Enquanto ouvia o marido finalmente revelar a relação extraconjugal que mantinha há três anos com outra mulher, internamente a porto-alegrense Rosane Borba Nóbrega fazia os cálculos: ela tinha uma casa confortável na Zona Norte da cidade, carro próprio, saúde em dia, um bom emprego e dois filhos crescidos e felizes. Encarando o resultado da conta, concluiu que pedir o divórcio, embora triste, não seria o fim do mundo.
Depois de um casamento de 24 anos, a gerente comercial tornou-se solteira aos 50.
— Lembro de pensar ‘Ah, espera aí um pouquinho, sou independente, atraente, financeiramente bem-sucedida, porque continuar num relacionamento em que houve traição?’. Foi um baque, é claro, passei o fim de semana chorando. Mas na segunda-feira já fui ao advogado e, na quinta, assinamos o divórcio — relembra Rosane, hoje com 56 anos e em vias de se aposentar.
O termo “divórcio grisalho”, ou gray divorce, tem sido utilizado por estudiosos em longevidade e relacionamentos para se referir à separação de casais a partir dos 50 anos, uma tendência que está crescendo nas últimas décadas. Nos Estados Unidos, por exemplo, o número de divórcios entre pessoas com mais de 50 anos teve um salto entre 1990 e 2010, saindo de menos de 10% dos casos para 25%, segundo estudo da socióloga Susan L. Brown, codiretora de um centro de pesquisas sobre casamentos na Universidade Estadual de Bowling Green.
O fenômeno também dá sinais nos dados do Brasil, onde atualmente mais de 25% dos divorciados têm mais de 50 anos, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE). Em 2021, 25,9% dos indivíduos que tiveram seu divórcio confirmado em primeira instância na Justiça ou por meio de escritura eram pessoas 50+. O número é um pouco maior que os 25,2% registrados em 2019.
E, na maior parte das vezes, é por iniciativa das mulheres que o divórcio na maturidade ocorre, conforme tem observado a pesquisadora em envelhecimento e longevidade Gisela Castro, pós-doutora em Sociologia pelo Goldsmiths College e professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da ESPM-SP.
Ela explica que uma série de fatores motivam esse movimento, tais como a maior independência financeira das mulheres, cada vez mais inseridas no mercado de trabalho e focadas no desenvolvimento da carreira, a possibilidade de chegar à velhice com saúde e qualidade de vida e o entendimento de que maturidade não é sinônimo de fim de jogo.
— Ainda que muito lentamente, estamos começando a valorizar a vida na maturidade e a vê-la como um período de possibilidades, e não só como fim, decrepitude e ocaso. O término maior dos relacionamentos infelizes é um desses efeitos, a meu ver bastante benéficos. Jamais torço pelo fim de um casamento, mas é absolutamente necessário quando se torna tóxico e estéril. Nesses casos, é saudável quando alguém rompe e sai da casca, e geralmente esse alguém é a mulher. Cada vez mais elas estão se dando licença para cuidarem de si mesmas nas próximas décadas — afirma.
A própria maturidade também tem sua parcela de responsabilidade no fenômeno, observa a psicóloga Aline Oliveira, terapeuta de casais e pós-graduada em neuropsicologia e neurociência pela PUCRS. Isso porque os anos de bagagem trazem discernimento para que a pessoa saiba o que quer para o futuro e consiga perceber que talvez não seja necessário continuar em uma relação em que os envolvidos não caminham mais na mesma direção.
— Parece que ninguém espera que um casal vá se divorciar nessa altura do campeonato, né? Mas o curioso é que uma das coisas que as mulheres mais relatam é que chega uma etapa da vida em que elas já não toleram mais coisas como não serem bem-tratadas, não receberem atenção. Já sabem o que querem da vida e que tipo de relacionamento desejam — detalha Aline.
Hoje em dia, essa mulher está no auge da vida e também da carreira, altamente ativa
ALINE OLIVEIRA
Psicóloga e terapeuta de casais
A marca dos 50 anos também costuma ser um momento impactante. A menopausa e todas suas revoluções entram em cena, os filhos geralmente já saíram de casa e muitas mulheres aproveitam essa fase para dar uma virada de 180º na vida, na carreira e no amor – e talvez o casamento não consiga acompanhar esse ritmo. Mas o fim, ressalta a psicóloga, não quer dizer que tudo o que foi construído a dois não tenha valido à pena:
— Eram duas pessoas infelizes vivendo juntas e que, agora, estão se dando a oportunidade de construir uma nova história nessa etapa da vida. E muitas vezes, os divórcios de casais maduros são amigáveis, pois eles não raro estavam juntos pela amizade e consideração pelo tempo de convívio. Então quando rompem, existe a dor do processo, mas não há tanto litígio. Frequentemente é o próprio companheiro quem ajuda ela a arrumar um novo apartamento, o que é muito bonito. Há os que ficam em pé de guerra, mas existem vários casos em que a gratidão pelo que um já foi para o outro prevalece.
