Transformar a sala de estar, o quarto e os demais ambientes do lar em lugares aconchegantes, que tragam sensações de felicidade e de bem-estar, ganhou uma nova importância quando boa parte das pessoas passou a ficar mais horas em casa. A busca pelo bem-estar “da porta para dentro” é uma das demandas que se consolidaram a partir da pandemia com a qual convivemos já há mais de dois anos.
— Aquele tipo de trabalho de sair e só voltar para dormir mudou para muita gente. As pessoas estão ficando mais em casa e percebendo mais aquele espaço. Por isso, é importante priorizar esses elementos, reparar nos sentimentos e anseios. São fatores que influenciam em como um espaço deve ser configurado e organizado. Áreas que buscam entender os efeitos que os ambientes provocam nas pessoas estão sendo mais valorizadas — observa a arquiteta Leila Mattar, docente do curso de Arquitetura e Urbanismo da PUCRS.
Mudar os móveis de lugar, fazer uma limpa nas gavetas, trazer mais natureza para dentro, consertar algo que estava quebrado há algum tempo, mudar as cores das paredes. Nesta reportagem, conversamos com arquitetas, designers e personal organizers que apresentam diferentes formas de fazer com que a sensação de “energia boa” esteja presente na sua morada.
Por uma vontade pessoal, muita gente já adota de forma empírica algumas das técnicas que são conceituadas pela chamada arquitetura biofílica: encher os cômodos de plantas, abrir as janelas para receber a luz do sol e fazer o ar circular pelas peças. Segundo a arquiteta Lisiara Simon, esta vertente entende que recuperar a conexão que foi perdida ao longo do tempo entre o homem e a natureza, reaproximando-o de elementos como água, vegetação, luz natural, pedra, madeira e outros ajuda a melhorar sua saúde e proporciona bem-estar.
Na modernidade, onde vive-se em imóveis urbanos, a ideia é trazer alguns desses elementos para os interiores: na mobília, na decoração, nos revestimentos das paredes e do chão, na circulação do ar, nos vasos de plantas e floreiras.
— A nossa ancestralidade e DNA estão lá, na floresta, no mato. A gente não é originário dessa selva de pedra. E é por isso que essa reconexão com algo que já faz parte de nós traz bem-estar. Tanto é que as empresas já entenderam que, quanto mais semelhantes aos elementos naturais forem os materiais para construção e decoração, melhor. Há revestimentos, porcelanatos e papéis de parede que imitam pedra, madeira etc. São feitos pela indústria, mas com visual e textura que remetem à natureza — afirma Lisiara.
Verde por dentro
O termo biofilia vem do grego e quer dizer “amor à vida”. Para quem quer levar esse afeto para casa, um primeiro passo acessível é buscar a reconexão com a flora, investindo em plantas que podem ficar em vasos, pendentes ou pequenos jardins internos.
Na hora de escolher as espécies, Lisiara Simon lembra um estudo feito pela Nasa que aponta que certas plantas têm maior capacidade de filtrar o ar dos ambientes fechados, absorvendo gases tóxicos como benzeno, xileno, amoníaco, tricloroetileno e formaldeído: jiboia, árvore-da-borracha (ficus elástica), espada de São Jorge, palmeira-dama e lírio da paz são algumas delas.
De posse deste conceito de aproximação com a natureza, o morador tem à disposição inúmeras possibilidades de empregar a biofilia em casa. Conforme exemplifica Lisiara, é possível obter aconchego utilizando revestimentos de parede que imitam pedras, ou então criar efeitos que lembram muito a luz solar, utilizando um sistema de lonas tensionadas.
— Ambientes que têm vínculo com o mundo externo, com o horizonte, que têm ventilação e iluminação naturais trazem ganhos à saúde e à qualidade de vida. Isto está provado, tu te sentes mais feliz e melhor. Além de ser ótima para o bem-estar, essa técnica é adotada inclusive por alguns hospitais que tratam pacientes com câncer, por exemplo. E também em empresas e escritórios, para a descompressão e a melhor produtividade dos funcionários — argumenta a profissional.
Quem está construindo também pode se servir da arquitetura biofílica como norte. Nesses casos, é importante levar em consideração a posição do sol do futuro imóvel e fazer com que ele receba bastante luz através de janelas amplas e claraboias. Também é aconselhado escolher um local próximo a florestas ou bosques e onde o horizonte seja visível.
As emoções e as cores
Sabe aquela vontade incontrolável de pintar uma parede do quarto? A designer argentina Felicitas Piñeiro explica. Ela é especialista em cores, trabalha em São Paulo desde 2003 e entende que elas têm uma relação muito íntima com as nossas emoções. E, por consequência, é possível, sim, focar no bem-estar na hora de tingir as superfícies.
