Deise Nunes, a gaúcha Miss Brasil de 1986 Lupita Nyong’o: eleita a mulher mais linda do mundo pela revista People
Cidade do Panamá, 21 de julho. Deise Nunes foi chamada a responder a derradeira pergunta do concurso Miss Universo e usava um vestido lilás com gola de camisa levantada em riste. As ombreiras pontudas transbordavam o limite dos ombros dela que fora coroada a mulher mais bela do Brasil. O ano de 1986 estava explícito nos detalhes da roupa que vestia. Deise, com naturalidade, respondeu sobre o sonho de tornar-se "modelo-manequim profissional" e dirigir na freeway de Hollywood. O único impedimento: ainda teria de "tirar a carteira", revelou em bom gauchês. Uma das dez semifinalistas daquele ano, Deise perdeu a coroa para a venezuelana Bárbara. A Miss Universo 1986, na verdade, nasceu na Espanha e encerrou sua entrevista brindando o país que a recebia com o bordão do departamento de turismo panamenho, "Meu nome é Panamá!".
A escolha de começar um texto que festeje a beleza da fenotipia negra elencando o que ela não conseguiu é intencional. Não passa de uma alusão ao tipo de discurso que vemos ser repetido dia após dia. Quando pela primeira vez uma mulher negra ganhou a coroa de mulher mais bela do país, no mesmo concurso houve um prêmio do patrocinador para o "cabelo mais belo". Deise ostentava um cabelo afro volumoso que fazia jus ao sorriso largo que a gaúcha carregava. O prêmio de 5 mil cruzados foi dado às madeixas lisas da Miss Mato Grosso do Sul. Quando foi eleita, o apresentador do concurso, Silvio Santos, disse: "O público parece que aceitou bem a vitória da gaúcha, o público estava apoiando a Miss São Paulo". Deise Nunes, até hoje, é a única Miss Brasil negra na história deste país. Graça, vaidade e elegância são características dos filhos de Oxum, orixá de Deise.
A população negra responde por 50,7% dos brasileiros conforme o Censo 2010 do IBGE, a maioria. São negros menos de 18% dos médicos e não chegam a 30% dos professores universitários, segundo o Laeser - Laboratório de Análises Econômicas, Históricas, Sociais e Estatísticas das Relações Raciais, do Instituto de Economia da UFRJ. No final de abril, a comissão de Direitos Humanos do Senado aprovou o Projeto de Lei 6.738/13, que reserva 20% das vagas em concursos públicos federais para afrodescendentes nos próximos dez anos. São chamadas assim as ações afirmativas. Nos concursos de beleza, a afirmação da beleza dos negros não é natural.
Quando respondeu sobre a vontade de tornar-se modelo internacional, Deise certamente contava com a evolução dos padrões de beleza, em direção à maior diversidade. Não contava que em pleno ano de 2013, 87,6% das modelos que desfilaram nas passarelas Londres, New York, Paris e Milão fossem brancas. Foram ao todo 968 modelos das quais apenas 6,5% eram negras. As asiáticas representavam apenas 6,1% enquanto as modelos latinas alcançaram apenas 2,1% da fatia. O Oriente Médio foi representado apenas por 0,31% e as três modelos vieram do mesmo país, Israel.
Perguntado sobre os dados alarmantes, o diretor de casting James Scully, responsável por marcas como Tom Ford, Jason Wu, Stella McCartney e Lanvin, afirmou estar decepcionado com outros grandes nomes, como Chanel, Saint Laurent e Dior. Sucessos de venda, as marcas mostram pouca preocupação em criar um modelo mais igualitário de beleza. A Dior inclusive tomou uma posição contra o preconceito quando destituiu John Galliano, criador da marca, após escândalo envolvendo uma declaração antissemita do estilista. Para Scully, não há porque negar um tipo de preconceito e reiterar outro.
Um artigo do The Guardian com o título "Why black models are rarely in fashion" traz uma luz a esta questão. A maior aceitação de belezas com traços étnicos está diretamente ligada ao aumento do consumo de produtos de luxo pelo mercado asiático. O crescimento dos consumidores do mercado russo provocou a mesma reação no mundo da moda, mais modelos com cara de czarinas.
No último mês vimos a estonteante Lupita Nyong’o ser indicada pela revista People como a mulher mais bela do mundo. Vimos Beyoncé estrelar a capa da revista Time como uma das pessoas mais influentes do mundo, deve-se à maneira com que lançou seu último álbum, contrariando alguns dos preceitos que eram tidos como verdades absolutas pela indústria musical. Lupita foi alvo de críticas, muitos disseram que ela era bonita, sim. Mas que não poderia ser considerada a mais bonita. Do Quênia, terra de Lupita, houve uma enxurrada de tweets que discorriam sobre a beleza dela e, pasmem, a explicavam. Pele lisa, perfeita. Simetria dos traços do rosto, uma boneca. Alta e magra, esguia. Dentes perfeitos. No dia em que beleza – e aqui coloco também nossas escolhas de moda, que revelam muito mais sobre gênero e preconceito sociocultural do que imaginamos – for apenas "uma preferência pessoal, não tem nada de preconceito nisso" ninguém terá de bater pé para apreciar a beleza do preto.