Os porto-alegrenses costumam reclamar da falta de opções de padarias gourmet na Capital. Sempre fazem comparações com São Paulo, que realmente é uma cidade privilegiada. Mas a situação já foi bem pior. Há cerca de 10 ou 15 anos, fui fazer reportagens durante o Boa Mesa, na época o mais importante evento de gastronomia do país. Ao final da cobertura do evento, pegamos, o fotógrafo Ricardo Chaves e eu, um táxi para o aeroporto de Congonhas. Ao desembarcarmos, o motorista, surpreso com uma das abarrotadas sacolas com pão italiano que Kadão trazia nas mãos, questionou:
— Não tem pão lá em Porto Alegre?
É preciso dizer que, na época, era mesmo difícil encontrar bons pães italianos na Capital. Atualmente, o panorama está começando a mudar. Já podemos contar com poucas, mas boas, padarias gourmet. E temos até sistemas de delivery de pães especiais em casa ou no trabalho. Quer maior comodidade do que encomendar o pão de sua preferência e recebê-lo na hora do café da manhã ou do lanche da tarde? Pois esse pequeno luxo está à disposição dos porto-alegrenses. O ex-professor de panificação do Senac Fabiano Soares criou um delivery que batizou de Pãozeiro, em que oferece pães gourmet, entregues por encomenda. Já o publicitário Glênio Guimarães resolveu se dedicar a uma de suas paixões: prepara 10 tipos de pães, às segundas, quartas, sextas e sábados - e, de bicicleta, leva os produtos à casa ou ao trabalho dos clientes. Os cardápios de ambos são divulgados no Facebook ou pelo Twitter.
Kadão já pode comemorar, pois não precisa mais importar pães de São Paulo diante dessas duas boas iniciativas e de novas padarias inauguradas pela cidade, como mostra esta reportagem especial de Donna.
Veja abaixo como é feita uma baguete francesa:
O Uruguai é aqui
*Por Patrícia Lima
Depois de acordar, você nem pensa em preparar o café da manhã em casa. Vai logo para a padaria saborear um cortado acompanhado por medialunas fresquinhas: uma delas tradicional, doce, e outra rellena, com jamón y queso. Opa! Antes que o portunhol tome conta deste texto, convém esclarecer: não estamos em Montevidéu, Punta ou Buenos Aires. O cenário é aqui mesmo, em Porto Alegre, no bairro Mon't Serrat. Mas é bom saber que nas duas unidades da Sabor de Luna, o uso do portunhol é liberado e é totalmente permitido sentir-se como um hermano em sua terra natal.
Inspirado nas padarias das cidades uruguaias e argentinas e na arte de panificação francesa, o administrador Raúl Coppetti decidiu mudar de vida e, há dois anos, abriu a primeira padaria. No Uruguai, onde nasceu, Raúl se apaixonou por pão. Nas viagens que fez pelo mundo, nunca deixou de sentar-se nas padarias para saborear as iguarias locais. Transformar essa paixão em negócio foi um caminho natural.
Dos fornos da Sabor de Luna saem somente pães produzidos artesanalmente. Misturas prontas são terminantemente proibidas. Com farinha e fermentos importados e muita, mas muita manteiga - Raúl não pode ouvir falar em margarina na sua cozinha - são produzidas os pães e as estrelas do cardápio: as medialunas. Pequenas, maiores, docinhas ou recheadas com queijo e presunto, elas são o maior sucesso. Muita gente não se contenta em comê-las na padaria e as leva para casa, congeladas, para matar a vontade a qualquer hora. Uma mordida na massa fofinha e adocicada nos remete, de imediato, para uma boa lembrança vivida em Punta del Este ou Buenos Aires. Para mensurar o amor dos porto-alegrenses por esses croissants rebatizados, basta dizer que são vendidos cerca de quatro mil deles por dia.
Mas nem só de medialunas vive um uruguaio em terras gaúchas. No cardápio da Sabor de Luna também há os simpáticos panchos, o cachorro-quente tão apreciado por nossos vizinhos. Raúl garante que a mostarda incrementada, que confere sabor único àquele pancho que comemos uma vez no Chuí ou em Rio Branco, ele tem aqui. As iguarias típicas já transformaram a padaria em uma espécie de consulado para uruguaios e argentinos refugiados ou radicados em Porto Alegre. Exemplo são os jogadores D'Alessandro e Forlán, frequentadores assíduos e loucos pelas medialunas. Nas mesinhas iluminadas pelo sol da tarde, é fácil imaginar que estamos longe demais da Capital.
Endereço: Rua Pedro Ivo, 844 e Rua Frei Alemão, 328 Mon't Serrat, telefone (51) 3392-4244
Cuca de verdade
*Por Patrícia Lima
Ai que saudade da Amélia....
Sorte nossa que, ao contrário de Mário Lago e Ataulfo Alves, que choraram a saudade da mulher de verdade na canção da década de 1940, não precisamos nos lamentar. Amélia está cheia de vaidade e sabor, bem pertinho da gente.
