Ao mesmo tempo em que o passar dos anos provoca uma certa “urgência de vida”, a atriz Patricia Pillar, que chegou aos 60 anos no dia 11 de janeiro, tem se dado o direito de viver numa marcha mais contemplativa, menos apressada, o absoluto oposto do ritmo da tecnologia. Nessa nova fase, a brasiliense desfruta do prazer da autonomia para escolher ter uma rotina – o que é uma conquista e tanto para quem trabalha há mais de quatro décadas no cinema, no teatro e na televisão, com todas as idas e vindas que o métier exige.
Em conversa com Donna, por e-mail, ela conta que tem conseguido dar o tempo que as coisas merecem, seja para seus projetos, seja para se perder pelas cidades por onde viaja, sem pressa nem metas. As palavras da atriz revelam um desejo por calma:
— Corri atrás da vida, agora quero só me sentir viva. Quero olhar para a vida, olho no olho. Estou vivendo um momento pelo qual esperava fazia tempo, conseguindo me equilibrar melhor entre trabalho, estudo e lazer. Sempre tive o hábito de me envolver em diversos projetos ao mesmo tempo, mas, neste momento, realizo cada um deles com mais calma e sem afobação — descreve Patricia.
A direção e a produção audiovisual têm fisgado seu interesse nos últimos tempos. No ano passado, assumiu a direção artística do álbum Quando a Noite Vem, do cantor Zé Renato, com quem foi casada por 10 anos entre as décadas 1980 e 1990. Em 2008, também dirigiu um documentário sobre o dono do hit Eu Não Sou Cachorro Não, o cantor Waldick Soriano. Mas a sua marca mais inesquecível é em frente às câmeras, em que esteve pela primeira vez em 1983, no elenco do filme Para Viver um Grande Amor.
Na TV, estreou com nada menos que Roque Santeiro (1985), no papel de Linda Bastos. De lá para cá, foi acumulando prêmios e indicações por papéis marcantes, como a dissimulada Flora, de A Favorita (2008), sua primeira vilã, e a aguerrida estilista Zuzu Angel (2006), que travou uma batalha para localizar o corpo do filho, morto na ditadura militar.
Algumas lembranças carinhosas, como o sotaque dos colonos italianos da serra gaúcha, também permanecem na mente da artista desde que esteve no Rio Grande do Sul para as filmagens de O Quatrilho (1995). Na preparação para o longa e acompanhada pelos colegas de elenco Glória Pires, Alexandre Paternost e Bruno Campos, Patricia passou um mês em Caxias do Sul.
— Tenho muitas lembranças maravilhosas dessa região tão linda. Conhecemos algumas famílias de imigrantes italianos que chegaram ao Brasil no começo do século passado, aprendemos o sotaque da região de Veneto, aprendemos a cantar com o maestro Renato Filippini. Os habitantes da cidade abraçaram o filme, participaram ativamente como figurantes ou cedendo objetos pessoais para os nossos cenários. Outro imenso prazer que tivemos foi contracenar com grandes atores de Caxias do Sul que fizeram parte do nosso elenco, o que se tornou o grande charme do filme. Saudade de cada um deles — recorda
Gosto muito de trabalhar na direção e na produção porque tenho o prazer de dar as condições objetivas para outras pessoas brilharem.
PATRICIA PILLAR
O carinho pelo Estado não para na Serra: se estende a um casal porto-alegrense que mora no coração da artista.
“O pudim de laranja é a única prova convincente da existência de Deus. Além da Patricia Pillar, claro”. O trecho é de uma das crônicas de Luis Fernando Verissimo, publicadas na antologia Veríssimas (2016). A atriz é uma das musas inspiradoras do escritor e, ao longo do tempo, tornou-se quase membro da família:
— Também tenho um carinho especial pelo Rio Grande do Sul porque aí vivem dois amores da minha vida, o casal Lúcia e Luis Fernando Verissimo. Temos uma relação de muito afeto. Sempre que posso, vou vê-los. Adoro encontrar pedacinhos de alho perdidos na salada e “doá-los” para o Luis Fernando. Hoje me sinto parte da família.
No bate-papo a seguir, Patricia aproveita a data especial dos 60 anos para relembrar a “farra” que foi a ida ao Oscar por conta da indicação de O Quatrilho na premiação, descreve seus papéis mais marcantes e projeta o futuro que almeja.
Leia a entrevista com Patricia Pillar
Você fez 60 anos em janeiro. O que deseja da vida e no que está focando sua atenção?
Desejo continuar experimentando e tocando meus projetos, mas agora não quero deixar de preservar uma certa rotina – mas não confunda com monotonia. Estabelecer um mínimo de rotina sempre foi impossível para mim, pois o meu horário costumava ser estabelecido a partir das gravações, que aconteciam muitas e muitas vezes fora do Rio de Janeiro, a cidade onde moro.
Seu trabalho mais recente na TV foi a série Onde Nascem os Fortes, em 2018. Planeja um retorno?
Tenho projetos para cinema e para uma série, ainda sem data definida, por isso não posso divulgar muitos detalhes. Mas posso dizer que tenho preferido trabalhos com prazos mais curtos.
Como lida com as mudanças que o tempo está trazendo?
A principal mudança é cultivar uma vida cada vez mais simples. Quero viver os prazeres do dia a dia com calma e profundidade. O grande volume de informações que podemos acessar e a miríade de possibilidades que estão à disposição são acachapantes e geram muita ansiedade. É um ritmo sobre-humano. Hoje desejo me concentrar no que estou fazendo, uma coisa de cada vez, com a certeza de que desejar algo é também uma renúncia.
