Eles demonstram que se amam de maneiras bem diferentes e isso, às vezes, vem à tona quando o casal discute: “Como tu não entendes que eu te amo, se estou ‘há cinco horas’ abraçado em ti?”, exemplifica Gabriel Severo Curuja, 31 anos. Para ele, o natural é demonstrar com abraços, beijos, ficando perto ou colocando a mão na perna da namorada quando sentam lado a lado. A resposta, segundo a parceira, Laura Schneider Longhi, 27, é que ela precisa que o afeto seja verbalizado para sentir-se amada e confortável na relação.
— Não sou muito do toque físico. Sou mais de palavras — explica ela.
Assim como outros casais, os dois já entenderam que suas linguagens do amor não são a mesma. Também pudera: cada pessoa desenvolve a sua maneira de amar e de compreender que é correspondida. Conforme a psicóloga Maria Eduarda de Alencastro, essa construção está relacionada à personalidade e à bagagem emocional.
— Ao longo da vida, vamos aprendendo modelos de como demonstrar o amor e como recebê-lo. Tem a ver com nossa sociedade, geração, traumas pessoais e com como isso é transmitido na nossa família. A relação entre as pessoas que estão ao meu redor enquanto cresço, pai, mãe, avós, tios, tem grande impacto sobre essa construção. Há também fatores genéticos, características de personalidade, de ser mais aberto ou fechado — explica a terapeuta.
O tema volta à moda de tempos em tempos (especialmente nas redes sociais). Além de ser um assunto com o qual é fácil de se identificar – já que trata de sensações comuns nos relacionamentos – o ressurgimento do debate também está relacionado ao best-seller As Cinco Linguagens do Amor, escrito nos anos 1990 pelo antropólogo americano Gary Chapman. O escritor lista cinco formas através das quais as pessoas enxergam as demonstrações do sentimento: palavras de afirmação, tempo de qualidade, presentes, atos de serviço e toque físico.
Segundo a lógica do escritor, se o estilo da pessoa é dar presentes, possivelmente, haverá um problema se ela só receber do companheiro palavras de afirmação (como dizer “eu te amo”). Para ele, é preciso que um entenda a linguagem do outro e se esforce para corresponder a ela.
A psicóloga vê este movimento com bons olhos, já que ele motiva as pessoas a refletirem acerca de seu comportamento. No entanto, faz as ressalvas de que o livro de Chapman não tem embasamento científico e de que este tema é complexo. Existem muitas linguagens e um casal que expressa seu carinho de formas diferentes não terá, necessariamente, uma relação ruim.
— Os pacientes trazem esse tema, geralmente, como fator limitante, uma quebra de expectativa, ao perceber que o parceiro não consegue expressar amor da forma que a pessoa gostaria de receber, o que gera um conflito. Já ouvi coisas como “estava começando a sair com um cara, mas vi que a linguagem dele é ‘tal’ e essa não me satisfaz, então, não quis levar adiante”. É preciso tomar cuidado para não assumir isso como grande verdade, porque podemos mudar e aprender coisas novas — afirma a psicóloga.
Quando o parceiro não demonstra da forma que eu gostaria, é preciso avaliar o quanto aquilo é intolerável para mim e se o outro é capaz de flexibilizar
MARIA EDUARDA DE ALENCASTRO
PSICÓLOGA
O pulo do gato, segundo ela, é desenvolver a flexibilidade no relacionamento e se abrir ao aprendizado. Este é um caminho tanto para fornecer um pouco do que o companheiro precisa (respeitando limites pessoais) quanto para conseguir receber e apreciar uma manifestação de amor diferente de suas expectativas.
— Quando o parceiro não demonstra da forma que eu gostaria, é preciso avaliar o quanto aquilo é intolerável para mim e se o outro é capaz de flexibilizar. Ou então pensar se posso tolerar e se consigo aprender a apreciar outras formas. A gente não está fadado a entender uma só linguagem, como se só ela fosse nos satisfazer. À medida em que crescemos, nos satisfazemos de outras formas. É preciso se abrir e reconhecer o amor que vem em gestos diferentes dos que estávamos acostumados — defende a terapeuta.
Eduardo e Mônica
As personalidades da advogada Laura e do tradutor Gabriel são complementares, em um estilo Eduardo e Mônica (música de Renato Russo que narra a história de um casal completamente diferente e que, por isso, dá certo), conforme explica ela. Gabriel é tímido, tranquilo e paciente, enquanto Laura é tagarela e agitada.
Conheceram-se pela internet, ele morando em Porto Alegre e ela em Canoas, no início da pandemia de covid-19, e conversaram por mensagem por meses até o primeiro encontro presencial. Essa abertura para dialogar é até hoje uma ferramenta que o casal usa na busca pelo equilíbrio.