Para encontrar a Amélia (a Boulangerie, não a da canção), basta procurar no bairro Jardim Lindóia, bem na frente de uma linda e bem arborizada praça - e a Amélia de carne e osso também vive por ali. Como forma de homenagear a mãe, os irmãos Jonathan e Stephan Darcie decidiram batizar o sonho de uma padaria diferente com a graça de dona Amélia. A família já atuava unida no escritório de advocacia. Agora, divide suas atenções com pães, bolos, cucas, cafés e tantas outras delícias. Maria Amélia em pessoa se encarregou da decoração do espaço. Utilizou mimos que comprou e outras peças de artesanato feitas por ela própria.
— Queremos que as pessoas se sintam bem aqui, que lembrem de nós como uma boa recordação e que voltem, claro — afirma Jonathan.
O sonho de abrir a Amélia foi gestado durante muito tempo. Depois de decidirem que queriam uma padaria, os irmãos passaram a procurar o local ideal para o negócio. O sócio e especialista em panificação, Gerson da Silva, encontrou no Lindóia o ponto ideal.
No cardápio estão pães feitos com esmero e ingredientes selecionados. Também há cervejas, vinhos, azeites e produtos de fiambreria. O destaque são as cucas. Até um festival da iguaria já foi realizado na boulangerie, com a produção recorde de 128 quilos do produto. A mais pedida é a Cuca Cremosa, feita com massa fofinha e recheio de creme de doce de leite e limão. Tudo arrematado pela tradicional farofa doce por cima. Depois de provar, você vai morrer de saudade da Amélia - e da sua cuca.
Endereço: Avenida Quito, 160, Jardim Lindóia. Telefone (51) 3084-5931
DNA americano
*Por Gabrieli Chanas
A Priscilla que dá nome à padaria de toldo vermelho da Vasco da Gama não está na cozinha sovando pães nem atrás do balcão anotando pedidos. Ela é a inspiração para a charmosa bakery criada pelo empresário americano Bernard Haffeman, 30 anos, 15 deles no Brasil. Flho de mãe americana - a Priscilla em questão - e de pai gaúcho, ele queria vender por aqui doces, pães e bolos iguais aos que comia na infância.
— Tem muito muffin por aí que não é muffin. E tem muita gente que come muffin que não é muffin achando que é muffin — brinca.
Criado no meio da lida com pães, Bernard diz que preparar as receitas por conta própria foi quase instintivo. Aprendeu muito trabalhando com os pais, que de 1982 a 1998 tiveram uma bakery no prestigiado bairro do West Village, em Nova York. O negócio prosperou num tempo em que acontecia nos Estados Unidos o mesmo processo que agora se vê no Brasil: a produção de pães e doces ganhando um outro nível de sofisticação.
— A bakery dos meus pais foi uma das pioneiras em uma leva de negócios que são famosos hoje em Nova York, como Dean and Deluca e EAT. Trazia um conceito novo, dando mais charme à comida americana.
Depois de algum tempo trabalhando nos Estados Unidos, a família voltou ao Brasil. Hoje, os pais moram no interior do Estado e atuam como consultores da Priscilla's, dando palpites no cardápio e sugerindo novidades. Já Bernard pode ser encontrado todos os dias (literalmente de segunda a segunda) na cozinha, testando receitas e preparando pecan pie, cinnamon rolls e os legítimos cupcakes (este último, um doce americano que ganhou tantas versões que pouca gente conhece seu sabor e textura originais).
Importar com precisão o conceito americano para Porto Alegre pede alguns truques. O primeiro é encontrar ingredientes originais. O soro de manteiga, por exemplo, usado em vários doces nos Estados Unidos, não é encontrado facilmente por aqui. Algumas farinhas também não. O que Bernard faz é adaptar ingredientes para chegar o mais próximo possível da receita original. Outra dificuldade está em encontrar mão de obra qualificada, o que faz a Priscilla's cogitar importar um padeiro.
— É muito complicado encontrar no Brasil pessoas que tenham a sofisticação que este negócio exige — justifica.
Além de pães e doces, a Priscilla's Bakery tem outra tradição americana no cardápio. Aos domingos, serve o tradicional brunch. O misto de café da manhã com almoço é oferecido das 10h às 16h com direito a panqueca e eggs benedict, tudo preparado conforme o cookbook da família para garantir que a ideia do negócio não seja perdida: DNA americano e o mesmo gosto das delícias que dona Priscilla preparava em Nova York.
Nascido nos Estados Unidos, Bernard Haffeman produz doces, pães e bolos usando receitas aprendidas com os pais, que nos anos 1980 tiveram uma padaria em Nova York. Uma das especialidades da Priscilla's é a pecan pie, torta de nozes recheada com ingredientes como mel e malte.
