O sonho de Bartolomeu era ter um filho homem, para levá-lo todos os domingos ao estádio, dar o fardamento do time e bater bola no campinho na esquina de casa. Ele sonhava com isso. Já tinha até o nome da criança: Roberto. Em homenagem ao Roberto Dinamite, o maior jogador de todos os tempos, na opinião dele.
Era Beto pra lá, Beto pra cá, isso muito tempo antes da mulher anunciar que estava grávida. Neste dia, quando ela chegou em casa com a confirmação da gravidez na mão, Bartolomeu quase enfartou.
Já queria sair correndo para comprar tinta azul e pintar o futuro quarto do garoto. O tip-top com o emblema do time do coração ele já tinha comprado muito antes e guardado, bem escondidinho. Era para dar sorte.
Ana, a mulher, teve que segurar os ímpetos do marido. Nada de pintar o quartinho de azul. Melhor esperar até saber o sexo do bebê. E se fosse uma menina?
? Menina, você está louca? É claro que vai ser macho. Vai adorar jogar bola e, se Deus quiser, vai ser jogador de futebol. Muita grana no bolso e a mulher que quiser, na hora que quiser...
Ele dizia isso e seus olhos brilhavam. Claro, havia uma explicação: ele tinha sido jogador, de um time da terceira divisão. Mas não passou daquilo. Era razoável até, como lateral esquerda. Mas depois de uma contusão séria teve que se contentar em sentar na arquibancada e torcer pelos ex-companheiros.
Mas com o filho que iria nascer a situação seria diferente. Para começar, o menino iria fazer trabalho de fortalecimento muscular desde cedo. Iria para a escolinha de futebol logo que aprendesse a ficar em pé sozinho. O futuro do garoto prometia...
Na casa de Bartô (era o apelido dele) esse era o único assunto. Os amigos até evitavam ir lá, para não ter que ouvir sempre a mesma história. Até que chegou o dia do exame para saber o sexo do bebê. Ele não estava nervoso, porque tinha certeza de que seria macho o seu futuro campeão dos campos de futebol.
Ana estava angustiada, não para saber se esperava um menino ou menina. Para ela, vindo com saúde é o que importava. Mas o medo de Ana é que o marido fizesse um escândalo, caso o ultrassom mostrasse que o bebezinho era, na verdade, uma bebezinha.
E não é que era? A médica foi rápida e rasteira: parabéns papais! Vocês terão uma garotona!
Ana chorou de alegria. O bebê era perfeito! Bartô ficou com os olhos esbugalhados e marejados. Balbuciava: não pode ser... Mas como? Por que comigo? E decidiu emudecer (menos mal, pelo menos não fez fiasco na clínica, pensou a mulher).
No ônibus, na volta para casa, continuava calado. Não tocou no assunto por um bom tempo. Pegou o tip-top com o emblema no time e queimou. Estava arrasado. Mais tarde, pintou o quartinho de rosa, como a mulher pediu, sem abrir a boca.
Luciana nasceu linda, forte, saudável. Ele não quis acompanhar o parto porque dizia não poder ver sangue. Tinha medo de desmaiar. Depois, no quarto da maternidade, foi flagrado pela mulher dando beijinhos na testa da criança. Aquele serzinho recém-chegado já estava amolecendo o coração do pai.
Não precisou de muito tempo para ele ficar completamente apaixonado pela menina. Comprava bonequinhas, livrinhos, roupinhas... Bola não. Nem queria mais saber do assunto. Até que Lulu, a menina, começou a frequentar a escola.
Um dia, a professora mandou um recado na agenda da garota: "a Lulu ama jogar futebol, e parece ter muita habilidade com a bola. Ela realmente tem uma aptidão especial para esportes". André quase caiu para trás: como assim, aptidão? A Lulu? Uma menina?
Todo o passado voltou à sua mente. Bartô comprou uma bola e deu à garota, que fez dezenas de embaixadinhas ? aliás, muito mais perfeitas do que as que ele fazia, muito tempo atrás. Gol a gol. Driblezinho. Chute do meio de campa. Cobrança de falta.
? Caramba, não é que tu manda bem mesmo!
Dentro de Bartô, aquela paixão antiga pelo futebol, há tanto tempo adormecida, voltou com tudo.
Saiu para procurar escolinha, treinador, começou a cuidar da alimentação da sua atleta. Lulu tornou-se uma grande companheira. Vão todos os domingos para o estádio, fardados com as cores do time. No campeonato da escolinha de futebol, Bartô olha para ela, suspira, e comenta: a Lulu é tudo com que eu sempre sonhei.
A garota, que se prepara para entrar em campo, volta-se, olha para o pai, sorri e diz:
? Me deseja boa-sorte!
Ele manda um beijo para a filha e para de conversar. É hora de se concentrar e torcer.
? Vamooooo lá timãoooooooooooo!
Vida de pai de filho craque não é moleza.