Menos estigma sobre a mulher
Se no passado a mulher separada, divorciada ou desquitada foi considerada uma “pária da sociedade”, hoje o estigma sobre elas está menor, defendem as entrevistadas. Esse é mais um dos fatores que ajudam a explicar os rompimentos entre os grisalhos. Além disso, uma mulher madura não necessariamente precisa incorporar a persona “Dona Benta”.
— A perspectiva da mulher aumentou, a “vovozinha” de hoje não é a de 20 anos atrás que estava ali fazendo comida em casa, de coque, cuidando dos netos. Hoje em dia, essa mulher está no auge da vida e também da carreira, altamente ativa. É outra mentalidade, é outra qualidade de vida – defende Aline.
Cultivar seus gostos ao longo da vida e se envolver de verdade na carreira ou em atividades que não têm a ver com a relação conjugal e os filhos é uma postura que fornece ferramentas importantes para a mulher madura que estiver vivendo uma ruptura no casamento, observa Gisela Castro, enquanto que, para as que construíram uma rotina focada na relação e “esqueceram de si”, o passo para fora de uma vida conjugal infeliz provavelmente será mais longo
— Quando você tem a sorte de fazer uma carreira que faz sentido, o trabalho não dá só grana, dá uma outra trilha de identidade, uma vida própria, um repertório. E a autonomia passa por aí, por fazer as coisas que você quer, não sendo o casamento a única coisa que te coloca em pé. Essa ideia de que ou você é a mulher de Dr. Fulano ou não é nada já se foi – ressalta a doutora em Sociologia.
O segundo ato
Se envelhecer não é mais sinônimo de fim e se o término do casamento não quer dizer derrota, para muitas mulheres o que sobra é uma vontade de experimentar o que a vida tem de melhor a oferecer neste período. Rosane garante que, com a rotina reorganizada após o fim do matrimônio, está tendo uma fase plena.
Nos últimos seis anos focou em trabalhar a autoestima, investiu em beleza e saúde, ficou mais loira, mais forte, mais magra e mais ativa. Hoje faz pilates, musculação, zumba e se matriculou em um curso de fandango. Também comemora a reaproximação da sua própria mãe, Norma de Lourenço, de quem tinha ficado um pouco afastada durante o casamento, já que eram os pais do marido que ficavam mais perto do casal e viajavam com a família.
Além do apoio que recebeu da mãe e dos filhos, a porto-alegrense lembra que foi essencial o suporte emocional de seu grupo de amigas, formado na empresa de cosméticos onde trabalharam por décadas. É com elas que Rosane se encontra toda semana para ir ao cinema, fazer happy hour ou viajar para a praia. Para novembro, está marcada uma viagem para conhecerem as Termas Romanas, em Restinga Sêca.
— Sempre que possível nos encontramos e o apoio uma da outra é muito bom. As amizades são indispensáveis para você conseguir recomeçar. Também é preciso fazer uma busca pelo amor-próprio, voltar a se sentir desejada novamente, porque no momento da separação quando houve traição, a libido e a autoestima vão parar no pé. Antes de procurar alguém para amar, você precisa se amar novamente — destaca.
Pode ser que a nova fase desperte uma vontade de viver loucuras, assim como suscitar um desejo de ficar quieta, reorganizar a casa, lamber as feridas, ler os livros que estavam pegando pó na prateleira – ou trocar o piso do pátio, como está fazendo Rosane.
Quando você se ama, tudo fica mais fácil.
ROSANE BORBA NÓBREGA
Gerente comercial
E está tudo bem viver de ambas as formas, afirma a psicóloga Aline Oliveira, a regra é “respeitar momento, sentimentos e emoções, e não dar muita bola para as expectativas que os outros têm sobre você”.
Ir com calma nos relacionamentos e evitar relações precoces são algumas recomendações da psicóloga. Isso porque esse período costuma reservar uma série de experiências e descobertas, inclusive sexuais, que merecem um tempo solo para acontecer. Segundo a profissional, são muitos os relatos de mulheres que passaram um longo período com o mesmo parceiro e que não consideram ter vivido sua sexualidade de forma plena.
— Pode ser que você esteja há tanto tempo com o outro que não saiba mais quem você é, portanto é bom ficar um momento sozinha para se redescobrir, e isso só ocorre se você experimentar. Nesse momento a mulher pode descobrir mais sobre a sua sexualidade, às vezes sair com parceiros mais novos, ou então “descobrir” que, para ela, há a possibilidade de viver sua sexualidade com uma outra mulher. Ela vai viver essa nova etapa da vida como for melhor para ela, seja com alguém, seja sozinha, seja com “alguéns” — defende Aline.
Passados seis anos da separação, entraram para o histórico romântico de Rosane algumas experiências em aplicativos de encontros e, mais recentemente, um namorado. Esta é uma história que parece ficção: os dois foram amigos de infância – moravam porta a porta –, se afastaram quando ela se mudou e se reencontraram quase meio século depois pelo Facebook.
— Estamos começando o relacionamento, mas está muito gostoso ter esse reencontro. O que eu tenho para dizer a outras mulheres que estão passando pelo mesmo que eu passei é que somos muito mais forte do que imaginamos, portanto se amem exatamente como vocês são. Quando você se ama, tudo fica mais fácil. Você vive em harmonia e felicidade – conclui Rosane.