Endereço: Rua Vasco da Gama, 514, Rio Branco. Telefone (51) 3013-6131
O endereço estava à espera
*Por Fernanda Pandolfi
Desde que comprou a passagem para deixar São Paulo e ir para os Estados Unidos estudar panificação na San Francisco Baking Institute, Priscila Fighera já sabia que gostaria de voltar ao país e abrir uma padaria gourmet em Porto Alegre. Tão focada estava na ideia que, antes de partir, garantiu o aluguel da casa na Rua Fabrício Pilar, 822, o atual endereço da sua Padarie.
— Além da vontade de voltar para cá (Priscila é gaúcha, mas tinha uma empresa de pesquisas na capital paulista), eu acreditava que Porto Alegre tinha muito espaço para esse negócio.
Ela estava certa. No primeiro sábado em que recebeu o público, em junho deste ano, teve que fechar as portas recém-abertas mais cedo do que o previsto. Motivo: não tinha mais o que vender nas prateleiras. A padeira reestudou as fornadas - só de baguetes, são produzidas cerca de cem por dia - e abre de terça a domingo, das 8h às 20h, para dar conta de atender todos os fregueses: os que chegam pela manhã e os que gostam de comprar o pão fresquinho no final da tarde. A confeiteira sabe que o preço do seu produto é bem diferente do que o oferecido nos supermercados, mas acredita que quem vai até o seu recanto está disposto a desembolsar um pouco mais pelo produto premium e artesanal:
— As pessoas estão redescobrindo o pão e elas começaram a perceber a diferença de sabor — explica — Não querem apenas o pão de forma ou o francês. Outro item que vende muito aqui é o bolo de vó, de iogurte com chia. É o simples apresentado de forma diferente, com o cuidado na escolha dos ingredientes e na técnica.
Os carros-chefe da casa são a baguete e o pão multigrãos tradicional (com sementes de girassol, gergelim e linhaça) - este último indicado pela chef aos futuros clientes. Alguns segredinhos fazer parte do negócio, e ela dá a dica: ao contrário do que se pensa, o melhor não é comer o pão artesanal quentinho. Quando ele sai do forno, ainda está em processo de desenvolver o sabor, que estará mais acentuado depois de esfriar.
Endereço: Rua Ten. Cel. Fabrício Pilar, 822, Mon't Serrat. Telefone (51) 3517-6583
A baguete é pop
*Por Mariana Kalil
João Pedro Silva, o nome à frente da Jean Pierre Pâtisserie et Boulangerie, não costuma comer pão no café da manhã. Prefere cereais. Mas é o único momento em que se permite uma trégua do alimento. — Sou viciado em pão — admite. — Como pão no almoço e no jantar.
Transformou o vício em oficio e há três meses os porto-alegrenses (sobretudo os sortudos moradores do bairro Bela Vista) vivem o deleite de saborear as delícias da casa inaugurada para servir como local de aposentadoria de João Pedro.
— Minha vida sempre foi na estrada, estava na hora de desacelerar e construir um local na cidade onde tivesse a intenção de viver e trabalhar pelo resto da vida. Este lugar é aqui — explica.
Formado em Engenharia de Alimentos na Universidade do Chile, ele acumula experiências também em estabelecimentos alemães e americanos. Sua última parada antes de chegar a Porto Alegre foi em uma padaria de Joinville. Já são 40 anos de experiência neste mercado. Foi esta mesma experiência que ele utilizou para perceber a dificuldade de encontrar um bom pão na Capital.
Pergunto como ele enxerga esse boom das padarias gourmet. Ele responde:
— É fruto da carência e de uma tendência universal. As padarias vêm se reciclando no mundo inteiro como pontos de food service, uma vez que o hábito de fazer as refeições fora de casa só cresce entre os moradores das grandes cidades.
O carro-chefe da Jean Pierre é o pão baguete - "em volume, peso e quantidade", esclarece João Pedro. Ou seja: é o item mais produzido e mais vendido. Já os doces da pâtisserie são os campeões em faturamento e estão a cargo da chef patissière Paula Silva.
Peço a João Pedro que me ofereça uma opção salgada e uma doce. Qual seria a sugestão do chef?, é o que desejo saber.
— Eu te ofereceria o pão de gorgonzola com nozes e o Leleti — ele responde.
— O que é o Leleti? — questiono.
— É um doce de chocolate belga 50% e 70% com recheio de framboesa.
Me solidarizo com os celíacos e pergunto se a padaria oferece pão sem glúten.
— Temos poucas opções, como o pão de queijo, que é feito com muito queijo e amido de mandioca, mas nossa ideia é desenvolver outros produtos.
O chef João Pedro Silva, formado em Engenharia de Alimentos, coordena 26 pessoas na Jean Pierre Pâtisserie et Boulangerie, aberta há três meses no bairro Bela Vista, e festeja um crescimento de público de 25% a cada mês desde a inauguração: "Porto Alegre estava carente dessa opção de food service, que é uma tendência mundial", diz
Endereço: Rua Engenheiro Antônio Rebouças, 74, Bela Vista. Telefone (51) 3332-8142