— Eu sempre digo que a gente não escolhe cores, mas as emoções que quer sentir em um ambiente. Se for bem-estar, esse é um super parâmetro — aponta.
Existem duas abordagens para escolher as tintas que vão dar uma nova cara para o lar, segundo a designer. Uma delas é mais técnica, do estudo de cores. A outra é emocional, priorizando as referências pessoais e memórias — ambas podem ser adotadas sem medo.
Pela perspectiva técnica, as cores podem ser pensadas como “vibrantes”, que são as que têm muita intensidade (vermelhos bem vivos, por exemplo); “claras”, que são as misturadas com branco (como lilás e amarelo-bebê); “escuras”, misturadas com preto (vinho, marsala, verde e mostarda); e as “apagadas”, que são mais esmaecidas e dão a impressão de terem um fundo cinza.
Para Felicitas, se estamos pensando em tranquilidade, em desacelerar, os tons escuros e vibrantes não são a melhor pedida:
— No sentido técnico, as cores ideais para dar a sensação de bem-estar são as claras e as apagadas. Não importa se são marrons, vermelhos, violetas, azuis, verdes. Todas vão dar essa sensação de sossego, de suavidade, de calma, de aconchego, de conforto — diz a especialista.
A outra perspectiva é mais livre e sem regras, partindo de questionamentos como: “quais cores trazem bem-estar para você?”, “quais trazem calma?”, e naturalmente as respostas são diferentes para cada pessoa. Assim como Maria pode se acalmar com tons de roxo, que lembram a casa de seus avós, Joana pode se sentir mais relaxada em um ambiente azul-celeste, que lhe remete a alguma memória feliz.
— Há também o caminho do autoconhecimento, que pressupõe que cada indivíduo mergulhe na sua história pessoal, já que nos relacionamos com as cores muito a partir de memórias e experiências-chave. Nesse novo panorama, a pessoa olha para suas vivências e vê que as cores a fazem sentir-se bem. Não há limites, é um caminho de reflexão e descoberta — pontua.
De forma semelhante, a designer de superfícies Renata Rubim recomenda que a pessoa escute a si mesma, sem medo, na hora de procurar a sua cor.
— Se tu queres transformar a tua casa em algo confortável, a primeira coisa a fazer é te ouvir, perceber o que tu gostas e o que te faz sentir confortável — afirma ela.
Tudo no lugar, inclusive a coluna
Melhorar o astral da casa e ainda fazer sobrar tempo para as pessoas dedicarem ao que mais importa em suas vidas são objetivos que a personal organizer Fernanda Knijnik leva para as moradas que ajuda a colocar em ordem. Ela começa sempre com o desapego de itens antigos, liberando espaço para a chegada de novas sensações e pertences. Nesse primeiro momento, é hora de jogar fora o que está em mau estado, doar peças de roupa ou objetos que o dono não usa há muito tempo, consertar equipamentos ou roupas que estavam danificados e guardar de forma eficaz o que é realmente útil.
— A organização é muito mais do que estética.
O que precisa acontecer é a casa ser prática, funcional. As pessoas precisam saber onde estão as suas coisas. Dessa forma, de manhã cedo conseguimos nos arrumar rapidinho e ganhar tempo para fazer outras coisas que vão nos trazer ganhos, como ficar com a família, fazer uma atividade física, descansar, relaxar. É sobre otimizar o nosso tempo de forma inteligente — afirma Fernanda.
Ela lança a pergunta: “Quem nunca mudou algo de lugar e notou uma mudança saudável no ambiente?”. Em seus anos de experiência, a profissional entendeu que as pessoas acabam se sentindo mais leves e felizes quando conseguem trazer a organização para suas vidas e fazer dela uma constante. E, de quebra, acabam se reencontrando com suas casas, criando espaços para aproveitar ao dar novas funções a áreas que estavam ociosas.
— Um cantinho de bagunças e brinquedos pode virar um lugar de estudo. De certa forma, as pessoas também redescobrem a sua casa. Isso acontece até comigo. Às vezes, tem cantinhos na minha casa que eu gosto muito de mudar de função, faz muito bem — lembra.
A forma como organizamos nossa casa também influencia na nossa postura e nos impactos que causamos à nossa coluna. Uma dica de organização de armários de cozinha e de roupas é deixar na linha da cintura tudo aquilo que é utilizado com mais frequência e deixar itens que usamos menos na parte de cima ou de baixo do armário. Dessa forma, a pessoa evita ficar se esticando ou agachando com frequência para pegar as coisas, diminuindo um pouco a carga na coluna.
