Na nova série da Revista Donna, Trabalhe como uma mulher, vamos contar histórias de mulheres que são destaque e inspiração para outras em suas profissões. Nesta primeira reportagem, escolhemos três profissionais que atuam em mercados majoritariamente masculinos. Em comum, elas têm de lidar com o estranhamento causado pelas suas presenças em áreas como a indústria, a tecnologia e as ciências exatas. E são unânimes em um conselho: as mulheres têm de se unir e ampliar a visibilidade nesses setores.
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A seguir, leia mais sobre a trajetória de Sandra Einloft, decana da Escola Politécnica da PUCRS.
Com todas as mulheres da família na docência, Sandra Einloft não viu muita alternativa além de uma licenciatura quando chegou a sua vez de escolher uma profissão. Filha única, puxou mais pelo pai - "um motorista com pouco estudo mas que vivia fazendo contas" - do que pela mãe, professora de artes. Sandra optou, então, por química e começou a traçar uma trajetória na pesquisa assim que concluiu a graduação, com mestrado e doutorado em Engenharia de Minas, Metalúrgica e de Materiais. Hoje, aos 55 anos, é decana da Escola Politécnica da PUCRS, que reúne 13 bacharelados, coordenados, em sua maioria, por homens, além dos cursos de pós-graduação.
Se na turma da licenciatura iniciada em 1982 havia equilíbrio entre os gêneros, no mestrado, Sandra se tornou minoria, uma condição que a acompanha até hoje. Seu objetivo à frente da Politécnica é, além de internacionalizar a escola, aumentar a presença feminina.
Sabemos que, em países onde tem mais igualdade de sexos, a economia avança mais.
SANDRA EINLOFT
Decana da Politécnica da PUCRS
- Sabemos que, em países onde tem mais igualdade de sexos, a economia avança mais - diz, apontando no livro francês Perspectivas sobre interações e igualdade de gênero na academia (sem edição brasileira), uma citação de Ban Ki-moon na qual o ex-secretário-geral da ONU defende a igualdade de gênero como um progresso para todos.
Mulheres são minoria em todos os bacharelados da Politécnica salvo Arquitetura e Urbanismo, que tem 69% de alunas, e Engenharia Química, com 51%. Foi com uma lista impressa dos cursos e suas respectivas porcentagens de presença feminina que ela recebeu a reportagem de Donna na sua sala.
- Fiz o levantamento ontem. No total da escola, temos 25% de estudantes mulheres e 22% de professoras. Quero mudar esse cenário.
Como uma boa acadêmica, busca dados e evidências científicas para embasar suas ações como gestora, cargo que divide com outras funções. Enquanto não está empenhada em atrair mais mulheres para a Politécnica, atua como orientadora ou coordenadora de projetos que buscam novos materiais capazes de baratear a separação do gás carbônico para que ele não vá para a atmosfera e, por consequência, não contribua para o aumento das temperaturas globais.
Para dar conta do primeiro desafio, tem ajuda dentro e fora do campus. Em seu contato com o mercado, Sandra percebe uma alta demanda por mulheres na tecnologia. A Poatek, por exemplo, empresa de desenvolvimento de software, está fechando uma parceria com a universidade para oferecer bolsas para Ciência da Computação a egressas de escolas públicas. Com a novidade, que deve valer para 2020, a decana espera aumentar os 12,5% de mulheres matriculadas hoje no curso.
Internamente, a força vem das próprias alunas, uma minoria cada vez mais organizada. Entre os dias 16 e 18 de julho, durante a jornada acadêmica da escola, será lançado o grupo Gurias da Politécnica. Litiele dos Santos, 26 anos, formou-se em engenharia mecânica - onde as alunas são 0,5% -, hoje faz mestrado na Politécnica e é uma das criadoras do coletivo. No ano passado, ela e colegas das engenharias organizaram um evento para discutir questões de gênero e convidaram os alunos - apesar de terem ouvido de alguns coisas como "agora vocês vão começar com essa frescura?" Para a surpresa das estudantes, muitos compareceram ao auditório e o resultado do encontro foi positivo.
- Eles nos contaram que imaginavam um evento de mulheres falando mal de homem e foram surpreendidos. Passaram a entender como atitudes consideradas "brincadeiras" e outros comportamentos afetam tanto a gente - conta Litiele.
A importância da representatividade
Sandra se apoia na autora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, referência na causa da igualdade de gênero, para dizer que, nessa luta, não basta mudar a mentalidade das mulheres, é importante mudar os homens também. Além de dar espaço e incentivar as alunas, a decana tem se esforçado para convidar professoras mulheres para os eventos de captação de alunos. Como a maioria do corpo docente é masculina, acabava sendo mais fácil marcar presença com os homens. Justificada pela importância da representatividade para quem está na fase de escolher uma faculdade, a mudança pode fazer a diferença para muitas jovens, acredita Litiele.
- Minha família é de mecânicos. Cresci nesse universo de carros, e isso me fascinava. Mas ficava pensando "será q sou capaz"? Só depois de ver que minha nota do Enem era suficiente para as engenharias é que me permiti pensar em cursar uma graduação tão masculina.
A engenheira recém-formada também encontra inspiração na figura da decana e reforça a importância de ter uma mulher à frente da Politécnica.
- É sempre melhor conversar com uma mulher do que com um homem sobre esse tema. Sentimos que ela nos entende.
Sempre deixei muito claro que eu adoro o que eu faço e nunca me desculpei por trabalhar.
SANDRA EINLOFT
Decana da Politécnica da PUCRS
Sandra vê a criação do grupo como uma grande conquista das mulheres da Politécnica. E quando fala de sonhos realizados, não deixa de citar os três filhos. O primogênito nasceu no primeiro ano da faculdade. Para ela, ao contrário de ser uma dificuldade a mais, o bebê lhe deu mais força para estudar. A segunda filha chegou no meio do doutorado. Quando ela tinha oito meses, a família mudou-se temporariamente para a França, onde Sandra cursou parte do doutorado, no Instituto Francês do Petróleo.
O caçula chegou quando a mãe já era doutora. Com o trio completo, Sandra concluiu ainda um pós-doutorado. A decana é da turma do "a gente cria os filhos para o mundo".
- Imagina se eu ficasse em casa com eles? Depois de adultos, eu ia fazer o quê? Ia ficar frustrada. Sempre deixei muito claro que eu adoro o que eu faço e nunca me desculpei por trabalhar.
Mulheres no mercado de trabalho brasileiro
Elas são maioria como...
- Enfermeiras - 88,24%
- Professoras do ensino fundamental - 84%
- Psicólogas - 82,5%
- Cozinheiras - 80,68%
- Secretárias executivas - 78,29%
...e minoria como
- Engenheiras elétricas - 3,73%
- Desenvolvedoras de software - 14,36%
- Agrônomas - 30,8%
- Supervisoras de secretaria - 36,77%
- Chefs de cozinha - 42,91%
São mais escolarizadas...
- 16,9% das mulheres e 13,5% dos homens* têm ensino superior
...mas recebem menos
- Elas ganham, em média, 79,5% do recebido pelos homens**
*população de 25 anos ou mais
**entre 25 e 49 anos de idade
Fonte: Dados referentes a 2018 segundo o IBGE