Esta reportagem faz parte da série da Revista Donna Trabalhe Como Uma Mulher, na qual contamos histórias de mulheres que são destaque e inspiração para outras em suas profissões.
Quando foram abertas as inscrições para o workshop de mecânica básica para mulheres, Gabriela Koslowski imaginava que seria um sucesso contar com 40 inscritas. Dez dias antes do evento ocorrer, as interessadas já somavam 180.
- Não vou fechar as portas se tem tanta gente disposta a vir. Se precisar alugar cadeira, eu alugo - diz a empresária de 24 anos, a primeira mulher a comandar a empresa fundada há 50 anos pelo avô Rudi Koslowski.
Gabriela assumiu a gestão do negócio em outubro de 2018 e sonha em contratar mulheres mecânicas. Buscou indicação no Curso Técnico em Manutenção Automotiva do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial do Rio Grande do Sul (SENAI-RS), mas, dos cerca de 450 alunos na Capital, menos de 10 são mulheres - e a maioria é de família dona de oficina, segundo Claudilene Sausen, da secretaria do curso.
A empresária já abordou uma frentista em um posto de combustíveis quando percebeu que ela tinha conhecimentos sobre mecânica e a convidou para ir até o escritório conversar.
- Ela me disse que não tinha coragem porque "é muito homem". Também disse que já era difícil no posto, imagina em uma oficina mecânica. E é mesmo. É difícil para mim, que estou na gestão, atrás do computador, imagina como seria para ela com macacão no meio da graxa - observa Gabriela.
No seu dia a dia, ela cuida das finanças, do estoque, recebe clientes. Gosta de circular pela oficina e fica pouco no escritório, no andar de cima. Faz questão de supervisionar as operações de perto e marcar presença na recepção quando chegam mulheres.
- Vem bastante filha ou neta de clientes do meu vô. Cliente nova é difícil. Tem muito homem que traz o carro da esposa ou da filha e elas vêm só buscá-lo - conta a gestora.
As mulheres evitam a primeira conversa com o mecânico por medo de serem enganadas, explica Gabriela. O workshop nasceu justamente para dar mais informação e segurança a elas.
O machismo é diário, conta. Clientes e fornecedores resistem em falar com Gabriela por telefone. Um chegou a se recusar a tratar com ela, queria falar diretamente com o estoquista. Tanto insistiu que teve seu contrato de venda rompido pela empresária.
Além de Gabriela, há apenas outra mulher trabalhando na empresa - a faxineira, conta, envergonhada. Enquanto não consegue mudar esse quadro, orgulha-se por ter tornado o ambiente mais agradável. Há cerca de quatro meses em um novo endereço, a oficina foi projetada por uma das tias, a arquiteta Karina Koslowski. Sobre o piso brilhoso com pintura epóxi estão tonéis grafitados que viraram latas de lixo coloridas, mesas para o café na recepção e até suporte para a pia do lavabo.
- Quero quebrar esse paradigma de cachorro sujo na porta e mulher pelada na parede - diz Gabriela.
Uma segunda casa
A oficina sempre foi a extensão da casa de Gabriela, que cresceu correndo em meio a capôs abertos e ferramentas sujas de graxa e comendo bolos preparados até hoje pela avó Neusa.
Com quatro filhas e um filho, seu Rudi, morto em 2013, nunca permitiu pôster de mulher pelada na oficina. Mas é contra um imaginário social que Gabriela briga. E também contra a crise. A mecânica que começou na garagem do casal quase fechou há cerca de quatro anos. A clientela começou a cair, e as dívidas aumentaram.
Quero quebrar esse paradigma de cachorro sujo na porta e mulher pelada na parede.
GABRIELA KOSLOWSKI
Empresária
Gabriela já havia quebrado vários galhos na oficina, mas entrou pra valer no lugar de outra tia, que era secretária. Ao mergulhar nas contas, encontrou vários problemas. Fez ajustes pontuais, como mudanças de bandeira de cartão de crédito, e começou a ter resultado.
- Vi que era falta de gestão. Mas de nada adiantava fazer um planejamento e continuar escondido como a oficina do bairro.
Foi quando surgiu a oportunidade de deixar uma ruazinha do Partenon e se mudar para a Avenida Ipiranga. Na nova fase, a mecânica também ganhou. O momento coincidiu com a aposentadoria do tio Giovane Loureiro, genro de Rudi, que embarcou no sonho de Gabriela e se juntou também a Antonio, o filho que herdou a oficina onde trabalha desde a adolescência.
Gabriela largou a faculdade de Direito e hoje estuda Gestão Comercial. Dá sequência não só à dedicação do avô, mas também da mãe, assassinada em uma tentativa de assalto em 2006, quando ela tinha 11 anos. O crime ocorreu na saída da PUCRS, onde Débora estudava Administração para, um dia, gerir a mecânica do pai. É à perda precoce da mãe que ela atribui sua maturidade e organização para os negócios.
- Aprendi a me virar cedo. Com a pensão de morte da minha mãe, paguei meus estudos. Tinha que ter noção de quanto se ganha e quanto se gasta.
Programe-se
Workshop de mecânica básica para mulheres
Quando: na quinta-feira (22), às 18h30min
Onde: Mecânica Koslowski (Avenida Ipiranga, 8.011)
Ministrado por Cristiane Trevisan, representante de vendas de autopeças da Bosch.
Inscrições gratuitas pelo sympla.com.br.
Pede-se a colaboração de alimentos não perecíveis, roupas de adulto e de criança e cobertores para a doação.
Curso de mecânica para mulheres da EPTC
Pela quarta vez, a Coordenação de Educação para a Mobilidade da EPTC oferecerá curso gratuito na Capital. Será em 14 de setembro. Mais informações pelo telefone (51) 3289-4484.