— Quando a gente fala de ergonomia pensando em prevenção de dores na coluna, é essencial pensar em melhorar o conforto em casa — defende a quiropraxista Rossélie Almeida, que atua em Porto Alegre.
Dicas de ergonomia para o bem-estar
- Crie um ambiente para o trabalho
A mesa de jantar costuma ser mais baixa do que o ideal para o uso do notebook, com o agravante das cadeiras geralmente não terem apoio para os braços, fatores que prejudicam a postura. O mais indicado, de acordo com a quiropraxista Rossélie Almeida, é investir em uma mesa de escritório e em uma cadeira com braços. Também vale utilizar um suporte para elevar o laptop, além de um teclado acessório. Dessa forma, a pessoa fica com seus olhos na direção do meio da tela e prejudica menos a coluna. - Não descuide da postura no sofá
Rossélie explica que é comum o hábito de ficar meio sentada, meio deitada no sofá. Embora seja relaxante, ficando assim por muito tempo, a pessoa está “sentando” em cima da sua coluna e pode prejudicar suas vértebras. Para evitar danos, o ideal é manter uma almofada nas costas e os pés apoiados no chão.
— Um sofá que induz essa postura errada é o chaise, que faz com que a pessoa escorregue para a frente. Os muito macios também são um problema, pois não oferecem sustentação — ensina. - Atenção ao lavar louças
O ideal para que a hora de lavar a louça não se torne um momento de sobrecarga para a coluna é que a pia fique sempre um pouco acima da altura da cintura. Rossélie aponta que, como é difícil modificar este tipo de estrutura, uma dica é usar um calço (pode ser um banquinho de madeira) para apoiar uma das pernas, alternando entre uma e outra. Isso alivia os possíveis desconfortos.
Boas energias em circulação
Uma prática milenar que promete uma conexão com o lar, trazendo boas energias, é o feng shui. Nesta filosofia, a casa é considerada um ser vivo que respira e que tem circulação, tal qual um humano, segundo a consultora de feng shui Marilda Romero, que trabalha há 26 anos com a temática. Do chinês, “feng” quer dizer vento e corresponde à respiração, ao passo que “shui” quer dizer água e está relacionado à circulação. Quando há algum entrave nessa dinâmica, a energia do ambiente trava. Marilda exemplifica: em uma casa onde as janelas não são abertas com frequência, a energia pode se tornar estagnada. Isso não é bom, pois ela precisa ser trocada diariamente para que seja positiva e favoreça os moradores. A circulação, por outro lado, são todos os pontos por onde passa água no imóvel.
— Torneiras, chuveiros, canos, tudo isso gera fluidez na vida dos moradores. Assim como qualquer tipo de vazamento, uma torneira emperrada, um chuveiro que não funciona direito também vai atrapalhar — aponta ela.
Para aplicar o feng shui, é feito um mapeamento no local, por meio de um baguá, uma figura com oito lados, que representa cada área da vida. A primeira, por exemplo, é a da carreira e do trabalho. Já a quinta é a do sucesso e da realização. A partir desse estudo, é possível entender melhor os estímulos de que cada parte da casa precisa para estar em harmonia com o morador.
— Tem uma em que vou trocar móveis de lugar e outra que vai precisar de cores, em função de estar monótona energeticamente. Cada casa tem uma necessidade diferente e nós ensinamos a solução de feng shui apropriada a cada espaço — explica Marilda.
Ela dá algumas dicas gerais para quem deseja começar a inserir os ensinamentos da prática oriental em seu dia a dia. A cama, por exemplo, deve ser arrumada antes da pessoa sair de casa, já que no feng shui diz-se que ela corresponde à cabeça humana. Se não é arrumada, a pessoa fica com a cabeça bagunçada o dia todo, sem conseguir se desvencilhar de problemas.
Pensando na respiração, Marilda recomenda abrir as janelas de manhã, quando a energia é mais potente — sempre com cuidado para não bater as portas e persianas, pois barulhos intensos prejudicam a energia, que deve circular por pelo menos 20 minutos, e, no máximo, até as 13h. De noite, é melhor ficar com as janelas fechadas, pois a vibração nesse período é mais lenta e não deve entrar na casa.
As faxinas devem ser regulares, já que sujeira e bagunça são como o colesterol ruim do lar e podem prejudicar a saúde. Pensando em itens decorativos, Marilda recomenda flores. Se elas morrerem rápido, pode ser sinal de que é hora de fazer alguma mudança.
— É impossível a pessoa aprender a se relacionar com a casa e não se transformar. Ela vai conhecendo mais a energia do lar e entendendo sobre a sua própria energia. Precisamos ter harmonia com a casa para ter harmonia na vida — afirma Marilda.