Se pudesse dar um conselho para a Patricia Pillar de 30 anos, qual seria?
Não se estresse tanto. Não seja tão racional.
Hoje desejo me concentrar no que estou fazendo, uma coisa de cada vez, com a certeza de que desejar algo é também uma renúncia.
PATRICIA PILLAR
A menopausa foi um período de desafios? De se conhecer de novo?
Sim. São muitas transformações e muitas perdas. Por outro lado, com maior noção da própria finitude, a vida se torna menos idealizada e mais urgente. Estou aprendendo a olhar de frente a liberdade de começar essa nova fase.
Você mantém algum ritual diário de saúde, de beleza, de fé?
Dormir bem, me alimentar de forma saudável, mas me dando o direito de me deliciar com o que gosto. Também aprecio caminhar, ler, ir ao cinema, estudar e estar com amigos. Tenho seguido mais o ritmo natural e não o ritmo enlouquecido da tecnologia e suas máquinas. Estar em contato com os animais e com a natureza é meu ritual de fé.
Em termos de trabalho, o que está na agenda?
Tenho me aventurado a escrever, o que está sendo um processo muito rico. Minha base como artista vem do teatro, onde aprendemos a trabalhar em conjunto, numa relação mais horizontalizada. Numa companhia teatral, a divisão de funções não é tão delineada e a troca se estabelece de forma mais livre. Essa experiência sempre fez parte do meu processo criativo como atriz. Gosto de trocar ideias com os autores, diretores e roteiristas, de participar de alguma forma da elaboração dos projetos, de pensar junto.
Quando olha para sua trajetória, tem algum momento que se destaca, que lhe dá mais alegria que os demais?
Até aqui tive uma trajetória muito rica, com personagens que me desafiaram muito. E, acima de tudo, tive a graça de ter grandes parceiros de trabalho e de criação. Poder trocar conhecimentos e emoções com pessoas incríveis é o que há de mais precioso na minha profissão.
Há espaço para algum arrependimento nesta trajetória?
Nenhum arrependimento em relação a personagens que fiz ou deixei de fazer. Os que fiz foram aprendizado e caminho; os que, porventura, não pude ou não quis fazer não me fizeram falta. Sobre viagens: por vezes, tinha pouco tempo para aproveitar cada lugar devido à correria da vida, mas agora tenho gostado de me perder pelas cidades sem um objetivo específico. É uma fase em que procuro fazer tudo com mais calma.
É impossível pensar em você sem lembrar de Zuzu Angel, Flora, ou de Linda, em Roque Santeiro. Qual foi o personagem mais marcante?
Todos esses que você citou foram muito importantes para mim – além da Luana de O Rei do Gado, da Teresa de O Quatrilho, entre outros. É difícil elencar um mais marcante. Fico feliz em ser uma atriz cuja carreira é composta por vários personagens cheios de complexidade, que me proporcionaram a oportunidade de aprender e de mergulhar na densidade emocional de cada um. Interpretar Zuzu foi de uma enorme responsabilidade com a triste história de vida dessa mulher tão aguerrida na luta por justiça. Flora (A Favorita) foi minha primeira vilã, o que por si só já seria um marco, mas foi um privilégio trabalhar a partir do texto do João Emanuel Carneiro, cheio de ironias, deboches e perversidades absurdas. Já a Linda, de Roque Santeiro, foi minha estreia em novelas, e ao lado de um elenco de feras que compuseram um tremendo sucesso da televisão brasileira. Não tinha como não ser inesquecível.
O Quatrilho, que mostra um pouco da vida de imigrantes italianos, foi indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro em 1996. O que ficou marcado dessa experiência?
Foi uma grande aventura! Quando soube da notícia, estava no interior de São Paulo aprendendo a cortar cana e conhecendo a dura realidade dos boias-frias para fazer O Rei do Gado. Por um telefone bem precário, tentava resolver a ida para Los Angeles e encontrar um vestido para usar na festa do Oscar. Por sorte, o estilista Ocimar Versolato estava vindo ao Brasil para fazer o figurino do show do Ney Matogrosso. Entrei em contato com ele, que trouxe alguns vestidos. Um deles serviu como uma luva, um belo vestido azul. Agradeço até hoje, pois não teria tempo para um plano B. No dia da premiação, tivemos um almoço com os outros concorrentes da categoria, tive que tomar muito cuidado para uma lasanha não cair no vestido. Depois, pegamos um gigantesco engarrafamento de limusines para chegar ao local da festa. Vimos de perto atores como Anthony Hopkins, Brad Pitt e tantos outros. Foi uma farra! Até hoje dou risada.
Você dirigiu Waldick - Sempre no Meu Coração, em 2007. Como se sente nesse lugar de diretora?
Gosto muito de trabalhar na direção e na produção porque tenho o prazer de dar as condições objetivas para outras pessoas brilharem. Mergulhar no universo pessoal e musical de Waldick Soriano foi das coisas mais emocionantes da minha vida profissional. Além de dirigir o documentário, trabalhei também na direção do show que acabou virando CD e DVD ao vivo. Fiz esse trabalho em parceria com o grande diretor musical José Milton. Presenciar a emoção do Waldick ao reviver seus grandes sucessos com uma plateia de mais de mil pessoas, e com uma banda composta por 11 grandes músicos, foi uma sensação indescritível.
A internet anda falando de uma refilmagem de Vale Tudo para 2025 com você no elenco. O que acha? Aceitaria o convite?
Não estou sabendo! (risos) Mas é uma bela ideia trazer de volta esse texto maravilhoso e tão atual do grande Gilberto Braga.