A forma dela de amar, por ser muito diferente da minha, exige que eu saia da zona de conforto
GABRIEL SEVERO CURUJA
— Eu sou de fazer coisas por quem amo, e sempre me senti validada pelas palavras. Quando o Gabriel não me dava, me fazia pensar “ele não me ama”. O estilo dele é reconfortar fisicamente e eu sou “gata arisca”, então, demorei para assimilar que essa é a forma dele de se expressar — diz Laura.
O meio termo que encontraram é um terreno em que Gabriel cede um pouco para suprir a demanda de Laura por palavras, ao passo que ela descobriu como apreciar o conforto que vem no toque físico.
— A forma dela de amar, por ser muito diferente da minha, exige que eu saia da zona de conforto. Acho que os dois cedem um pouco. Em geral, eu não consigo terminar as frases e acaba em beijos, abraços e risadas — conta Gabriel.
Para além de ceder e fazer um esforço nas linguagens dissemelhantes, o casal se orgulha de compartilhar uma terceira forma de comunicar o amor, que é a do tempo de qualidade. Quando estão juntos fazendo o que quer que seja, lembra Laura, o foco é um no outro, ficam 100% presentes naquele momento.
Entre pudins e bilhetinhos
As bodas de ouro estão chegando para os aposentados Neusa Helena Faccio Altafini, 71 anos, e Julio Cesar Altafini, 75. A dupla comemora 50 anos de casados em julho de 2023, tempo suficiente para terem criado seu próprio glossário, onde constam inúmeras linguagens do amor.
Neusa conta que, no início da relação, quando se apaixonaram em um Carnaval da Sociedade Libanesa de Porto Alegre, os presentes eram a demonstração de afeto que a faziam sentir-se valorizada. Hoje, porém, o companheirismo e os gestos cotidianos têm muito mais valor.
— É muito difícil explicar como a gente demonstra o nosso amor em tantos anos juntos. No início, os presentes eram importantes. Uma bolsa, uma joia, uma roupa. Mas, lá pelas tantas, isso já não tem muito significado. Então, um olhar, um carinho, uma palavra são muito mais importantes para mim do que qualquer coisa. A gente se ama todo dia e a toda hora, em pequenos gestos — afirma Neusa.
Sentar e conversar sobre os sentimentos é uma preferência dela na relação, enquanto Julio tem um jeito de ser mais quieto e protetor. Ele costuma demonstrar seu afeto em ações, ao estilo “deixa que eu vejo isso, deixa que eu resolvo esta questão aqui”, ou então acompanhando Neusa em qualquer empreitada e compromisso “grudado como um carrapato”, como ele descreve.
Porém, por trás de sua personalidade séria, existe um homem que escreve bilhetes dizendo “bom dia, eu te amo” para a esposa e os esconde entre o pires e a xícara de café, ou os cola no espelho do banheiro do apartamento onde moram, no bairro Azenha. Ali estão algumas das palavras de que Neusa precisa para se sentir bem na relação.
— Sou da época em que se deixava bilhetinho. Já me disseram que isso é brega, mas vou continuar até o final dos meus dias. A minha vida inteira eu procurei me dedicar à minha mulher, me doando e aprendendo como é amar uma pessoa. Tivemos muitos percalços, mas fomos lutando e vencendo com muita troca de palavras, ideias, brigas, perdões. O casal precisa passar por isso para poder completar 30, 40 ou 50 anos de casados, que é onde nós estamos prestes a chegar — comenta Julio.
A dupla lembra que não foram poucas as vezes em que tiveram que acertar os ponteiros da relação. Neusa, algumas vezes, o questionou: “Há quanto tempo não me olhas diferente ou não deixas um bilhetinho?”. Eles se estranham, passam um ou dois dias sem se falar muito, daí conversam e fazem as pazes. São os ajustes necessários em cinco décadas de convivência, em que um tenta entender o que é importante para o outro.
Julio brinca que o momento em que se sente mais amado é quando Neusa prepara um pudim de coco especialmente para ele, já que o que há de mais incompatível em suas personalidades são os paladares:
— Adoro quando ela sai da cozinha e eu já sinto o cheiro do pudim. E aí ela vem, me abraça e diz “estou fazendo a tua sobremesa”. Pronto. São aqueles dias em que dá vontade de ficar agarrado com ela o dia inteiro. É assim que a gente vive — derrete-se.
O gesto maior de ambos, no entanto, é lutar sempre lado a lado, mesmo diante de perrengues financeiros e desafios que se apresentaram na criação das duas filhas. Julio e Neusa são companheiros e, nas cinco décadas em que estão juntos, sempre trabalharam para proteger a família e construir um futuro em conjunto.
— E se tivéssemos que recomeçar, faríamos tudo de novo juntos — conclui o aposentado.