa? Mudou muito na comparação com a sua temporada?
Não tenho visto por conta de Dona Beja. Quando não estou gravando ou decorando cena, estou dando atenção para a minha filha ou dormindo (risos). Mas com certeza uma coisa que mudou é que não tinha rede social na minha temporada, não como hoje. Íamos competir por um prêmio. Agora, finalmente o Big Brother se tornou uma experiência e menos pessoas o criticam, já notou?
Que mensagem espera passar com a personagem Dona Beja?
É uma mulher que jamais se sujeitou para as imposições dos homens. A Beja é uma mulher de sua época, que atravessou questões de maneira corajosa e surpreendente para as mulheres da atualidade. Ela nunca deixou de ser sexualizada, mas usou a liberdade de seu corpo como queria. Se isso assusta hoje, imagina naquela época? Todos vivemos esses temas, resta saber se queremos quebrar barreiras ou não. É um desafio contar essa história tão marcante para o Brasil e para a história da dramaturgia, que já foi apresentada brilhantemente pela Maitê Proença e que vem com uma nova roupagem. Espero que o público goste.
Houve algum episódio marcante no qual ser mulher se mostrou um entrave para você?
Evidente. Não preciso apontar dedos para ninguém, mas como mulher de uma origem humilde, já fui descredibilizada de muitas maneiras no início da carreira.
Você disputou o Miss Brasil em 2004, representando o Paraná, e sua beleza é conhecida e elogiada. Como cuida do corpo?
Curto malhar, pedalar, gosto de endorfina. Também como de tudo, mas saudável.
E como convive com os julgamentos sobre ele?
Aprendi que nem toda crítica merece ser ouvida, assim como não levo a sério todo elogio.
No que está interessada em sentir e vivenciar neste momento?
Estou interessada em ter ainda mais paixão pelo que construí, quero construir outros personagens, outros lugares. Sou inquieta, mas não sou apressada. Procuro sempre me mover com afeto quando sei que preciso daquilo. Não me jogo mais em qualquer convite, mas faço por merecer meus convites.